Estegossauro

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Quando o Land Cruiser parou, Ellie Sattler fixou a vista no estegossauro, meio oculto na neblina. O animal não se mexia. Um jipe listrado de vermelho encontrava-se estacionado a seu lado.
— Devo admitir, este animal é muito engraçado — Malcolm disse. O estegossauro media seis metros de comprimento, seu corpo imenso e maciço coberto por placas protetoras. A cauda tinha esporas ameaçadoras, de um metro. Mas o pescoço terminava numa cabeça absurdamente pequena, e o olhar estúpido lhe dava ar de idiota.
Enquanto o observavam, um homem saiu de trás dele.
— Este é nosso veterinário, o doutor Harding — Regis disse pelo rádio. — Ele anestesiou o estego, por isso não se mexe. Anda meio doente.
Grant já saíra do carro e corria na direção do estegossauro imóvel. Ellie desceu também, olhando para trás quando o segundo Land Cruiser parou e as crianças saltaram.
— Por que está doente? — Tim perguntou.
— Eles não sabem ainda — Ellie respondeu.
As grandes placas de couro ao longo da espinha do estegossauro tremeram ligeiramente. Ele respirava com esforço, resfolegando a cada vez.
— É contagioso? — Alexis quis saber.
Eles se aproximaram da cabeça minúscula do animal, onde Grant e o veterinário, de joelhos, examinavam a boca do estegossauro.
Alexis torceu o nariz.
— Puxa, como é grande — disse. — E fedorento.
— É, cheira mal — Ellie concordou. Já notara que o estegossauro tinha um odor peculiar, semelhante ao de peixe podre.
Isso a fazia de um cheiro conhecido, mas não conseguia se lembrar exatamente qual era. De qualquer maneira, nunca sentira o cheiro de um estegossauro antes. Talvez fosse seu odor característico. Mas duvidava. A maioria dos herbívoros não cheirava mal. Nem suas excreções. Isso era privilégio dos carnívoros, que realmente fediam.
— Ele está assim por causa da doença? — Alexis perguntou.
— Talvez. E não se esqueça de que o veterinário o anestesiou.
— Ellie, dê uma espiada na língua — Grant apontou.
A imensa língua roxa pendia para fora da boca. O veterinário a iluminou com uma lanterna, de modo que pudessem ver as minúsculas feridas.
— Microvesículas — Ellie constatou. — Interessante.
— Temos sofrido muito com os estegos — contou o veterinário, — Eles vivem doentes.
— Quais são os sintomas? — Ellie perguntou. Ao arranhar a língua do animal com a unha, um líquido claro vazou das feridas.
— Argh! — Alexis fez uma careta.
— Desequilíbrio, falta de orientação, dificuldade para respirar e diarréia intensa — Harding respondeu. — Ao que parece, isso se repete a cada seis semanas, mais ou menos.
— Eles se alimentam todos os dias?
— Sim. Um animal deste tamanho precisa de um mínimo diário de trezentos quilos de plantas para se manter. Pastam sem parar.
— Então não deve ser envenenamento por alguma planta — Ellie concluiu. — Animais que comem sem parar ficam permanentemente doentes, caso comam uma planta tóxica. E não a cada seis semanas.
— Exatamente — concordou o veterinário.
— Dá licença? — Ellie pediu, pegando a lanterna da mão do veterinário. — O tranqüilizante age sobre as pupilas? — perguntou, focando a lanterna nos olhos do estegossauro.
— Sim. Há um efeito, as pupilas se contraem.
— Mas as pupilas dele estão dilatadas — ela mostrou. Harding foi conferir. Sem dúvida: a pupila do estegossauro estava dilatada, e não se contraiu quando a luz a atingiu.
— Essa não!
— Sim — Ellie disse. — Qual é o território do animal?
— Ele circula por cerca de oito quilômetros quadrados.
— Nesta região? — Estavam em campo aberto, no meio de algumas elevações pedregosas, rodeados de emanações de vapores pelas fendas no solo. O céu do final da tarde tingia de rosa as baixas nuvens cinzentas.
— Ficam em geral a norte e a leste daqui — Harding explicou. — Mas quando adoecem, geralmente encontram-se nesta área em particular.
Um quadro intrigante, Ellie pensou. Como explicar a periodicidade do envenenamento? Ela apontou para o campo:
— Vê aqueles arbustos baixos, delicados?
— Lilás do Caribe — Harding disse. — Sabemos que é tóxico.
Mas os animais não comem isso.
— Tem certeza?
— Sim. Monitoramos seu comportamento pelo vídeo. E chequei as fezes, para ter certeza. Os estegos nunca comem os arbustos de lilás.
A Melia azedarach, conhecida também como cereja da China ou lilás do Caribe, continha alguns alcalóides tóxicos. Os chineses usavam a planta como veneno para peixes.
