O colégio novo e a discussão no carro

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Os dias se passaram. Primeiro, bem devagar, considerando o clima entre eu e o meu marido.
Conversamos, e aos poucos nos acertamos. Não deveria ter chamado ele de bruto (não é mentira, mas eu não precisava ter dito aquilo) e ele poderia ter evitado a menção que fez ao meu passado recente na polícia. Em resuma, ambos erramos e sabíamos, admitimos e nos desculpamos.

Matriculamos Victoria no colégio. É uma creche muito bem avaliada, e os métodos de aprendizagem parecem ser bons. Levamos ela pro primeiro dia, e acho que não a via tão animada assim há muito tempo. Não fez escândalo, não chorou, só deu um abraço em mim e em Marselha e saiu pulando com a mochila de borboleta nas costas até o portão do colégio, enquanto as marias-chiquinhas balançavam com o movimento do seu corpo. Nós dois ficamos encarando ela, dois bobos esperando qualquer movimento que fizesse ela querer voltar pra casa; não aconteceu nada. Entrou na escola e ficamos olhando o portão fechado.
-Ela cresceu, né? -Marselha falou, passando a mão pelo meu ombro. Tirei meu olhar do portão e o lancei para o seu rosto. Lágrimas cresciam dos seus olhos.-
-Vamos embora. Ela não vai voltar.
-Quer almoçar aonde?
-Qualquer lugar que não tenha azeitona. Sabe que ela adora azeitonas e sempre dou as minhas pra ela.
-Tive vontade de chorar, e me senti ridícula por isso. Meu marido me abraçou.-
-Em 5 horas a gente vai pegar ela -Senti as lágrimas dele molhando o topo da minha cabeça.-
-Vamos embora -Desvencilhei o abraço e andei na direção do carro. Marselha me seguiu e pegou a minha mão.-

Me senti aliviada por saber que Victoria estava conhecendo mais o mundo, mas não conseguia suportar a ideia de que o tempo em que ela ficava só comigo e com Marselha em casa havia acabado para sempre. Que agora ela conheceria crianças da sua idade, e que nós seríamos só uma porcentagem da sua vida, e que perderíamos lugar cada vez mais ao longo dos anos.
Tratei de ocupar a minha cabeça (e a de Marselha) com as inúmeras reclamações da gravidez.
-Tô com muita dor de cabeça -Comentei. Meu marido dirigia para um restaurante.-
-Eu posso fazer alguma coisa? -Fez carinho na minha coxa.-
-Eu pareço muito mais velha?
-Como assim?
-A gravidez me deixa mais velha além de mais gorda?
-Acho que não. Você me parece linda, sempre linda e cada vez mais linda.
-Mentiroso.
-Sabe que as vezes olho pra você e penso: aonde achei ela? E eu simplesmente sei que você é a mulher da minha vida. Não só porque é bonita, nem só porque é inteligente. Mas porque você é fascinante!
-Cê quer me comer? -Nós dois rimos.-
-Falando sério, é o amor da minha vida! -Lancei meu olhar pra janela do carro, para a Paris que passava por nós do lado de fora. Dei de ombros.-
-Ta bom.
-Mas uma coisa eu posso te dizer: você tá muito gostosa.
-Pervertido! Quer me comer e fica me bajulando.
-Tô falando sério. Não que eu não queira transar.
-Tá bom. Qualquer coisa, ouvi dizer que o banheiro desse restaurante é bem grande.
-Happy wife, happy life.

Nós dois rimos e começamos a especular sobre a futura profissão da Victoria.
-Acho que ela vai ser tipo uma bióloga, sabe como gosta do comissário e dos animais. Parece sempre interessada -Marselha disse. Eu assenti.-
-Certamente se sairá melhor do que nós.
-Como assim? -Ele pareceu ligeiramente ofendido.-
-Pelo amor de deus, olhe pra nós! Não somos exemplos -Estava falando mais na brincadeira, e esperava que o meu tom risonho desse a entender isso, mas Marselha pareceu verdadeiramente irritado.-
-Somos o que somos. Não é perfeito, mas é de verdade. E já que se preocupa tanto com os exemplos da Victoria, porque não cria ela com o seu ex marido incrível? Não precisa ficar me lembrando toda hora que você tinha um médico do seu lado e agora tem um ladrão.
-Porra, eu nem tava falando disso.
-Sempre me lembrando de onde eu vim, se certificando de que eu não vou esquecer.
-Não é isso, já falei.
-É que você sempre fala de um jeito tão...
-Esqueceu que eu tô com dor de cabeça? Fica quieto -O interrompi, e admito que fui grossa demais.-

Discutimos até o restaurante. Comemos pouco e conversamos menos ainda.

Buscamos Victoria no final do dia, e como ela estava radiante. Nos contou dos colegas e detalhes que só as crianças notam, com uma animação contagiante além de infantil.
Pedi desculpas para Marselha de noite, ele assentiu e me beijou. Aceitou minhas desculpas e pediu desculpas por ter sido reativo.

Primeira Noite em Paris 2022Onde histórias criam vida. Descubra agora