Cap. 8

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"Alguns chamam de 'maldição de Eva', mas eu acho tolice porque a verdadeira maldição de Eva era aguentar Adão." - Alias Grace (2017), Margaret Atwood.

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[Hailee]

"Que figura bizarra", pensei eu ao sair da casa dos Hartmann e seguir em direção ao mercado. Não, eu não me referia a (SeuNome) com quem eu havia trocado poucas palavras apenas alguns minutos atrás. Pensava em Anne que, como todos já sabemos, não sentia agrado pela minha pessoa. Era estranha, sem dúvidas, sempre tão pálida, reclusa - exceto quando estava com as freiras, o que não soava normal comparado ao que sabemos do que (SeuNome) me contou - e calada, pelo menos com um grupo de pessoas. Eu não a compreendia e nem queria isso, mas, de alguma forma ou de outra, percebia como éramos semelhantes de alguma forma, pois, estávamos, ambas, sozinhas no mundo.

Esse pensamento sobre a mulher, entretanto, não pôde permanecer por tanto tempo ocupando a minha mente porque, sejamos sinceros, apesar de sermos semelhantes em tal quesito já citado, eu não tinha empatia por ela e nem ela por mim. Colocava-me, então, a pensar em (SeuNome) que, ao mesmo tempo que demonstrava que preferia que eu não estivesse por perto, também aparentava me querer ao seu redor. Acreditei piamente que isso se dava pela igual solidão que vivia com seu pai, que era como se não estivesse por perto. Passou pela minha cabeça que talvez, beirando a certeza, aquela jovem deveria sentir pena de mim como às vezes eu me via sentindo por ela. Na melhor das hipóteses compartilhávamos, assim como eu e Anne, a miséria da solidão.

Entrei no mercado. Não se poderia dizer que era, de fato, um, pois era menor do que se esperaria de um local que, provavelmente, recebia todos os cidadãos da cidade. Era um lugar bastante simples, com quatro ou cinco corredores onde se arranjavam as estantes e as prateleiras que armazenavam os produtos. Mais ao fundo do estabelecimento havia duas pequenas alas individuais e separadas: açougue e pães, à direita e à esquerda, respectivamente. Andei pelo local algumas vezes à procura da sessão onde estivessem os produtos de limpeza e os encontrei no corredor que ficava próximo ao caixa. Peguei alguns sabões, um esfregão e flanelas, além de um balde e um galão contendo álcool para esterilizar copos e talheres, bem como a superfície dos móveis. Cuidados que, para a Madre, eram imprescindíveis no tempo em que estávamos.

Quando depositei os produtos que levaria sobre o balcão do caixa, foi um rapaz ruivo, de pele muito branca, de olhos verdes extremamente claros e algumas sardas quem me cobrou o dinheiro da compra. Ele não deveria ter mais que 20 anos e, quando falou comigo, notei que tinha um sotaque ao pronunciar as palavras. Algum tempo depois descobri que pertencia a uma humilde família que havia vindo da Holanda há pouco mais de dois anos. No crachá do rapaz tinha seu nome: Sebastian, mas o sobrenome eu nunca soube e, ainda que soubesse, acredito que jamais saberia pronunciá-lo corretamente.

- Você é amiga da Alice, não é?

A pergunta que me fez acabou me pegando bastante desprevenida enquanto eu separava a quantia que deveria entregar a ele. Então, sem compreender a razão do questionamento e, ainda menos, a liberdade que atribuía a si mesmo para me interrogar daquela forma, respondi com outra pergunta:

- E por que o interesse?

- Poderia entregar isso a ela por mim? - Sussurrou retirando disfarçadamente um pequeno papel dobrado. Não o peguei imediatamente, apenas o encarei esperando que se explicasse, mas ele não o fez, pelo contrário, apenas insistiu com um insistente 'por favor' que saía dos lábios mas que eu também via nítido no seu olhar.

- E o que devo dizer a ela?

- Apenas entregue, ela saberá que é meu. Aprecio muito seu gesto e, saiba, que irei ficar lhe devendo um favor.

(In)Finito [Hailee Steinfeld/You]Onde histórias criam vida. Descubra agora