Controle

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— A transmissão está arranhando — John Arnold avisou na sala de controle escurecida. — O pessoal da manutenção precisa checar os veículos BB4 e BB5 quando retornarem.
— Sim, senhor Arnold — retrucou a voz no intercomunicador.
— Isso é apenas um pequeno detalhe — Hammond disse, entrando na sala. Olhando para fora, podia ver os dois Land Cruisers movendo-se silenciosamente pelo parque. Muldoon observava tudo, parado no canto.
Arnold afastou a cadeira do console central.
— Não há pequenos detalhes, senhor Hammond — retrucou, acendendo mais um cigarro. Nervoso durante a maior parte do tempo, Arnold estava especialmente agitado naquele momento. Tinha consciência de que se tratava do primeiro grupo de visitantes que realmente fazia a excursão pelo parque. Na verdade, sua equipe não costumava sair pela ilha. Só Harding, o veterinário, fazia isso às vezes e os tratadores dos animais só chegavam aos pontos de alimentação de cada área. Em geral, observavam o parque a partir da sala de controle.
Agora, com visitantes lá fora, ele se preocupava um uma infinidade de detalhes.
John Arnold era engenheiro de sistemas, tendo trabalhado no míssil submarino Polaris no final dos anos 60, mas depois do primeiro filho a perspectiva de fabricar armas tinha se tornado muito deprimente. Nesse meio tempo, Disney começara a criar parques especiais altamente sofisticados, contratando pessoal da indústria aeroespacial. Arnold ajudara a construir o Disneyworld em Orlando, e depois instalara parques de porte, como a Magic Mountain na Califórnia, o Old Country na Virgínia e o Astroworld em Houston.
O trabalho contínuo nesses parques turísticos lhe dera uma visão de certo modo distorcida da realidade. Arnold sustentava, meio de brincadeira, que o mundo todo podia cada vez mais ser descrito pela metáfora do parque de diversões temático.
— Paris é um parque temático — proclamara depois de tirar férias. — Infelizmente custa muito caro, e os empregados são desagradáveis e emburrados.
Nos últimos dois anos o trabalho de Arnold consistia em preparar o Parque Jurássico para funcionar. Como engenheiro, acostumara-se a projetos de longo prazo: com freqüência referia-se à "inauguração em setembro", pensando em setembro do ano seguinte. E quanto mais setembro se aproximava, mais ele se sentia insatisfeito com os progressos obtidos. Sabia, por experiência própria, que sanar os defeitos de um único passeio pelo parque poderia demorar anos. E eles tinham o parque inteiro para colocar em ordem.
— Você se preocupa demais — Hammond observou.
— Está enganado — Arnold retrucou. — Precisa se dar conta de que o Parque Jurássico, do ponto de vista da engenharia, é de longe o projeto mais ambicioso em matéria de parques temáticos de toda a história. Os visitantes nunca pensarão nisso, mas eu penso.
Ele ergueu os dedos, enumerando as questões.
— Em primeiro lugar, o Parque Jurássico apresenta todos os problemas de um parque temático clássico: manutenção das rotas de passeios, controle das filas, transporte, alimentação, acomodações, destino do lixo, segurança. Em segundo, temos todos os problemas de um zoológico grande: trato dos animais, englobando saúde, alimentação, bem-estar, limpeza, proteção contra insetos, parasitas, alergias e outras doenças, manutenção das barreiras e assim por diante. — Fez uma pausa para dar uma tragada no cigarro. — E, finalmente, temos um problema inédito, cuidar de uma população animal com a qual jamais alguém lidou antes.
— Ora, não é tão difícil assim — Hammond argumentou.
— E, sim. Mas o senhor não fica aqui para acompanhar isso. Os tiranossauros bebem a água da lagoa e ficam doentes, às vezes. Mas não temos certeza do motivo. As fêmeas dos triceratops se matam em lulas pelo controle do território, e precisam ser separadas em grupos com menos de seis. Também não sabemos o motivo. Os estegossauros vivem com as línguas feridas e com diarréia, por razões que ninguém compreende, mesmo depois da morte de dois deles. Os hypsilophodontes têm problemas de pele. E os velociraptores...
— Vamos deixar para lá os velociraptores — Hammond disse. — Estou cansado de ouvir reclamações sobre os velociraptores. Eles são as criaturas mais terríveis que já vi.
— Isso mesmo — Muldoon concordou em voz baixa. — Deveriam ser todos destruídos.
— Você queria colocar coleiras com rádio neles — Hammond lembrou. — E eu concordei.
— Sim. E eles arrancaram todas com os dentes, em pouco tempo. Mesmo que os raptores nunca consigam escapar — Arnold disse — devemos aceitar o fato de que o Parque Jurássico é por definição perigoso.
