Alexis

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Ela se escondera dentro de uma tubulação de drenagem de um metro de diâmetro, que passava debaixo da estrada. Agachada, levara a luva de beisebol à boca, e balançava para a frente e para trás, batendo repetidamente a cabeça no cano. Estava escuro ali, mas Tim podia vê-la claramente, graças ao binóculo. Parecia estar ilesa, e ele sentiu um alívio imenso.
— Lex, sou eu, Tim.
Ela não respondeu. Continuou a bater a cabeça no tubo.
— Saia.
Ela abanou a cabeça, negativamente. Dava para notar que morria de medo.
— Lex — ele disse. — Se você sair, eu empresto o binóculo noturno. A menina apenas mexeu a cabeça.
— Olhe o que eu trouxe — ele falou, erguendo a mão. Ela olhou, sem entender. Provavelmente estava escuro demais. — A sua bola, Lex.
Encontrei a sua bola.
— E daí?
Ele tentou outra abordagem.
— Deve ser desconfortável aí dentro. Frio. Não quer sair? Ela voltou a bater a cabeça contra a parede do tubo.
— Por que não?
— Tem "aminais" aí fora.
Isso o intrigou por um momento. Ela não falava "aminais" há anos.
— Os "aminais" já foram embora — Tim disse.
— Tem um grandão. O tiranossauro.
— Ele foi embora.
— Para onde?
— Eu não sei, mas não está mais por aqui — Tim explicou, esperando que fosse mesmo verdade.
Alexis não se moveu. Ele ouviu as batidas da cabeça novamente.
Tim sentou-se na grama, do lado de fora do cano, onde ela poderia vê-lo. O solo estava molhado. Encolhendo os joelhos, esperou. Não sabia mais o que fazer.
— Vou ficar sentado aqui, esperando.
— Papai está aí?
— Não. Está em casa, Lex — Tim disse, sentindo-se estranho.
— E mamãe?
— Também não.
— Tem algum adulto aí?
— Ainda não. Mas tenho certeza de que chegarão logo.
Provavelmente já estão a caminho.
Em seguida ele ouviu o som de movimentos dentro do tubo e ela saiu. Tremendo de frio, com a testa cheia de sangue coagulado, a menina estava bem, na medida do possível.
Olhando em volta surpresa, ela perguntou:
— Cadê o doutor Grant?
— Não sei.
— Bem, ele estava aqui antes.
— Estava? Quando?
— Antes — Alexis disse. — Eu o vi quando estava no cano.
— Para onde ele foi?
— Como vou saber? — Alexis respondeu, torcendo o nariz.
Depois gritou: — Alô doutor Grant! Doutoooor Graaanti!
Tim ficou preocupado com o barulho que ela fazia. Poderia atrair novamente o tiranossauro. Mas logo ouviu um grito de resposta. Vinha da direita, de um ponto próximo ao Land Cruiser que Tim deixara há minutos. Com o binóculo, ele percebeu aliviado que o dr. Grant caminhava em sua direção. Sua camisa estava rasgada no ombro, mas parecia bem.
— Graças a Deus! — Grant exclamou. — Procurei por vocês em toda a parte.
Tremendo, Ed Regis levantou-se, limpando a lama gelada do rosto e das mãos. A última meia hora fora terrível, gasta na descida de uma encosta pedregosa abaixo da estrada, até encontrar pedras grandes que poderiam escondê-lo. Sabia que não era lá grande coisa como esconderijo, mas estava em pânico e não raciocinava muito bem.
Deitado na lama, tentara recuperar o controle, mas não conseguia deixar de ver o dinossauro em sua mente. Chegando perto dele.
Aproximando-se do carro.
Ed Regis não se lembrava exatamente do que acontecera depois.
Alexis dissera algo, mas ele não parará, não podia parar, precisava correr e correr. Passando a estrada, caíra e rolara pela encosta até que as pedras grandes detiveram sua queda. Achara então melhor se arrastar e se esconder por ali mesmo, havia espaço suficiente.
