A janela

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O dia estava lindo quando nos casamos. Não foi nada muito grande, considerando a estreita lista de convidados, mas a meia dúzia de pessoas que preencheram as cadeiras em volta do altar eram as que mereciam estar lá. Não tinha a colega de trabalho, nem a amiga de infância com quem você não fala há anos, muito menos a sogra inconveniente que fica xeretando e importunando a noiva e o tratamento que seus convidados recebem, sempre achando problemas nas coisas, sempre reclamando. Claro que um casamento com uma criança não tinha como ser perfeito. Não foi, mas a presença de Sérgio e Raquel distraiu Victoria o suficiente. Além deles, Palermo e Bogotá (não havíamos nos conhecido até então. Marselha me contou dos seus roubos e feitos com ele e Berlim, o irmão do professor, ex da pianista que roubou o ouro roubado) e ele pareceu aberto a fingir que eu não era a Inspetora do assalto, que eu não tinha mandado atirar na mulher que ele amava, tirando dele o que um dia foi tirado de mim. Marselha me contou sobre a Nairóbi muito depois, da forma como Bogotá gostava dela, como ela era, a quem eu havia direcionado toda a minha raiva pelo Sérgio. Como se ele precisasse me lembrar. Mas não a matei (repetia isso com frequência demais pra quem não se importava.) O Tamayo, sim, e o Gandia, eles que a mataram. Eu apenas vi uma brecha nela e a usei. Ninguém a obrigou a olhar pela janela.

Viajamos para vários lugares durante os 21 dias em que Victoria ficou com Sérgio e Raquel, em Paris, para que eu e meu marido curtíssemos a luas-de-mel. Transamos e nos amamos em várias cidades, e foi ótimo, se não tivesse relevado algo que até então tinha passado totalmente despercebido para nós dois. A verdade é que nunca ficávamos sozinhos; mas naqueles 21 dias tivemos privacidade. Não tinha que abaixar o tom de voz nem conter os gemidos. Podíamos transar na cozinha e no banheiro sem temer um flagra da minha filha. Tivemos liberdade, e isso é algo que você não esquece. Nos aproximamos quando a minha filha tinha 1 ano, e agora ela tinha 3, e nunca havíamos dormido tão bem, com tanta paz. Não que o dia-a-dia com ela não fosse ótimo. Mas é irritante ter sempre uma criança puxando a sua saia enquanto voce quer tentar ter uma conversa linear com o seu namorado. Nunca havíamos conversado tanto, eu e Marselha, até a nossa lua-de-mel. Com isso, um sentimento de culpa pairava sobre nós. Não devíamos sentir que Victoria atrapalhava. Ela não atrapalhava, éramos muito felizes com ela. Mas estar sem ela também era maravilhoso. Talvez maravilhoso demais para nós suportarmos. Vivíamos em uma casa grande, éramos muito felizes nela. Mas as janelas se abriram e vimos o mundo e as oportunidades que nunca teríamos do lado de fora. Não devíamos ter olhado pela janela.

Primeira Noite em Paris 2022Onde histórias criam vida. Descubra agora