CAPÍTULO XIII

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Não sei quanto tempo ficamos ali. Parados. Apenas sentindo o frio nos envolvendo aos poucos. O clima entre nós estava mais ou menos calmo. Saulo tinha chorado depois da minha declaração. As lágrimas deslizando suavemente pela feição esperançosa e bonita. Eu me mantive próximo a ele, com a cabeça fervilhando. Uma dor no meu maxilar crescia a cada segundo que se passava, bem como algumas agulhas pareciam pinicar minha nuca. Balancei minha cabeça, tentando deixar para lá as dores. Era bom nisso, afinal.

Entretanto, silenciar meus pensamentos era mais complicado. Não conseguia conceber a dor que Saulo sentia por acreditar que tivera envolvimento com a morte de alguém. Acredito que a parte racional de sua mente sabia bem que ele não era culpado. Vicente escolheu. Mas eu também não me sentia nada confortável em chegar a esta conclusão simplista. Eu não conhecia Vicente. Não sabia até que ponto ele estava desiludido. Até que ponto ele estava cansado.

As agulhadas subiram pela minha cabeça e, inconscientemente, levei minha mão até o lugar, massageando um pouco, tentando me livrar da dor. Saulo percebeu. Vi que ele abriu a boca para falar alguma coisa, mas fomos interrompidos. Laura se aproximava de nós com o rosto tenso. Havia uma preocupação genuína estampada no seu semblante.

— Ai gente, finalmente achei vocês! - a voz dela era cansada e seus olhos, vermelhos, se arregalaram quando ela chegou mais perto - Davi! Seu rosto! O que aconteceu?

Dei uma breve mirada em Saulo e, sem falar nada, pude entender o que ele me suplicava.

— E...Eu acabei caindo de cara no chão com a confusão! Por isso vim parar aqui, desculpe por te deixar preocupada! - tentei sorrir, dessa vez as dores tomando conta do meu rosto por inteiro. Não consegui impedir uma interjeição desconfortável.

— Mas nossa, era pra Elis ter feito um curativo melhor nesse rosto, seu nariz está sangrando!

Me espantei, levando a mão até o local, sentindo o líquido viscoso na ponta do meu dedo. Levei até a altura dos meus olhos, fitando o intenso vermelho escuro. O cheiro de ferro invadiu minhas narinas e eu senti o fluído escorrer até minha boca. O gosto, igualmente ferroso, tomando conta de todos os meus sentidos. Alguém puxou minha cabeça para trás rapidamente, segurando meu nariz. O céu estava completamente nublado, contudo, a luz da lua conseguia penetrar pelo véu de nuvens e chegar até nós em belos feixes claros.

— Você não viu? - escutei a voz de Laura perguntando.

Ao meu lado, Saulo se encolheu e eu tentei virar meu rosto na sua direção. Vi culpa. Queria lhe dizer para não ficar daquele jeito, mas não tive chance. Laura me puxou para algum lugar em que pudesse sentar e eu me afastei dele. Mas não antes de ouvir ele murmurando baixinho: me desculpa.

Conseguimos um lugar junto a uma das mesas que estavam cerceando o palco. Estava tudo vazio, e a luz que chegava até nós provinha da fogueira, que permanecia ainda acessa, mas com bem menos brasas. O tablado central estava coberto com pétalas de flores, alguns fios de serpentina e confete. Eu tinha muitas perguntas sobre como eles reaproveitavam os materiais ali, embora fosse, de longe, o menor dos meus problemas naquele momento.

— Laura, que horas são? - minha voz saiu fanhosa.

— Vish, Davi, essa é uma excelente pergunta! - ela fez uma careta - Não sei ao certo, mas é de madrugada, com certeza.

— Cadê o Saulo? - subitamente, notei que ele não tinha nos acompanhado.

Ela olhou ao redor, acredito que tendo a mesma percepção que eu.

— Ele não veio... - ela balbuciou, encolhendo os ombros - Mas ele parecia estar pregado!

— Realmente... - falei baixo, com o coração apertado, ainda procurando algum vestígio dele com os olhos - Está muito tarde mesmo, ele precisa descansar... Mas e você? O que faz aqui ainda?

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