Olhares e Sinais

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Narradora

Os dias foram se passando lentos e maçantes para Isaac, ele era um cara esperto mas se frustrava quando errava e se sentia mal constantemente. Ele estava sabendo sinalizar diversas palavras e até frases completas em sua nova língua, entretanto gostaria mesmo era de possuir sua audição de volta, coisa que demoraria um pouco devido a alguns exames que ainda tinha que fazer para que ele pudesse realizar o implante coclear. Era começo de dezembro então ele e Lia já haviam ficado de férias da escola, aquele tinha sido o último ano, ambos tinham planos para faculdade, Isaac nem conseguia pensar nisso e Lia estava ansiosa pela nota do vestibular que havia feito no mês anterior. Além dos progressos alcançados, Isaac ainda estava chateado pela perca que teve não só dá audição, mas também por perder seus possíveis "amigos", ele tenta dizer para si que eles não eram boas pessoas e que não vale a pena sentir-se triste por isso, mas ele não consegue parar de pensar como seria sua vida se aquele acidente não tivesse acontecido, se eles ainda estariam lá, e como seria com sua banda, que ele nunca mais irá voltar.
Lia por sua vez se dedica a ensinar Isaac, e está cada vez mais acostumada a estar com ele, naquela casa e com aquela família, as vezes sente medo de não ser mais útil e ser mandada embora subitamente. Ela conseguiu fazer amizade com a irmã de Isaac, a Mariana. Mas ainda não se sente totalmente confortável com o Isaac, ela nunca teve amigos homens e naturalmente tem medo do que é novo, embora ele tente aproximação ela renega para si que ele queira qualquer tipo de relação com ela, mas na verdade ela que se retrai, apesar de ser compreensível, até pouco tempo atrás ele fingia que ela nem existia, e então ela pensa, se ele ainda fosse ouvinte ele repararia nela? Sabemos que não.

Isaac

O dia de hoje está lindo, do jeito que eu gosto, chuvoso e escuro, ainda eram 14h mas já parecia ser quase 17h. Estava na sacada do meu quarto observando a paisagem quando me assusto e viro bruscamente ao ouvir a porta do quarto bater.

- eu ouvi a porta- falei extasiado e extremamente feliz
- é normal- lia sinaliza para mim com um meio sorrisinho
É, talvez fosse exagero meu, mas é que é o primeiro ruído nítido que eu ouvi desde o acidente, viro novamente para observar a paisagem, não estava afim de ter aulas. Lia se aproxima e faz o mesmo que eu ao meu lado, ela estava bonita hoje, como todos os dias, eu gostava das roupas dela, o cabelo bagunçado, ela era uma gracinha. Quando eu estou com ela me lembro da Ana, elas não se parecem em nada, mas eu queria que ela fosse assim como a lia, mas ela nem sequer vem aqui mais, ou no mínimo fala comigo, não sei porque ainda penso nela, isso é bem nada a ver. Talvez essa lembrança tenha uma única explicação: A lia é a única presença feminina comigo no momento além de minha irmã.
- não quero ter aulas hoje- faço cara de preguiça

Ela inclina a cabeça para o lado e começa me puxar para dentro do quarto, não iria me livrar hoje.

Nos sentamos de frente um para o outro na minha cama e ela pegou uma apostila em sua bolsa que tinha temas diversos que continha  agrupamento de palavras, pego das mãos dela e escolho um tema, o tema era sentimentos, imagino que era importante saber mesmo, servia para eu tentar expressar os meus, coisa que não faço a anos.

Ela me passa alguns sinais e me explica que a expressão facial também é importante na hora de se comunicar.
- O contato visual também ajudaria, se você quisesse- tomo coragem e seguro seu rosto com minhas duas mãos fazendo ela me encarar por alguns segundos mas é em vão, ela retira minhas mãos e balança a cabeça em resposta corporal, ela realmente não gostava.
- desculpa- ela sinaliza
- desculpa- sinalizo de volta meio envergonhado

A aula continua com um climinha estranho, mas logo tudo volta ao normal. Se passa mais uns minutos e a aula finaliza. Ela começa arrumar suas coisas para possivelmente ir embora.
- você não já vai embora, não né?- a olho meio tristinho
- Quer alguma coisa?- ela sinaliza
- Fica aqui comigo- falo meio pausado ao mesmo tempo que tento sinalizar junto
-por quê?- ela faz uma expressão confusa
- Se você quiser a gente pode assistir vídeos sobre o seu hiperfoco- eu sabia que isso a convenceria de ficar, e deu certo, seus olhinhos brilharam ao ouvir isso, ela colocou sua bolsa no canto e ficou esperando que eu colocasse algo sobre, mas dei o controle para que ela escolhesse. Observo que ela estava reparando se os vídeos continham legendas para escolhê-los, eu não entendia muito bem o que era hiperfoco, mas sabia que era esse o nome que se dava para sua paixão excessiva por pré- história. Era chato? Era, e muito, mas era a única forma que eu pensei para fazer com que ela ficasse, não queria ficar sozinho. Estava concentrado no vídeo até sentir sua mão tocar a minha, viro para ela na hora
- Onde estão seus amigos? Falou com eles?- não entendi por quê isso do nada então fico calado e me viro novamente a tela
Ela inclina seu corpo até meu campo de visão e me pergunta se eu entendi
- Não quero falar sobre isso- falo ainda sem olhar em sua direção
Ela fica quieta de novo, mas aquele tema invadiu minha cabeça.Mas uma vez tenho a sensação insuportável de ter a cabeça barulhenta enquanto externamente eu não ouço nada.
O vídeo acaba e ela desliga a Tv.
- tudo bem?- ela me pergunta enquanto se posiciona em minha frente
Já não conseguia mais mentir ou reprimir esse sentimento de angústia que me habitava, as lágrimas invadiram meu rosto sem muito desespero, era como se eu tivesse esvaziando
- desculpa, desculpa- ela parecia meio nervosa

Seguro suas mãos em forma de um tudo bem.

Para meu espanto ela me deu um abraço, um abraço forte, parecia que ela iria se fundir em meu corpo, fiz o mesmo de volta, eu adorava abraços, eu sentia muita falta de um ultimamente, era irônico receber logo um dela.
Eu queria ter ficado mais tempo, mas ela se afastou em questão de segundos.
- fica bem- ela pega sua bolsa para ir embora e eu balanço a cabeça que sim, e mais uma vez eu fico sozinho.

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