— Eles não a comem — o veterinário insistiu.
— Interessante — Ellie comentou. — Porque eu diria que este animal mostra os sintomas clássicos de envenenamento por Melia:
estupor, feridas na membrana mucosa e dilatação da pupila. — Ela seguiu para o campo, examinando as plantas de perto, o corpo recurvado até bem perto do chão. — Tem razão — concordou. — As plantas não mostram sinais de que foram comidas. Estão saudáveis.
Todas elas.
— Além disso, como explicar o intervalo de seis semanas? — o veterinário indagou.
— Os estegossauros passam por aqui com freqüência?
— Mais ou menos uma vez por semana — ele disse. — Os estegos passeiam lentamente por seu território, sempre comendo sem parar. Completam o circuito em uma semana.
— Mas só ficam doentes a cada seis.
— Correto — Harding assentiu.
— Isso é chato — Alexis intrometeu-se.
— Quieta — Tim disse. — A doutora Sattler está tentando pensar.
— Sem sucesso — Ellie disse, caminhando pelo campo. Atrás dela, Alexis convidava:
— Alguém quer jogar um pouco?
Ellie examinou o solo, pedregoso em alguns pontos. Ela ouvia o som do mar, à esquerda. Havia frutinhas entre as pedras. Talvez os animais comessem as frutinhas. Mas aquilo não fazia sentido. As frutas do lilás do Caribe eram terrivelmente amargas.
— Achou alguma coisa? — Grant perguntou, aproximando-se dela. Ellie suspirou.
— Só pedras. A praia não deve estar longe, porque as pedras são lisas. E formam pequenas pilhas.
— Pequenas pilhas? — Grant surpreendeu-se.
— Por toda parte. Há uma ali. — Ela apontou.
No momento em que apontou, Ellie se deu conta do que estava mostrando. As pedras gastas não tinham nada a ver com a presença do oceano. As pequenas pilhas indicavam que haviam sido depositadas ali.
Eram pilhas de pedras de moela.
Muitas aves e os crocodilos engoliam pedrinhas que se acumulavam na bolsa muscular do trato intestinal, chamada de moela.
Apertadas pelos músculos da moela, ajudavam a esmagar as plantas antes que atingissem o estômago, ajudando assim na digestão. Alguns cientistas acreditavam que os dinossauros também tinham pedras na moela. Pelo menos os dentes dos dinossauros eram muito pequenos, e apresentavam pouco desgaste, o que indicava que não eram muito usados na mastigação. Presumiam portanto que eles engoliam a comida inteira, deixando a trituração das fibras para as pedras da moela. E alguns esqueletos foram encontrados junto a pilhas de pequenas pedras mi área abdominal. Mas isso jamais fora provado, e...
— Pedras da moela — Grant disse.
— Creio que sim. Engolem estas pedras, e depois de algumas semanas elas ficam muito lisas, sendo regurgitadas, deixando esta pequena pilha. Aí eles engolem novas pedras. E, quando o fazem, engolem as frutas também, ficando doentes.
Puxa vida — Grant disse. — Creio que tem toda razão.
Ele olhou para a pilha de pedras, passando a mão nelas, seguindo seu instinto de paleontólogo. Depois parou.
Ellie — chamou. — Olhe só isso.
— Manda bala, cara! Quero ver se você é bom mesmo! — Alexis gritou, e Gennaro lançou a bola para ela.
Ela a rebateu com tanta força que sua mão ficou dolorida.
— Vá com calma, garota! Eu não tenho luva!
— Seu fresco! — ela disse desdenhosa.
Irritado, ele jogou a bola com força para a menina e ouviu o barulho que fez ao chocar-se com a luva.
— Agora melhorou — ela disse.
Parado ao lado do dinossauro, Gennaro continuou a jogar, enquanto falava com Malcolm.
— Como este dinossauro doente se encaixa na sua teoria?
— Era de se esperar — Malcolm afirmou. Gennaro abanou a cabeça.
— Há algo imprevisível, na sua teoria?
— Entenda bem — Malcolm disse. — Não tem nada a ver comigo. Trata-se da teoria do caos. Mas, pelo que percebo, ninguém aqui se encontra disposto a ouvir as conseqüências da matemática.
Porque elas implicam em conseqüências maiores para a vida humana.
Muito maiores do que o princípio de Heisenberg, ou o teorema de Gõdel, de que tanto falam. Eles não passam de especulações acadêmicas.
Filosóficas. Mas a teoria do caos diz respeito ao cotidiano da vida. Sabe como os computadores foram inventados?
— Não — Gennaro respondeu.
— Jogue de uma vez! — Alexis gritou.
