Capítulo VI

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 Já era um pouco tarde, embora o sono ainda não tenha aparecido, por essa razão que eu resolvi sentar na cama para ler um pouco. A Moreninha era um clássico da literatura brasileira, de leitura rápida e aconchegante, livro que eu já lera algumas vezes nas madrugadas mais entediantes da fazenda.

- Ah, Augusto! - Arquejei com a imprudência do personagem. - Eu não faria essa aposta se fosse você. - Meus olhos correram pelas palavras, mas acabei me perdendo quando um barulho na minha janela me assustou. Momentos depois, o mesmo som. Ahn? Estreitei as pálpebras, a tempo de ver uma terceira pedrinha batendo no meu vidro. Mas será o Benedito...

Coloquei o livro de lado com um suspiro e fui até lá, abrindo a janela para me apoiar no parapeito e ver quem estava atirando coisas na minha casa. Ao olhar para baixo, vi o moreno de cabelos encaracolados que eu já conhecia.

- Camilo? - Crispei o nariz. - O que você está fazendo aqui? Aliás, me deixou a tarde inteira sozinha com as crianças. Onde você se meteu, moço?

Ele abriu um sorriso um tanto desconcertado antes de responder.

- Eu precisei ajudar o Agustín com a lenha, porque ele ficou todo inchado das abelhas. Foi mal não ter avisado.

- E o que você está fazendo aqui? - Tornei a perguntar, reparando na cesta que ele segurava em uma das mãos. - E o que é isso?

- Ahn, isso? Algumas coisas que eu roubei da cozinha, e se alguém perguntar... - Se transformou na irmã, girando no lugar. - Foi eu que peguei.

- Você não existe... - Murmurei, vendo-o voltar ao normal. Ele faz essas transformações parecerem tão fáceis.

- Vim te chamar para um passeio.

- Já passa das dez, Camilo. Isso não é horário para passear.

- Você não passeia nem de dia, S/n. - Revirou os olhos, quase como uma repreensão. Que mentira! - A comida é de graça, por que não aproveita?

Ele já teve todo o trabalho de pegar o lanche e vir até aqui. Suspirei outra vez, assentindo com a cabeça.

- Tá bem, vou trocar de roupa rapidinho e já estou descendo.

Saí de perto da janela e fechei a cortina, indo trocar minha camisola por roupas mais apresentáveis. Depois fiz como havia dito, desci para encontrá-lo, vendo-o escorado pacientemente ao lado da porta de entrada.

- Pode entrar. - Abri passagem, mas ele só me lançou uma careta como se eu fosse uma sem noção. - O que foi?

- Olha esse céu, olha essa lua! - Me fez olhar para cima. - A gente não vai comer dentro de casa.

- Mas está ventando, Camilo.

- E você é de papel? - O sarcasmo me tirou todos os argumentos. - Vem logo.

- Ta bom, ta bom! - Saí, fechando a porta atrás de mim. - Para onde vamos, afinal?

- Eu não faço ideia. - Pisquei, sem expressão. É sério isso? - Ei, não me olha assim! Eu tive a ideia de sair, não posso pensar em tudo.

- Tudo bem... Me deixa pensar aqui.

***

- Não podia ter escolhido um lugar mais perto da minha casa não? - Ironizou quando chegamos no riacho aos arredores da casita, onde eu por vezes ia dar um mergulho.

- Você não me deu restrições. - Dei de ombros, me sentando aos pés de uma árvore na clareira. - Agora já estamos aqui.

- Achei que não precisava falar... - Ouvi o resmungo e logo ele se sentou ao meu lado, colocando a cesta em nossa frente.

Metamorfosis (Camilo x S/n)Onde histórias criam vida. Descubra agora