O garçom

78 12 2
                                    

Passamos os primeiros meses da gravidez bastante juntos, eu e meu marido. Marselha estava extremamente interessado nas nuances da gravidez, temendo perder qualquer pequeno detalhe, os dignos de nota e os indignos. Eu tinha que tomar vitaminas e mais um par de remédios, fora o risco de aborto, diabetes gestacional, hipertensão e parto prematuro. Todos os médicos faziam questão de aumentar a lista com cada vez mais riscos, e isso não ajudava em nada. Meu marido sentia o meu desconforto, via nos meus olhos as lágrimas que eu não deixo ninguém mais ver. Então me lembrava de tomar os remédios e as vitaminas (depois de um tempo até Victoria passou a fazê-lo, copiando e seguindo Marselha a todo custo) até eu tomar todos. Sentia vontade de vomitar, eles me faziam sentir uma náusea péssima.

Nesse dia eu completava 27 semanas (7 meses), e já dava para notar. A minha barriga estava um pouco maior do que quando estava grávida de Victoria. Minha filha demonstrava um interesse especial por ela, e eu me sentia aliviada ao não vê-la enciumada. Mais tranquila. Tudo me cansava, inclusive meu trato com ela, mas o mantra de que tudo poderia piorar ecoava na minha cabeça. E Marselha estava ficando bem mais com Victoria, me dando mais espaço para me cuidar. Em suma, estávamos indo bem, não perfeitamente, mas bem.
Marselha tinha acabado de nos inscrever em um clube incrível em Paris. Era um lugar muito caro, e só famílias riquíssimas com linhagens parisienses centenárias frequentavam. Marselha conheceu e achou a estrutura bonita e boa para Victoria brincar, considerando as piscinas (uma olímpica e uma infantil, ambas térmicas) e os parquinhos. Era a minha primeira vez lá, mas Victoria já estava acostumada a frequentar com Marselha. Tínhamos acabado de estacionar o carro e estávamos passando pelas quadras e lagos, indo pra área da piscina.
-Olha, mamãe, ali é a quadra de tênis! -Ela apontava pros lugares, me guiando como uma guia turística até a piscina. O sol queimava o topo da minha cabeça.-
-Porra, aqui é muito grande -Comentei com meu marido. Ele assentiu e passou a mão pela minha cintura.-
-É incrível, meu amor. Você tem que ver a área da piscina.
-Tem um lugar com sombra pra eu ficar olhando vocês? Não quero ir pra piscina.
-Por que não? -Dei de ombros. Já podia avistar as espreguiçadeiras com guarda-sóis.-
-Tô cansada. E não é como se eu estivesse na minha melhor forma.
-Ei, não fala assim. Você tá linda -Lancei meu olhar de canto de olho pra ele, depois suspirei.-
-Nem tenta.
-Mamãe, me dá colo -Victoria pediu, balançando os bracinhos na minha direção.-
-Pera, filha. Leva a minha bolsa pra mim? -Insinuei entregar a minha bolsa pra Marselha, que pegou Victoria no colo.-
-A Vic vai no colo do papai, né?
-Não precisa me tratar como se eu estivesse doente.
-Só tô sendo cuidadoso. E seria mais fácil se você simplesmente aceitasse o cuidado.
-Tá.

Chegamos na área da piscina. Era uma piscina muito grande, cercada por espreguiçadeiras com guarda-sóis, a maioria vazia. Escolhi um lugar na sombra, coloquei minha bolsa e me sentei.
Marselha tirou a blusa e jogou pra mim, ficando só de calção. Pegou Victoria no colo e entrou com ela, que se agarrava a ele com medo de se soltar na água. Observei os dois por muito tempo, e parecia impossível que ela não tivesse os genes dele.

Pedi no bar uma gim-tônica pro Marselha (era para mim, mas diria que comprei para ele) e consegui tomar dois goles até ele começar a discursar, depois de interromper a brincadeira com Victoria na piscina, que eu não poderia beber aquilo.
-Sabe o quanto faz mal pro bebê? -Meu marido e minha filha estavam apoiados na borda da piscina.-
-Eu pedi pra você.
-Sei. Vou aí beber o resto, então.
-Sabe que dois goles de álcool não vai matá-lo, né? Outras coisas vão.
-Não fale assim, por favor -Ficamos nos encarando em silêncio. Me vi obrigada a mudar de assunto.-
-Quer que eu fique com ela na piscina das crianças? La é raso, né? Não quero ter que entrar com ela.
-Eu quero ficar aqui, mamãe. Com o Marselha.
-Tudo bem pra você? -Perguntei, porque não suportava a imagem da minha filha enchendo o saco dele. Marselha assentiu e os dois voltaram pro meio da piscina juntos. Ele voltou a me lançar o seu olhar um par de vezes, certo de que me pegaria bebendo. Deixei o resto da gim-tônica de lado, observando o gelo derreter. A verdade é que o gosto tinha me enjoado. Era bom, mas cítrico demais.-

Passei o resto da tarde observando um garçom do bar. Ele me encarava indiscreto, e eu me perguntava o que chamou a atenção dele em mim. Sabia que não estava na minha época mais bonita. Talvez ele só procurasse uma mulher rica para satisfazer os seus desejos sexuais e materiais, mas também duvido muito. Aquele garoto branco de no máximo 25 anos estava curioso, e procurava no meu rosto alguma imagem que ele já tinha visto.
Resolvi pedir uma água. Mesmo depois de horas, eu ainda sentia a merda do gosto cítrico na boca. Sinalizei pra ele. Queria falar com ele.
-Uma água sem gás -Pedi, em francês. Ele assentiu e trouxe para mim uma água mecanicamente, alguns minutos depois. Enquanto eu bebia, permaneceu parado ao meu lado.-
-Se me permite...a senhora me parece familiar.
-Não nos conhecemos -Afirmei, certa.-
-Claro. Me desculpe incomoda-la...
-Lúcia -Completei.-
-A menina é sua? -Não estava gostando do rumo da conversa.-
-É.
-Muito bonita.
-Obrigada.
-Se parece com o pai -Ri, porque aquilo me pareceu uma piada. Assenti diante da cara de confusão do garçom.-

Mas diante da minha risada a expressão dele mudou. Passou de um curioso confuso a um assustado. Se virou e voltou pro bar, e tenho certeza que pela primeira vez em quase 4 anos alguém lembrou-se de mim. Alguém que não fosse Marselha ou Sérgio. Mas alguém que assistiu a coletiva de imprensa e me viu admitir pros jornalistas que a polícia sabia de tudo o que foi feito com Aníbal. Alguém que, há 4 anos, assistiu a cobertura do assalto e viu a inspetora. Fiquei verdadeiramente assustada.
-Amor -Chamei Marselha. Ele tirou o olhar de Victoria e o pousou em mim.- vem aqui.

Primeira Noite em Paris 2022Onde histórias criam vida. Descubra agora