— Os computadores foram construídos no final dos anos 40, porque matemáticos como John von Neumann acreditavam que se tivéssemos uma máquina capaz de lidar com muitas variáveis simultaneamente seria possível fazer a previsão do tempo. O clima finalmente estaria ao alcance da compreensão humana. E as pessoas acreditaram naquele sonho durante quarenta anos. Acreditavam que a previsão seria conseqüência do acompanhamento dos eventos. Se soubessem o suficiente, poderiam prever qualquer coisa. Trata-se de uma crença científica bem arraigada, desde Newton.
— E daí?
— A teoria do caos jogou tudo isso pela janela. Ela afirma que certos fenômenos são imprevisíveis. Nunca se conseguirá prever o tempo, além de uns poucos dias. Todo o dinheiro gasto na tentativa de prever o tempo com muita antecedência, cerca de meio bilhão de dólares nas últimas décadas, foi desperdiçado numa tarefa impossível.
Não adianta querer transformar chumbo em ouro. Olhamos para os alquimistas e damos risada do que tentavam fazer, mas as gerações futuras rirão de nós do mesmo jeito. Tentamos o impossível, e gastamos uma fortuna nisso. Pois na verdade existem certas grandes categorias de fenômenos inerentemente imprevisíveis.
— A teoria do caos diz isso?
— Sim, e fico assombrado por ver que poucas pessoas dão atenção a ela — Malcolm falou. — Passei todas essas informações a Hammond antes da implantação deste projeto. Querem gerar um bando de animais pré-históricos e soltá-los na ilha? Tudo bem. Um sonho lindo. Cativante. Mas não vai funcionar como previsto. Trata-se de algo inerentemente imprevisível, como o tempo.
— Disse isso a ele?
— Sim. E também disse que haveria desvios. Obviamente a saúde dos animais soltos por aí se enquadra nos desvios. O estegossauro tem cem milhões de anos. Não se adapta a nosso mundo.
O ar mudou, a radiação solar é diferente, assim como a terra, os insetos, os sons, a vegetação. Tudo mudou. A taxa de oxigênio caiu. O pobre animal é como um ser humano a três mil metros de altitude.
Ouçam como ele ofega.
— E os outros desvios?
- Falando a grosso modo, a capacidade de controle da reprodução das espécies por parte do parque é outro exemplo. Pois a história da evolução nos diz que a vida supera todas as barreiras. A vida se espalha. Ocupa novos territórios. De modo doloroso, por vezes perigoso. Mas a vida dá um jeito. — Malcolm balançou a cabeça. — Eu não queria bancar o filósofo, mas é isso aí.
Gennaro olhou para o outro lado. Ellie e Grant estavam no meio do campo, agitando os braços.
Pegou a minha Coca? — Dennis Nedry perguntou, quando Muldoon voltou para a sala de controle.
Muldoon não se deu ao trabalho de responder. Seguiu direto para o monitor e olhou para o que estava acontecendo. Pelo rádio, ouviu a voz de Harding: — ... o estego... finalmente... sob controle... agora...
— De que se trata? — Muldoon perguntou.
— Estão na parte sul — Arnold disse. — Por isso a transmissão piorou um pouco. Vou mudar para outro canal. Mas eles descobriram o que havia de errado com os estegos. Andou comendo alguma fruta venenosa.
Hammond mexeu a cabeça.
— Tinha certeza de que mais cedo ou mais tarde resolveríamos o problema.
— Não me impressiona muito — Gennaro disse. Ele ergueu o fragmento, pouco maior do que um selo postal, entre os dedos, sob a luz cada vez mais fraca. — Tem certeza quanto a isso, Alan?
— Certeza absoluta — Grant garantiu. — A prova do que digo encontra-se no padrão da superfície interna, na curva de dentro. Vire do outro lado, e verá uma série de linhas, formando triângulos aproximados.
— Sim, posso ver.
— Bem, desenterramos dois ovos com desenhos semelhantes em Montana.
— Está afirmando que se trata de um pedaço de ovo de dinossauro?
— Certamente — Grant disse. Harding balançou a cabeça.
— Os dinossauros não podem se reproduzir.
— Evidentemente eles podem — Grant insistiu.
— Deve ser um ovo de pássaro — Harding arriscou. — Temos dúzias de espécies na ilha.
Grant fez que não.
— Olhe a curvatura. A casca é quase chata. Vem de um ovo imenso. E note a espessura da casca. A não ser que tenha avestruzes na ilha, o ovo pertence a um dinossauro.
— Mas não poderiam se reproduzir — Harding teimou. — Todos os animais são fêmeas.
— Eu só sei — Grant disse —, que isso é um ovo de dinossauro.
— Pode identificar a espécie? — Malcolm indagou.
— Sim — Grant respondeu. — É um ovo de velociraptor.

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