Aterrorizado, sem pensar em nada fora escapar do tiranossauro, finalmente conseguira se ocultar entre as rochas, como um rato, acalmando-se um pouco. Lentamente fora tomado pelo horror e a vergonha de ter abandonado as crianças, de só ter pensado em salvar a própria pele, em correr. Sabia que precisava voltar para a estrada, tentar salvá-los. Sempre se considerara um sujeito frio e corajoso sob pressão, mas quando pensava em subir até lá de novo entrava em pânico. Não conseguia se mexer nem respirar direito. 
Tentara convencer-se de que era inútil, de qualquer maneira. Se as crianças tivessem ficado na estrada, estariam mortas com certeza. Ele não poderia ajudá-las, melhor ficar ali escondido. Ninguém saberia o que realmente havia ocorrido. Não havia como ajudar. Assim, Regis permaneceu entre as pedras enormes, por meia hora, lutando contra o pavor, evitando pensar na morte das crianças, ou no que Hammond faria quando descobrisse.
Quando finalmente criou coragem para se mexer, sentiu algo estranho na boca, um torpor no canto. Dormente, sua boca parecia ter sido machucada na queda. Regis tocou o rosto e sentiu a carne intumescida. Estranho, não doía nem um pouco. Então ele se deu conta de que havia uma sanguessuga em seus lábios, já inchada de tanto sangue. Estava praticamente dentro de sua boca. Arrepiado de náusea, Regis arrancou-a e o verme levou consigo parte do lábio. Ed sentiu uma golfada de sangue na boca. Cuspiu, jogando-a enojado na floresta. Viu outra sanguessuga no braço e a removeu. Uma listra de sangue marcava o local. Meu Deus, provavelmente havia outras espalhadas em seu corpo. Tinham se grudado nele durante a queda pelo barranco.
Aquela mata estava infestada de sanguessugas. Os vãos entre as pedras também. Os trabalhadores sempre diziam, as sanguessugas subiam pelas pernas. Gostavam de lugares quentes. Gostavam de subir e entrar pelo...
— Alôôôô!
Ele parou. Ouviu uma voz, trazida pelo vento.
— Alô doutor Grant! Doutoooor Graaanti! Meu Deus, era a menina.
Ed Regis prestou atenção ao tom da voz. Não parecia estar apavorada, ou ferida. Só chamava, insistente. E, lentamente, concluiu que algo acontecera, o tiranossauro desistira do ataque por algum motivo, e os outros talvez estivessem vivos também. Grant e Malcolm.
Todos vivos. A conclusão fez com que se acalmasse instantaneamente, como um bêbado ficava sóbrio quando a polícia o abordava. Ao se arrastar para longe das pedras já começava a planejar seu próximo movimento, preparando uma desculpa, uma versão que não o comprometesse.
Regis limpou a lama do rosto e das mãos, prova de que estivera escondido. Não sentia vergonha por isso, mas agora precisava livrar a cara. Subiu até a estrada, mas quando emergiu da folhagem experimentou um momento de desorientação. Não viu os carros. Estava na base do morro. Os Land Cruisers deviam estar mais para cima.
Começou a caminhar, subindo a ladeira, para voltar aos veículos. O silêncio era terrível. Pisava nas poças d'água com estrondo.
Não ouviu mais a voz da menina. Por que ela parará de gritar?
Enquanto andava, pensou que algo poderia ter acontecido a ela. Nesse caso, melhor não voltar lá. Talvez o tiranossauro escondido aparecesse outra vez. Ele estava no pé do morro, muito mais perto de casa.
E o silêncio tomava conta de tudo. Estranho, tanto silêncio.
Ed Regis virou-se e começou a caminhar de volta para o alojamento.
