CAPÍTULO VII

26 4 4
                                    


DIA 21

Meu pesadelo estava de volta. Hoje era o dia de receber os mantimentos da semana e, novamente, eu deveria me juntar a Laura nessa tarefa. Como da outra vez, acordei mais cedo que os demais e tratei de me arrumar o mais rápido possível. Depois de saber que um pouco da água da Fonte era misturada à que saía do chuveiro, passei a dar ainda mais valor àquele momento.

Notei que meu cabelo já estava ficando grande demais para eu ignorar. Suspirei na frente do espelho enevoado, fruto do meu banho bem quente. Fiquei alguns instantes tentado a deixar minha imagem surgir, ver como estava meu rosto depois da minha melhora física. Mas eu ainda tinha muitos receios e me virei assim que pude enxergar um pedaço do meu queixo.

Precisava fazer a barba, e não pela primeira vez, agradeci a genética que me permitiu nascer com pouquíssimos pelos no rosto. Como não me olhava no espelho, usava o tato para sentir em quais áreas era preciso passar o aparelho. E, claro, não usava nada potencialmente perigoso, como lâminas, apenas aquelas máquinas que cortam os excessos bem rente à pele. Para mim, estava ótimo daquela forma.

Terminei os meus processos e me dirigi à saída do quarto, respirando várias vezes e tentando mentalizar os melhores cenários. Minha mão tremia um pouco quando girei a maçaneta, deixando claro que estava mais nervoso do que eu gostaria. Passei por muitos trabalhadores essenciais que acenavam sorridentes para mim, os quais eu tentava ao máximo retribuir, mesmo que tivesse certeza que apenas conseguia lhes ofertar um sorriso amarelo.

— Bom dia, bonitão! - eu deveria fazer um compilado com todos os cumprimentos de Laura, era um melhor do que o outro.

— Alguém acordou de bom humor! - nem de longe eu tinha a mesma energia dela, mas poderia tentar.

— Davi, eu preciso te falar uma coisa muito importante antes de qualquer coisa! - a expressão dela se fechou e eu engoli em seco, ela arqueou as sobrancelhas e se aproximou de mim com o dedo em riste, me fazendo dar um passo para trás - Daqui a pouco... esse seu cabelo vai dar pra fazer umas tranças, topa?

— Meu Deus, Laura! - me exasperei, sentindo novamente o ar entrando nos meus pulmões - Quer me matar de susto? - coloquei a mão no peito, apenas para sentir meu coração batendo desordenado.

Ela gargalhava da minha cara sem vergonha alguma.

— Desculpe por isso, Davi! Mas eu precisava deixar o clima mais leve - mesmo sorrindo, o tom dela era levemente hesitante, porém carinhoso, e eu não pude deixar de me sentir mais calmo.

— Obrigado por isso, eu precisava e nem sabia - acompanhei o riso dela, sentindo os músculos da minha face e ombros finalmente relaxarem.

— Mas é sério sobre o cabelo, acho que ele precisa crescer mais um pouco só - ela apontou para minhas madeixas e eu me senti subitamente incomodado.

— Então fica muito óbvio que eu não arrumo... - baixei a voz, ficando sem graça.

— Não por isso! - ela se apressou em dizer, mexendo as mãos de maneira quase estabanada - Sei como é difícil lidar com o cabelo crespo, eu adoro brincar com o meu, mas sei que pode ser complicado.

— Eu só deixei ele crescer uma única vez e o resultado não foi muito bom... - começamos a caminhar rumo a entrada da Chácara.

— Imagino... a sociedade não quer que gostemos do nosso cabelo - Laura agora estava bem séria e eu ficava imensamente agradecido de poder conversar sobre isso com alguém.

— Mas eu acho lindo tranças, adoraria fazer! - sorri para ela, tentando encorajá-la - Seu cabelo é incrível, aposto que consegue dar um jeito no meu também!

A FonteOnde histórias criam vida. Descubra agora