CAPÍTULO XXII

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DIA 50

Aquela manhã seria importante. Alguns dias se passaram desde a nossa conversa e tentamos seguir da melhor forma até então. Conversamos pouco entre nós para evitar chamar atenção. Já éramos figurinhas marcadas e, não seria bom ficarmos o tempo todo juntos e cochichando pelos cantos.

Para além das pessoas que me parabenizaram por tentar mudar as regras de relacionamentos na Chácara, não achava, de fato, que alguém percebesse que algo estava errado. Não duvidava, porém, que outras pessoas também tivessem sonhos esquisitos, mas que acabavam passando despercebidos.

As últimas palavras de Saulo ainda ecoavam na minha mente. Levar os dias tinha sido difícil, tudo que eu tocava parecia ter uma conotação diferente a partir de agora. A certeza de que havia coisas muito bem escondidas era cada vez mais gritante.

Por falar nele, nossa relação ainda estava estremecida. Uma distância esquisita pairava entre nós. Queria dizer-lhe que tudo estava bem, mas havia um receio irracional que me parava todas as vezes. Era um covarde, sentia de novo todo aquele medo de não ser aceito voltando e nublando meus pensamentos. Duvidava das minhas escolhas e a água da Fonte já não era tão doce como antes. Minhas dores também se comportavam de maneira estranha. Em momentos piores, em outros, mal as sentia, embora essa sensação sempre viesse acompanhada por náuseas, mesmo sem ter feito nada de diferente para provocá-las.

Mesmo cansado, me obriguei a estar disposto. Aquele encontro seria decisivo para os próximos acontecimentos do nosso plano, precisava estar atento. Caminhei devagar até o pátio principal. Hoje era um dos dias em que sentia mais dores, então o esforço para andar estava redobrado.

Contudo, não consegui evitar um sorriso ao ver Duda já sentado em uma das mesas, recebendo carinhos e felicitações por se sentir melhor. Laura permanecia ao seu lado, como uma guardiã, tomando cuidado para que ele não estivesse "bem demais", afinal, ainda precisávamos dele na Cabana.

— Duda, que bom te ver! — sorri amigavelmente, tentando analisá-lo da melhor forma que pude.

— Davi! — ele sorriu, seus olhos estavam visivelmente mais fundos, mas aquele brilho divertido e leve ainda estava lá.

— Como está se sentindo? — peguei na mão dele, percebendo que tremia um pouco.

— Melhor, mas talvez eu ainda precise de um tempinho pra me recuperar... — falou mais baixo, como se me confiasse um segredo, com um ar brincalhão.

— Você está certo em se cuidar — tentei piscar de volta, tomando cuidado para que nenhuma das outras pessoas nos vissem.

Preparamos as nossas bandejas e começamos a comer. Edite, Yoko e Saulo logo se juntaram a nós. Laura sorria satisfeita e, em vários momentos, vi que as mãos deles se tocavam, procurando um ao outro por apoio. Aquilo fez meu coração apertar ainda mais. Olhei de soslaio para Saulo, notando que ele também percebera os toques. Tomei a decisão de que deveria fazer algo o quanto antes.

— Bom, agora é hora da conversa — Laura empurrou o prato a sua frente, fitando os presentes. Suspiramos quase ao mesmo tempo.

— Basicamente, temos um plano, e vamos precisar muito da sua ajuda, Duda — Saulo tomou a palavra, daquele jeito responsável de sempre.

— Tudo bem, podem me falar! — se ajeitou na cadeira, parecendo mais desperto. — Laura me disse algumas coisas quando conseguiu, como assim tem uma criança aqui na Chácara? — sussurrou, incomodado.

— Eu ainda não consegui entender como isso acontece, pra ser sincera — Edite cruzou os braços.

— Eu não vi ela lá nenhuma vez — Duda fez um muxoxo, como se se sentisse culpado por isso.

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