O segundo anel

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Eles foram embora depois de 10 dias de visitas, dicas de restaurantes e passeios. Os três nos seguiam e seguiam as nossas dicas de não turistas em Paris, e acho que tornamos a viagem deles bem mais interessante, sem encheção de linguiça pros turistas desavisados. Victoria reclamou de saudades deles por um tempo, e insistia para que eu ligasse, principalmente para falar com o Professor. Dizia que ele era muito interessante, e eu tentava entender a sua língua embolada ainda em desenvolvimento enquanto ela me explicava sobre o que os dois conversavam. Ele falava muito de ciência, de acordo com a minha filha, e Palermo acompanhava com a física, fruto da sua atuação como engenheiro, imagino. Mas logo ela se esqueceu deles, e a nossa vidas tornou a se reduzir a troca de apartamentos constante, eu e Victoria no de Marselha ou ele no nosso, nos passeios que fazíamos juntos e no nosso relacionamento. Ele parecia cada vez mais ligado a Victoria, e eu ainda pensava no que Raquel havia me falado sobre sua semelhança e o quanto aquilo estava escancarado para ela, que havia conhecido o German. Mas costumava afastar esses pensamentos, como se isso fizesse eles deixarem de existir, como se eles se dissipassem até desaparecer se eu não os alimentasse.

Nesse dia Marselha estava especialmente nervoso. Já estava em um estado constante de nervosismo e tensão há uns 4 dias, mas naquela quinta-feira chuvosa o meu namorado era uma pilha de nervos prestes a explodir com uma breve insinuação. Tentava descobrir a fonte da sua ansiedade da mesma forma que eu descobria o esconderijo dos bandidos na minha época na polícia, mas não era tão excitante observá-lo picar a cebola com agressividade enérgica e fechar as janelas brutalmente até fazer o vidro tremelicar. Simplesmente não era interessante, então já havia desistido de tentar identificar a fonte do seu descontentamento no quarto dia.
Nesse dia eu mesma coloquei Victoria para dormir, no seu apartamento. Fechei a porta do quarto e segui pelo corredor até a cozinha, aonde ele me esperava, sentado na mesa com uma expressão clara de medo no rosto, e antes de eu me perguntar o que ele temia,
meu namorado se levantou e apagou todas as luzes da casa. Desligou a dor corredor, o abajur da sala e a luz da cozinha: a noite nos engoliu e logo já estávamos em completa escuridão. A única luz que eu via era a que entrava da janela da cozinha, a luz dos postes da rua. Meu namorado abriu a porta da geladeira, e agora eu tornava a ver os contornos do seu rosto. Ele sorria. Parecia um sorriso nervoso.
-Ta tudo bem? -Perguntei. Isso bastou pra ele se ajoelhar. Dava para enxergar as lágrimas se formando nos seus olhos, mas fiquei mais supresa por nota-las nos meus.-
-Quer se casar comigo? -Perguntou, e deu pra ver a tensão na forma como ele pronunciava as palavras pausadamente.- ser minha mulher e minha amante?
-Meu deus, Marselha...-Me ajoelhei e peguei seu rosto com as mãos. Queria beija-lo e dizer que o amava. Queria sair correndo, queria me casar, queria dizer não, mas queria muito mais dizer sim.- sim.

Meu namorado (agora noivo) suspirou tranquilo e me abraçou. Conseguia sentir o seu coração pulsando forte dentro do peito. O beijei.
-Adorei a geladeira -Citar a referência foi a minha forma de dizer que o amava, e o quanto o amava.-
-É? -Assenti, sorrindo. Ofereci minha mão esquerda para que ele colocasse o anel no dedo anelar, e a imagem de German fazendo o mesmo pedido me pareceu coisa de outra vida.- achei o mais lindo da loja -Apontou pro anel com um diamante pequeno. Devia ter caro, ah sim, muito caro, mas era discreto também. Era lindo.-
-Eu adorei. É lindo.
-Achei a sua cara. E olha isso aqui -Marselha se virou e tirou do bolso uma segunda caixinha, só um pouco menor. Me entregou. Abri e me deparei com um anel idêntico ao meu, em proporções bem menores.- para a Victoria. Mandei fazer um igual. Foi o dobro do valor do seu, e eu sei que ela vai perder depois de enfiar a mão na areia...-Ele deu de ombros.- mas quero que ela participe de tudo.

Aquela foi a forma mais bonita de dizer eu te amo que eu já havia ouvido. O abracei mais uma vez, apertando o segundo anel na palma da minha mão.

Primeira Noite em Paris 2022Onde histórias criam vida. Descubra agora