CAPÍTULO XXIV

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— Nenhum outro casal queria Eloá, ela estava sempre se queixando de muitas dores e tinha sofrido muito no seu lar anterior, — Elis começou a explicação, deixando o corpo cair na cadeira na nossa frente, ao lado, uma pequena mesinha com um vaso ornamental tremeu, a mulher tentou refazer o coque, sem sucesso — sempre foi delicada, especial... Senti algo muito forte desde que coloquei meus olhos naquele rostinho doce pela primeira vez, sabia que nós precisávamos estar juntas...

Fez uma pausa, algumas lágrimas começaram a rolar pelo seu rosto. O cabelo caiu completamente pela face. Amaro desviou o olhar, como se aquela história lhe doesse. Ele pareceu um homem comum. Toda aquela pompa, aquela repreensão que vinha do seu olhar, dos seus gestos, tinha se evaporado. Era um homem que errava e provavelmente estava sentindo o peso do erro naquele exato momento. Meus companheiros permaneciam em silêncio. Uma expectativa enorme recaía sobre nós.

— O dia em que a adoção foi concluída foi um dos melhores da minha vida... Lembro perfeitamente dos olhinhos dela brilhando, sabendo que ia ter um lar! — Elis se levantou novamente, caminhando pela sala. — Foi então que tudo começou... ficamos desesperados! As dores que não passavam, as manchas roxas que não desapareciam... Era um pesadelo!

Amaro limpou o rosto discretamente. Podia falar o que fosse da sua condução nos acontecimentos na Chácara, mas jamais do seu amor pela filha. O líder da Satélites de Luz faria de tudo pela menina. E o fez.

— Depois de inúmeros médicos, finalmente chegamos em um diagnóstico — ele comentou, recuperando um pouco da postura altiva de antes.

— A Síndrome de Ehlers-Danlos... É isso que eu tenho? — gaguejei, tentando olhar diretamente para Elis, ela me fitou com dor e culpa.

— Temos quase certeza disso, Davi, sinto muito por não termos te contado...

— Mas peraí, o que o Davi tem a ver com isso? — Laura franziu o cenho, e eu agradeci por ela ter reunido essa coragem de perguntar. — Mas... e a Fonte?

Amaro bufou, cruzando os braços e se afastando mais do centro da sala.

— O Davi seria perfeito para descobrirmos se a medicação que desenvolvemos é funcional a longo prazo — Elis admitiu num fio de voz.

— Medicação?! — Laura bateu com os punhos fechados nas pernas.

— É isso que vocês queriam saber? A água da Fonte é o remédio — Amaro andou furiosamente até a nossa frente. — Tentamos criar algo que fosse a cura para Eloá, mas também, uma medicação única, que tratasse diversas doenças. A Fonte não existe, criamos essa fantasia pra ter algo lúdico, especial, já que a nossa filha estava cansada de tomar drogas que não funcionavam. Foi uma ilusão — concluiu num único suspiro, despejando aquelas informações de uma só vez e nos olhando com gravidade, talvez com uma pontada de confiança de que entenderíamos o lado dele.

— Uma ilusão? — repeti, incrédulo.

— Sim, a trouxemos pra cá e mostramos uma fonte de água aparentemente comum, como qualquer outra, mas, dissemos que aquela era especial e que ela havia achado algo incrível, capaz de curar quaisquer condições e dores — seus ombros se encolheram levemente enquanto as palavras jorravam para o interior da sala, entrando sem suavidade pelos nossos ouvidos.

O ar ao nosso redor parou. Meus pulmões doíam tanto que era difícil fazer o básico. O mundo lá fora ruía. O calor do meio-dia não chegava até aquele ambiente, uma dor sem igual passava pelos meus ossos. O entendimento daquelas palavras parecia ser retardado por uma linha fina de esperança de que fosse mentira. O medo de aceitar rondava meus sentidos, mas, mesmo lutando contra essa reveleção, ela parecia fazer mais e mais sentido. As pequenas observações desde que cheguei ali iam se encaixando em algo muito maior.

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