— Saco! — Hammond exclamou. — De que lado vocês estão, afinal de contas?
— Temos atualmente quinze espécies de animais extintos, e a maioria delas representa algum perigo — Arnold afirmou. — Fomos forçados a adiar o Passeio pelo Rio por causa dos dilofossauros. E o do viveiro dos Pteratops, porque os pterodáctilos são imprevisíveis. Não se trata de atrasos de engenharia, senhor Hammond. Temos problemas no controle dos animais.
— Já estou cansado dos atrasos na engenharia — Hammond reclamou. — Não ponha a culpa nos animais.
— Sim, eu sei. Na verdade, a única coisa que conseguimos fazer funcionar foi a atração principal, o passeio pelo parque. Os CD-ROMs dentro dos carros controlados pelos sensores de movimento deram certo. Mas precisamos de semanas de trabalho para ajustar o sistema.
E agora a transmissão elétrica dos carros começou a dar problemas.
Nas marchas!
— Veja a coisa da seguinte maneira — Hammond disse. — Resolva os problemas de engenharia, e os animais entrarão no esquema. Afinal, poderemos treiná-los.
Desde o início, aquela idéia estivera no centro do planejamento.
Os animais, por mais exóticos que fossem, comportar-se-iam como os animais dos zoológicos de qualquer parte do mundo. Eles aprenderiam a reconhecer a rotina do tratamento, e se adaptariam.
— E o computador, melhorou? — Hammond quis saber, olhando de relance para Dennis Nedry, que trabalhava no terminal existente no canto da sala. — Esse maldito computador só deu dor de cabeça até agora.
— Estamos chegando lá — Nedry respondeu.
— Se tivesse feito as coisas direito desde o começo — Hammond começou, mas Arnold pegou em seu braço, tentando contê-lo. Não adiantava nada brigar com Nedry enquanto ele estava trabalhando.
— O sistema é muito complexo — Arnold disse. — Esperávamos algumas falhas.
Na verdade, a lista de bugs continha agora mais de cento e trinta itens, inclusive muitos detalhes incompreensíveis. O programa de alimentação dos animais, por exemplo, repetia-se a cada doze horas, e não a cada vinte e quatro, e não registrava os alimentos fornecidos aos domingos. Como resultado, o pessoal não tinha uma noção exata do quanto os animais consumiam de comida. O sistema de segurança, que controlava todas as portas abertas por cartões magnéticos, desligava-se sempre que o sistema principal de energia era interrompido, e não funcionava com a força auxiliar. O programa de segurança só rodava com a força principal.
O programa de conservação física, programado para diminuir a iluminação depois das dez da noite, só funcionava em dias alternados.
A análise automática das fezes, chamada de AutoPoop, planejada para identificar parasitas nos dejetos dos animais, invariavelmente registrava nos espécimes o parasita Phagostomum venulosum, que os animais não tinham. O programa medicava automaticamente os animais, misturando remédios na comida. Se os tratadores removiam os remédios dos depósitos de alimentos, o alarme soava e não conseguiam desligá-lo.
E assim por diante, enchendo páginas e páginas de erros.
Quando chegara, Dennis Nedry tivera a impressão de que poderia resolver tudo sozinho, no final de semana. Mas ficara pálido quando vira a lista completa dos problemas. Telefonara então para o escritório cm Cambridge, dizendo a sua equipe de programadores que precisariam cancelar os planos para o final de semana e trabalhar direto até segunda-feira. E avisara a John Arnold que precisaria de todas as linhas telefônicas que ligavam a Isla Nublar com o continente, para transferir dados para seus programadores.
Enquanto Nedry trabalhava, Arnold chamou uma nova tela em seu monitor, para acompanhar o trabalho de Nedry em seu console.
Não que desconfiasse de Nedry. Mas preferia saber o que estava se passando.
Ele olhou para os gráficos no console da direita, que mostravam o roteiro dos Land Cruisers elétricos. Os veículos acompanhavam a margem do rio, ao norte do aviário, perto do cais dos ornitischian.
— Olhem para a esquerda — disse a voz —, e verão o domo aviário do Parque Jurássico, que ainda não está totalmente pronto para receber visitantes. — Tim viu uma estrutura brilhante de alumínio, ao longe. — E bem abaixo dele está a selva Mesozóica, perto do rio. Se tiverem sorte, poderão ver um carnívoro muito raro. Mantenham os olhos abertos, todos vocês!
No interior do Land Cruiser, as telas mostravam uma cabeça similar à de um pássaro, com uma crista vermelha. Mas todos no carro de Tim olhavam pela janela. O carro acompanhava um penhasco alto, que terminava num rio de águas rápidas, bem abaixo. O rio corria praticamente oculto entre a densa folhagem das duas margens.