Alan Grant examinou Alexis, apertando levemente braços e pernas. Aparentemente, a menina não sentia dores. Incrível. Fora o corte na testa, nenhum outro ferimento.
— Eu já disse que estou bem.
— Bom, eu precisava ter certeza.
O menino não tivera tanta sorte. O nariz de Tim, inchado, doía bastante. Grant suspeitava de uma fratura. O ombro direito tinha uma contusão feia, e inchara também. Mas as pernas não sofreram nada. As duas crianças seriam capazes de caminhar. E isso era o mais importante.
Grant também não tinha sido muito machucado, exceto pelo arranhão no peito, onde o tiranossauro o atingira. Queimava quando respirava, mas não parecia ser nada muito sério, e não impedia seus movimentos.
Não sabia se havia desmaiado, mal se recordava dos eventos anteriores ao momento em que se sentara, gemendo, na mata, a uns dez metros do Land Cruiser. Seu peito sangrava, mas as folhas que recolhera no chão estancaram o sangue, que coagulara logo. Depois saíra à procura de Malcolm e as crianças. Grant não acreditava que ainda estivessem vivos, e quando as imagens imprecisas começaram a tomar forma em sua memória, tentou dar sentido a elas. O tiranossauro poderia ter matado a todos facilmente. Por que não o fizera?
— Estou com fome — Alexis disse.
— Eu também — Grant concordou. — Vamos dar um jeito de voltar para a civilização. Precisamos avisá-los para deter o barco.
— Somos os únicos a saber? — Tim perguntou.
— Sim, temos de voltar e contar aos outros.
— Bem, então vamos pela estrada, até o hotel — Tim sugeriu, apontando para a descida do morro. — Assim, encontraremos com eles quando saírem para nos procurar.
Grant meditou sobre aquela alternativa. Mas não conseguia parar de pensar no vulto que cruzara a estrada entre os Land Cruisers, antes do ataque. Que animal seria? Só imaginava uma possibilidade: o tiranossauro menor.
— Acho que não é uma boa idéia, Tim. A estrada tem cercas altas dos dois lados. Se um dos tiranossauros estiver adiante, cairemos numa armadilha.
— Então esperaremos aqui? — Tim perguntou.
— Sim — Grant disse. — Vamos sentar e ver o que acontece.
— Estou com fome! — Alexis repetiu.
— Não vai demorar muito, espero — Grant tranqüilizou-a.
— Não quero ficar aqui — Alexis insistiu.
Nesse momento ouviram um homem tossindo, no sopé do morro.
— Fiquem aqui — Grant recomendou. Ele correu morro abaixo.
— Fique aqui — Tim imitou-o, e correu atrás dele. Alexis disparou atrás do irmão.
— Não me deixe sozinha, não quero ficar aqui...
Grant aproximou-se dela rapidamente e tapou sua boca com a mão. Ela lutou para se desvencilhar. Ele apontou para o pé do morro, mostrando o que havia lá.
No final da ladeira, Grant viu Ed Regis parado, completamente imóvel. A floresta a sua volta tornara-se subitamente silenciosa. O ruído contínuo das rãs cessara. Restara apenas o assobio suave do vento e o farfalhar das folhas.
Alexis começou a falar assim que se libertou da mão de Grant, mas este a empurrou para baixo da árvore mais próxima, escondendo-se colado no tronco, entre as raízes emaranhadas da base. Tim veio atrás deles. Grant levou o dedo aos lábios, pedindo silêncio, e depois olhou lentamente para a estrada.
O caminho da descida estava escuro e os ramos das grandes árvores moviam-se ao sabor do vento, lançando sombras móveis no solo, devido ao luar. Ed Regis tinha sumido. Grant levou algum tempo para localizá-lo. O relações-públicas abraçava o tronco de uma grande árvore. Regis não se mexia nem um milímetro.
A floresta permanecia silenciosa.
