A ligação

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As semanas que se sucederam ao nosso retorno a Paris, depois da lua-de-mel, foram intensas. Meu marido e eu passamos a sair bem mais juntos, voltando já quando o sol tornava a nascer. Victoria quase não notava as nossas escapadas, considerando que estava dormindo enquanto conhecíamos motéis e restaurantes novos e cada vez mais caros. Eu ou Marselha colocávamos ela para dormir e saíamos logo quando ela pregava os olhos. Nos divertimos muito nessa época. A rotina tornou-se bem menos maçante, e pela manhã, parecíamos pais bem mais felizes. Estávamos bem mais felizes.

Não sei quando eu engravidei. Você se pergunta isso quando vê o teste positivo aos 46 anos. Como, quando, por que, onde. Como? Transando: transando muito sem usar nenhum método contraceptivo. Esse é o como. O quando? Ah, depois da lua-de-mel. E onde: pode ter sido em um motel de luxo, em uma das suas camas redondas, pode ter sido na banheira do apartamento ou na nossa cama. E o por que eu nunca vou saber.
Fiquei chocada quando descobri. Encarei o teste por um tempo, pensando nos comos e nos quandos, me imaginando contando pro Marselha e perdendo, parindo e morrendo. Ele ficaria absurdamente feliz, sei disso. Victoria daria sugestões de nomes e sentiria ciúmes. Eu choraria, certa de que o parto seria ainda pior do que foi o dela. Me sentia prestes a me afogar nos meus pensamentos. Dei descarga, guardei o teste no bolso e peguei meu celular. Estava no banheiro do meu quarto com Marselha, a porta trancada por dentro. Ele e minha filha estavam na sala brincando. Procurei o contato e liguei. Depois de dois toques, escutei a voz do outro lado da linha e me pus a procurar as palavras.
-Oi, Lúcia -Ela disse.-
-Não me chame assim, Raquel. Não combina.
-Claro que combina.
-Sei -Ficamos em silêncio. Eu que havia ligado, mas me faltavam palavras. Estava buscando elas, buscando a coragem.- me desculpe. Por ter ligado.
-Imagina. Quer uma segunda lua-de-mel?
-Ah, quem dera fosse isso, Raquel. Queria mesmo que fosse.
-O que aconteceu?
-Tô grávida.
-Parabéns -Raquel falou, depois de alguns segundos de silêncio.- uma vida sempre é uma benção.
-Acho que já ouvi isso.
-Pois é.
-Tô com medo. Sou velha demais.
-Também sou.
-Não...-Realizei.- você também é? Também, também está grávida?
-Sérgio ainda não sabe.
-Está de quanto tempo? Meu deus, Raquel.
-9 semanas. Você?
-Acabei de fazer a merda do teste.
-Vai ficar tudo bem. Só assusta ver o positivo.
-Você tá bem?
-Tô. Tô feliz.
-Que bom.
-Vai ficar tudo bem com vocês, Alicia. O Marselha é ótimo. Vai ser um ótimo pai. Já é, na verdade.
-E eu?
-Você o que?
-Acha que vou morrer? Estou muito velha.
-Você vai viver muito ainda, Alicia, por que vaso ruim não quebra nem se você joga da cobertura.
-Você é uma boa amiga -Falo, chorosa.- não que sejamos amigas.
-Claro. Vamos fazer isso juntas -Assenti, mesmo sem ela ver, as lágrimas de medo nas minhas bochechas.- mas já fomos demais para Paris. Chegou a vez de vocês virem pra Bali.
-Como é o voo?
-Tranquilo. E não é como se vocês não tivessem dinheiro para uma primeira classe. Não recomendaria um voo particular, mas vocês que sabem.
-Obrigada, Raquel. Depois nos falamos. Me desculpe, de novo.
-É bom falar com você. Também estava pensando em ligar.
-Tá.
-Fica bem.
-Vocês também.
-Manda um beijo pro Marselha.
-Vou mandar -Desliguei.-

Fiquei encarando o celular, os 5 minutos que pareceram 50. Suspirei e saí do banheiro. Encontrei meu marido e minha filha brincando na sala exatamente da mesma forma como eu os deixei, mal notaram que eu havia ido ao banheiro.
-Vem aqui, mamãe.

Victoria me chamou. Eu fui até eles, ignorando o teste positivo no meu bolso e tudo o que aquilo significava. Pelo menos tentando ignorar.

Primeira Noite em Paris 2022Onde histórias criam vida. Descubra agora