— Lá estão eles — anunciou a voz. — Os animais conhecidos como dilofossauros.
Apesar do que a gravação dizia, Tim só viu um deles. O dilofossauro baixou as patas dianteiras, para beber no rio. Tinha a estrutura básica de um carnívoro, com cauda grossa, patas traseiras fortes e pescoço comprido. Seu corpo de três metros era coberto de manchas amarelas e pretas, como um leopardo.
Mas foi a cabeça que chamou a atenção de Tim. Duas cristas altas, curvas, iam do alto do crânio até o nariz. As cristas encontravam-se no centro, desenhando um V na cabeça do dinossauro. O animal lançou um grito como o pio da coruja;
— Eles são lindos — Alexis disse.
— Os dilofossauros — prosseguiu a gravação — estão entre os primeiros dinossauros carnívoros. Os cientistas acreditavam que os músculos da mandíbula eram fracos demais para matar as presas, e imaginavam que se alimentavam basicamente de animais mortos. Mas agora sabemos que são venenosos.
— Puxa vida — exclamou Tim.
O grito característico do dilofossauro chegou novamente a eles, trazido pelo ar da tarde. Alexis agitou-se em seu assento.
— São mesmo venenosos, senhor Regis?
— Não se preocupe com isso — Regis tranqüilizou-a.
— Mas é verdade ou não?
— Bem, claro que sim, Lex.
— Assim como répteis atuais, como o monstro Gila e as cascavéis, o dilofossauro secreta uma hematotoxina pelas glândulas da boca. A vítima perde a consciência minutos depois da mordida. O dinossauro então termina seu banquete à vontade. Isso torna o dilofossauro um belo, porém mortífero exemplar entre tantos existentes no Parque Jurássico.
O Land Cruiser fez a curva, impedindo a visão do rio. Tim olhou para trás, para ver o dilofossauro pela última vez. Era incrível!
Dinossauros venenosos! Ele gostaria de poder parar o carro, mas era tudo automático. Apostava que o dr. Grant queria parar também.
— Se olharem para a ribanceira à direita, verão Les Gigantes, onde se encontra nosso magnífico restaurante três estrelas. O chef Alain Richard foi trazido do mundialmente famoso Le Beaumanière da França. Façam suas reservas, utilizando o telefone de seu apartamento no hotel.
Tim olhou mas não viu nada.
— Ainda não tem nada — Ed Regis explicou. — As obras do restaurante só começam em novembro.
— Prosseguindo com nosso safári pré-histórico, veremos agora os herbívoros do grupo dos ornithischian. Se olharem para a direita, provavelmente os encontrarão.
Tim achou dois animais, imóveis à sombra de uma árvore enorme. Triceratops: do tamanho e da cor de um elefante, acinzentados, com o jeito truculento de um rinoceronte. Os chifres, acima de cada olho, erguiam-se um metro e meio no ar, parecidos com presas de elefante invertidas. O terceiro chifre, como de um rinoceronte, ficava perto do nariz. Eles tinham a boca bicuda dos rinocerontes.
— Ao contrário de outros dinossauros — a voz explicou —, o Triceratops cerratus não enxerga muito bem. Só vê de perto, como os rinocerontes atuais, e objetos em movimento costumam pegá-los de surpresa. Eles atacariam o carro, se estivessem próximos o suficiente para vê-lo! Mas podem relaxar, amigos, estamos seguros aqui dentro.
Os triceratops possuem uma crista em forma de leque, atrás da cabeça.
Ela é feita de puro osso, e é muito forte. Estes animais pesam cerca de sete toneladas cada um. Apesar de sua aparência, são bem mansos.
Conhecem os tratadores, ficam amigos deles. Gostam muito que alguém coce seu dorso, na parte traseira.
— Por que eles não se mexem? — Alexis perguntou, abrindo a janela. — Mexa-se, animal estúpido. Vamos, ande logo!
— Não provoque os animais, Lex — Ed Regis alertou.
— Por que não ? Ele é tão estúpido. Fica ali parado, como uma gravura num livro.
A voz prosseguia:
— ... monstros pacatos, de um mundo perdido, contrastando bastante com o que veremos a seguir. O mais famoso predador da história do mundo: o magnífico lagarto tirano, conhecido como Tyrannosaurus rex.
— Meu Deus! O Tyrannosaurus rex — Tim disse.
— Espero que sejam melhores do que estes tontos — Alexis resmungou, deixando de lado os triceratops.
O Land Cruiser seguiu em frente arranhando.

O parque dos DinossaurosOnde histórias criam vida. Descubra agora