Ela não sabia o porquê de ter se banhado no sangue de seu próprio pai.Era estranho, e nojento, assustador. Sua pele estava pegajosa agora, o sangue seco havia saído de um vermelho vivo para um tipo de cor mais fechada, como um vermelho vinho.
O corpo de seu pai estava há poucos metros de distância, e a poça de sangue havia virado uma nova tintura para o mármore branco daquela mansão.
— Onde estão os funcionários? — ela sussurrou a si mesma.
A garota olhou para os lados, se dando conta do que havia feito. O desespero adentrou suas veias tão rapidamente quanto uma cobra ataca sua presa, em questão de segundos.
Algo estava errado. Não havia ruído naquela casa, nem mesmo os cães estavam latindo. Ela aguçou sua audição, prestando atenção na água que corria pelos canos escondidos dentro das paredes.
Mas não havia nada, nem mesmo um gotejar. Ficou parada por horas ali, encarando o corpo de seu pai, com um semblante desesperado, ao mesmo tempo que um sorriso aliviado discretamente brilhava em seus lábios em plena escuridão.
Ninguém estava ali para acender as luzes, exceto por uma pessoa.
— O que você fez? — perguntou uma voz atrás dela.
A garota se virou, e ao vê-lo, lágrimas brotaram em seus olhos.
— E-eu... — guaguejando, seus dedos se abriram, e o revólver que ela segurava caiu de sua mão.
O som da arma tocando o chão ecoou como gritos pelas paredes silenciosas. O rapaz encarou o revólver no chão e se aproximou da garota.
— Tire os sapatos — ordenou o garoto.
Em choque, ela retirou os sapatos, esperando pela sua próxima bronca.— Mase eu... — a menina começou sem saber ao certo o que dizer.
Ele se aproximou ainda mais dela, não se importando com o sangue em seu corpo. O garoto tocou as bochechas rechonchudas da garota e limpou a lágrima solitária que escorreu de seus olhos.
— Shhhhh — ele sussurrou — Tire seu vestido.
Os olhos da garotinha se arregalaram com o comando, mas ela não disse nada. Soluçando, ela retirou o vestido, até que ele caísse aos seus pés.
— Por favor, por favor Mase — ela implorou na escuridão.
Havia apenas o silêncio, e o garoto. Ela ouviu passos atrás de si, e se virou rapidamente, assustada. O rapaz apareceu carregando uma enorme toalha de mesa.
— Confie em mim, ok? — ele disse.
A garota mordeu os lábios com força, assentindo com a cabeça. O rapaz enrolou seu pequeno e delicado corpo com a toalha de mesa e a pegou no colo.
As próximas horas se passaram em um borrão na mente da garota. Era só isso que ela era. Uma garota. Era o que dizia seus pais. Ela já não era mais uma criança de 7 anos.
Estava crescendo, e precisava se tornar uma mulher. Era o que seus pais usavam como desculpa. Durante as horas que passaram, a garota reviveu em sua cabeça o exato momento em que apertou o gatilho.
A água da banheira já estava fria. O rapaz havia desaparecido com a toalha de mesa fazia algumas horas. Com os joelhos grudados em seu peito, ela olhou para o lado.
Seu pijama estava em cima da pia, juntamente com suas pantufas cor-de-rosa. Ela se levantou, grata pelo sangue não marcar mais a sua pele, mesmo que agora marcasse sua alma. Para os outros, isso não seria visível.
Respingos molhavam o chão, vindo de seus cachos úmidos. Ela não ligou para isso. Vestiu seu pijama rapidamente e colocou seus pés dentro das pantufas.
Apertando seus cabelos contra sua própria mão, ela retirou o excesso de água, e correu para fora de seu quarto. Ela não estava sozinha. A luz da lua adentrava a janela principal, a que guiava para o andar de baixo.
Segurando o corrimão dourado, ela começou a descer lentamente, se atentando aos sons que a casa produzia. Era gritante o silêncio. A casa costumava ser bastante movimentada, pelos homens do ser que ela chamava de pai.
Inspirando o ar, ela sentiu o cheiro da fumaça. Virando o corredor, a garota viu a lareira acesa, o único indício de luz no primeiro andar. As cortinas estavam fechadas. Todas elas. Não que aquilo fosse anormal, visto o que acontecia dentro daquela casa.
— Mase? — ela arriscou chamar. Um baque quase surdo soou à sua esquerda.
A garota se apressou e correu em direção ao som, sem medo. Um arquejo escapou de seus lábios quando ela o viu.
— Fique parada... por favor — ele nunca dizia aquelas duas últimas palavras.
— Mase... — o choro voltou com força quando ela viu a bagunça no hall de entrada.
— Não — ele respondeu ríspido, dando três passos para trás.O revólver que antes ela segurava, agora estava apontado diretamente para sua testa. A garota começou a balançar a cabeça desesperadamente. Os dedos do rapaz se fecharam com mais força contra o metal da arma.
— Levante as mãos — ele cuspiu.
Tremendo, a garota levantou as mãos. Seu corpo inteiro estava completamente em um caos definitivo, e ela soube o que viria a seguir quando as milhares de sirenes atingiram sua capacidade auditiva.
— Não, não, não, não... — ela implorou.
— Quieta! — ele esbravejou.
A garota levou ambas as mãos na boca, contendo o soluço. O rapaz levantou a mão direita e atirou no teto, a fazendo gritar assustada.
— Mase, não faça... — antes que pudesse continuar, ele a interrompeu assim que a porta foi aberta com força, e cinco policiais completamente armados dos pés a cabeça, invadiram a mansão.
— As flores murcharam, Atlantis — ele sussurrou em meio aos comandos dos policiais.
Braços agarraram seu corpo com força, gritos desesperados eram lançados de sua boca, comandos e ameaças ecoavam em sua mente.
Mas nada a impediu de ver aquela cena, por mais que o policial tentasse encobrir com seu próprio corpo. No entanto, eles não a levaram.
Não era ela quem estava completamente encharcada de sangue. A prova do que havia feito agora queimava no fogo da lareira acesa, assim como seu vestido. Os resquícios de sangue agora estavam perdidos em meio ao esgoto.
Suas digitais não estavam presentes no revólver, pois agora, as únicas detectáveis, eram as do rapaz. Não havia apenas o corpo de seu pai no hall de entrada. O corpo de sua mãe também estava lá, com três tiros na testa.
Mas ela não havia ouvido barulhos de tiros enquanto tomava banho, e a mulher aparentava estar morta há mais tempo que seu pai. Mesmo criança, ela entendeu o que tinha acontecido.
Não havia funcionários em sua mansão porque alguém havia mandado todos eles embora horas antes. O que ela havia feito, era exatamente o que o rapaz pretendia fazer, ele só não contava que ela fosse fazer o mesmo, e de forma mais... imprudente.
— Eu vou rega-las novamente Mase, eu prometo — ela sussurrou enquanto observava os policiais algemando seu irmão.
Mase pareceu ouvir sua promessa, pois a olhou uma última vez e piscou para ela, com um sorriso confiante.
Ele havia cumprido sua promessa, afinal de contas.
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Imprudente - Livro 1
Fanfiction"Você não passa de uma garotinha assustada tentando ser um homem" Um passado traumático, morena sarcástica, um loiro misterioso, máfia e muitas mortes. Crescida em meio ao caos, ela buscava sua fonte de tranquilidade. Todas as garotas da escol...