O bebê perdido

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Saí do aeroporto com uma nova identidade, pronta para começar uma nova vida longe de Madrid. Por mim e pela minha filha. Precisava dar a ela uma infância estável. Eu devia isso a minha bebê.

Fomos morar em uma cidade no sul da França. Era relativamente distante da capital, do burburinho dos turistas e das luzes de Paris. É composta por uma dúzia de casas de verão luxuosas, dispostas por ruas limpas e silenciosas, lojas locais milenares e parques tão floridos quanto as ruas pouco movimentadas. Os moradores passeiam com seus cachorros e tomam café da manhã nas padarias, enquanto o cheiro do pão recém feito invade suas casas, se esgueirando pelas ruas e dando a cidade uma aura familiar e aconchegante. É a porra do paraíso.

Era domingo, e o sol da manhã invadia a cozinha.
A casa em que moramos não é exatamente muito grande. A construção é de pouco depois dos anos 70, com dois andares, um quintal incrível, cheio de flores que não sei cuidar e grandes janelas, por onde eu costumo assistir o correr dos dias.

Comissário me fazia companhia enquanto eu cortava uma pera em pequenos pedaços para minha filha. Victoria aguardava brincando no tapete da sala, colocando um bloco colorido sobre o outro. A cozinha e a sala são integradas, então eu posso observá-la. Puta merda, não consigo tirar os olhos dela nem um minuto.
Eu me aproximei, o pote com a fruta em cubinhos em uma mão e o babador na outra.
-Vamos comer, meu amor? -Victoria agitou os bracinhos enquanto sorria, animada. Me sentei no sofá e a coloquei no meu colo.- é pera. Poire, filha -Fiz uma nota mental de parar de falar só em espanhol com ela. A gente mora na França.- cortei em cubos, como você gosta. Pode pegar com a mão.

Victoria balançou a cabeça, em negativo. Eu tentei fazê-la comer a fruta, sem sucesso, e ela acabou fazendo um escândalo até eu dar o peito para ela.
O silêncio foi interrompido pelo som da campainha, que se difundiu e ecoou pela casa. Vic mal se moveu; continuava mamando avidamente. Me levantei, com ela no colo, e atendi. A figura de um homem de 1,90 surgiu diante de mim.
-Oi, Alicia -Marselha disse. Meus olhos se arregalaram, surpresa e preocupada com a menção do meu antigo nome. Abro espaço e o convido para entrar. O croata entra e fecha a porta atrás de si.-
-Oi. E...o que te traz aqui?
-O Professor.
-E o que caralhos isso significa? -Perguntei, dando de ombros.-
-Ele encontrou em contato comigo. Queria que eu viesse...ver vocês.
-Ah. Você parece meu agente da condicional. Quer ver se tem droga na minha gaveta de meias? -Ele riu. Marselha observava a casa, o olhar atento notando os brinquedos bagunçados e o cinzeiro na mesa de centro.- quando ela acabar...eu te ofereço um café. O que acha?

Marselha assentiu. Depois de pouco tempo de conversa afiada, Victoria parou de mamar. Tirei sua boquinha do meu seio e a coloquei no tapete da sala, de volta ao mistério dos blocos coloridos e dos quebra-cabeças infantis. Ela parecia concentrada demais nas peças e em como juntá-las, enquanto eu só me perguntava do motivo real da visita de Marselha.
Fiz um café e servi para nós dois na bancada da cozinha. Estávamos sentados lado a lado. Depois de bebericar o café quente e aguado, eu disse:
-Tá uma merda -Ele assentiu, e nós dois rimos. Me levantei e servi um vinho para nós dois. Uma taça ao lado da outra, elas se enchiam e se esvaziam rapidamente, enquanto ele me contava das suas viagens ao longo do último ano e eu das minhas aventuras como mãe. Nós riamos igual dois idiotas apaixonados das piadas e situações mais banais e toscas que se pode imaginar; mesmo em estado de semiconsciência, em sempre olhava para Vic. Ela continuava concentrada juntando as peças.- a Victoria puxou toda a minha blusa. Eu juro para você. Metade da cidade viu o meu peito naquele dia, e a outra metade vê quando eu deixo ela na babá pra sair com uns caras.
-Ela é igual a você! Só faz o que quer.
-Parece que o feitiço se virou contra o feiticeiro -Eu ri, e lancei meu olhar para o tapete. Victoria não estava lá; olhei em volta, rápido.- cadê ela? -Falei, rápido, a procura de mais um par de olhos para me ajudar a achá-la.-

Nós dois nos levantamos, a garrafa de vinho vazia em cima da bancada e o conteúdo dela ainda fazendo efeito nos nossos organismos. Eu me tremia inteira. Desde quando os falsos policiais a tiraram de mim, antes de roubarem o ouro, acho que nunca senti tanto medo. Ela tinha 1 ano. Não andava. Não pode ter ido muito longe.
-Ela engatinha? -Marselha perguntou, do outro lado da casa. Eu olhava o seu quarto e ele parecia estar no banheiro.-
-Sim! Mais rápido do que a porra de um cavalo de corrida.
-Aonde ela pode estar? -A mesma pergunta ecoava na minha cabeça, repetidamente, em loop.-
-Eu...-Mal conseguia falar. Andava rápido, nervosa e desajeitadamente pela casa, olhando debaixo e em cima dos móveis.-
-Achei! -Marselha gritou, dos fundos da casa. Eu suspirei e corri na direção deles. Peguei a minha filha do seu colo, e a abracei forte.-
-Aonde ela tava?
-Dentro da casinha com o gato -Ele apontou a casinha de Comissário. Eu comecei a chorar, aliviada.-
-Eu sou uma péssima mãe -O efeito do álcool estava aparecendo. A culpa parecia estar se multiplicando por 1 milhão.- não se perde o amor da sua vida duas vezes. Já perdi o German. Não posso perder ela -Digo, até sentir os abraços grandes de Marsella envolta de mim. Ele acariciava a cabecinha de Victoria e o meu cabelo.-
-Você perdeu ela por 2 minutos.
-Minha filha -Eu cheirava a cabecinha dela e os cachos ruivos que cresciam.-
-Tá tudo bem. Alicia -Lancei meu olhar cheio de lágrimas para ele.- você é uma ótima mãe. Tá tudo bem.
-Tá.

Primeira Noite em Paris 2022Onde histórias criam vida. Descubra agora