A noite em Paris

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O resto do dia se desenrolou em uma tensão absoluta e entediante entre eu e Marselha. Parecíamos um casal que não queria brigar na frente das crianças, com respostas sucintas, perguntas curtas e pouco contato visual.
No entanto, o clima tenso não parece ter atingido Victoria. Passei o dia tentando ensiná-la a balbuciar qualquer coisa além de mama, mas ela parece suficientemente intrigada com apenas essa palavra. Coloquei-a para dormir quando a noite caiu, e segui pelo corredor segura de que ela estaria envolta em um sonho profundo até de manhã.

Encontrei Marselha na sala, sentado no sofá assistindo a televisão. Ele era tão grande que tornava o sofá pequeno. Abaixou o volume quando notou a minha presença, virando o seu corpo pra me mirar.

Sentia-me confusa diante do seu olhar, e odeio a sensação da confusão. Achei que as coisas estavam claras, entre nós. Casual. Um sentimento ou outro poderia surgir, como com a dança de ontem. Mas nada além de um breve encantamento.

Enchi meu pulmão de ar para falar, mas ele se adiantou. Se levantou e ficou diante de mim, ainda assim mantendo uma certa distância.
-Não te entendo. Achei que também gostasse de mim.
-Eu gosto -Protestei.-
-Mas não me ama?
-A gente tá transando há 4 dias.
-Você sabe que falamos de coisas que começaram na época do assalto...não finja que nos esbarramos em uma padaria semana passada. Temos alguma história -Ele estava certo.-
-Não entendo aonde quer chegar. Quer ficar comigo? -Marselha assentiu. Vi uma pontada de alegria no seu olhar diante da possibilidade.- não sei se dá. Eu tenho a Victoria, e não é como se eu tivesse uma rede de apoio. Estou disposta a ir embora amanhã e esquecer o que você disse sobre amor.
-Por que eu iria abrir mão de você e dela? Tô me fodendo pra rede de apoio. Eu quero ficar com você, e eu amo a Victoria. Ela tá longe de ser um problema comparado a sua insistência em se distanciar.
-Puta merda. Se toca. Você tá encantado, mas vai passar. Logo meus peitos estarão caídos e você verá que nunca foi amor.
-Me escuta -Marselha disse, suspirando fundo. Eu o interrompi mesmo assim.-
-É tudo questão de tempo, isso eu te juro.
-Não! Caralho, deixa eu falar! -Ele disse, aumentando o tom de voz.- se eu pudesse, eu ressuscitaria seu marido. Eu faria você nunca ter que perdê-lo. Nem o seu emprego. Nem a sua identidade. Mas eu não posso fazer isso, né? O que eu posso fazer, é falar pra mulher que eu amo, que eu a amo. E se ela não fosse tão durona, ela escutaria. Quero chegar ao lugar que só a Victoria chega, pra te mostrar que eu gosto de você. E que se você gostar de mim de volta, sabe o que vai acontecer? Ou a gente vai ser feliz juntos, ou a gente vê que só tem química pra foder, e isso, eu te garanto, é o pior risco que você corre tentando. Então vê se coloca a sua cabeça genial pra pensar. Porque eu tô aqui, igual um idiota, te falando que eu tô disposto a amar você. E você tá aí, igual a porra de uma idiota, tapando os ouvidos.

Nos encaramos por um tempo. Marselha parecia arrependido por ter aumentando a voz, e se aproximou, devagar. Logo nossos corpos se encontraram, encaixando-se em um beijo perfeito.

Ficamos deitados no sofá, depois de transar, o meu rosto no peito peludo dele. Marselha acariciava o meu cabelo quando falou, quebrando o silêncio confortável que caíra sobre nós:
-Eu gosto de você desde quando te vi pela primeira vez, no assalto -Ele disse, e eu virei meu rosto na direção do dele.-
-Quando eu enfiei uma agulha no seu pescoço? Ou quando o Professor fez o meu parto?
-Eu acho que quando você me amarrou -Eu o lanço um olhar surpreso.-
-Não sabia que você gostava dessas coisas, Marselha -Nós dois rimos.-
-Não é só você que é uma caixinha de surpresas.
-Tô vendo.

Aquela foi a nossa primeira de milhares de noites em Paris. Abraçados, sonolentos e apaixonados, dormimos juntos na sua sala, que logo se tornaria a nossa.

Primeira Noite em Paris 2022Onde histórias criam vida. Descubra agora