Alexis puxou impaciente a camisa de Grant. Queria saber o que estava acontecendo. Então, de algum lugar muito próximo, eles ouviram um som abafado, pouco mais alto do que o barulho do vento. Alexis também o escutou, porque parou de se mexer.
O som se repetiu, suave como um suspiro. Grant notou que se parecia com a respiração de um cavalo.
Olhou para Regis e viu as sombras moventes lançadas pela lua sobre o tronco da árvore. E depois percebeu que havia uma outra sombra, superposta às outras, que não se mexia: um pescoço longo, forte, e uma cabeça quadrada.
O suspirou voltou.
Tim inclinou-se para a frente, com cuidado, para observar a cena. Alexis fez o mesmo.
Eles ouviram o estalido de um galho quebrado e o tiranossauro pulou no meio da estrada. Era o mais jovem, com cerca de dois metros e meio, movendo-se com a graça desajeitada de um animal novo, quase um filhote. O tiranossauro estudou o caminho, parando a intervalos para farejar o ar antes de seguir em frente. Passou pela árvore onde Regis se escondia, sem dar sinais de tê-lo visto. Grant percebeu que o corpo de Regis relaxava um pouco. Regis virou a cabeça, tentando acompanhar o animal.
O tiranossauro estava parado na estrada. Regis lentamente foi baixando os braços que enlaçavam a árvore. Mas a selva continuava em silêncio. Regis permaneceu no lugar por mais meio minuto. Depois os sons da floresta retornaram. Primeiro o coaxar de uma perereca, depois o zumbido de uma cigarra, seguido pelo coro completo dos animais da selva. Regis afastou-se da árvore, sacudindo os ombros, livrando-se da tensão. Andou até o meio da estrada, olhando na direção do tiranossauro que desaparecera.
O ataque veio da esquerda.
O jovem tiranossauro rugiu ao pular para a frente, jogando Regis no chão. Ele gritou e se levantou, mas o tiranossauro atacou de novo, e devia ter usado a pata traseira, porque Regis não se mexeu mais, ficou sentado no chão gritando e movendo os braços, como se quisesse afugentá-lo. O jovem dinossauro pareceu perplexo com os sons e movimentos feitos por sua pequena vítima. Baixou a cabeça para farejá-lo curioso e Regis socou o animal com os punhos cerrados.
— Saia daqui! Fora! — Regis gritava a plenos pulmões e o dinossauro recuou, permitindo que se levantasse. Regis ainda gritava:
— Isso mesmo! Está entendendo! Fora daqui!
Regis afastou-se do dinossauro. O animal continuou a olhar curioso para o pequeno animal agitado. Mas quando Regis se distanciou um pouco mais, pulou e derrubou-o novamente.
Está brincando com ele, Grant pensou.
— Ei! — Regis gritou ao cair, mas o tiranossauro não o atacou, permitindo que se levantasse. Ele continuou, de pé, a recuar. — Seu estúpido, saia daqui! Está me ouvindo? Fora!
Regis gritava como um domador de leões e o dinossauro rugiu, sem atacar. Quando Regis aproximou-se das folhagens na beira da estrada à direita, percebeu que dando mais alguns passos estaria a salvo.
— Fora! Saia daqui! — berrou, e então, com um pulo ágil, o tiranossauro jogou-o no chão, de costas. Quando o animal baixou a cabeça, Ed começou a berrar. Não pronunciou nenhuma palavra, apenas gritou, soltando um uivo agudo.
O grito sumiu no ar e o jovem dinossauro ergueu a cabeça.
Grant viu que o sangue pingava da mandíbula.
— Ah, não — Alexis disse baixinho.
A seu lado, Tim desviou o olhar, subitamente nauseado. O binóculo noturno escorregou pela testa, caindo no chão com um ruído metálico.
A cabeça do dinossauro se ergueu, examinando o alto do morro.
Tim apanhou o binóculo quando Grant agarrou seu braço e começou a correr, arrastando também a menina pela mão.

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