Capítulo XI

577 70 13
                                    

Suspirei acho que pela milésima vez, brincando com a barra da ruana amarela que eu vestia sem conseguir me concentrar no livro em minha outra mão. O deixei de lado, subindo as pernas para o sofá para abraçar os joelhos.

Que tédio, grunhi irritada, afundando a cabeça neles e fiquei assim, sentindo o cheiro do poncho agora tão perto do meu nariz. Ainda era aquele mesmo cheiro sutil de cacau: o cheiro do Camilo. Era bom demais para que eu quisesse que saísse do pano, então nunca lavei. Eu devia ter ido atrás dele e insistido. Fui idiota, de novo. Desde que o encontrei mais cedo, pensei que talvez ele precisasse de mais um tempo até conseguir parar de sentir vergonha de si mesmo, mas agora me pareceu uma péssima ideia. E é por isso que você não tinha amigos, S/n...

Grunhi outra vez, ficando de pé, agora ao ouvir as batidas em minha porta que ultimamente via mãos demais.

- Já vai. - Não foi alto o suficiente, porque logo bateram mais vezes. - Tô indo! - Ao atender, dei de cara com a última pessoa no mundo que esperava encontrar. - Ahn... Oi. - Demorei dois segundos para ligar o rosto à pessoa. - Você não é o irmão do Juan?

- Sou sim, mas ele não veio. - Respondeu depois de me ver olhando para os lados em busca da presença do garoto. Certo, isso é estranho.

- Como sabia aonde-

- Perguntei pela vila. Não foi difícil, já que você é a única brasileira por aqui. - Assenti, então ele levantou uma cesta que tinha em mãos e que eu nem havia notado antes. O conteúdo estava coberto por um paninho xadrez vermelho e branco. - Não vou demorar. Vim para esses lados e Juan me pediu para trazer isso a você.

- Juan mandou...? - Segurei a alça um tempo depois de me ter estendido a cesta, e o vi confirmar com a cabeça. Eu não estava esperando por um presente dele, que maluco. Mal nos conhecemos. - Sabe o que é? - Dei uma espiada embaixo do pano, vendo apenas potinhos de vidro com algo dentro.

- É geleia de lulo. - Ah sim.

- Obrigada, er...

- Carlos.

- Isso. Carlos. Obrigada, Carlos. Diga para Juan que eu agradeço a gentileza.

- Vou dizer. - Ele deu um meio sorriso, acenando. - Faça bom proveito, S/n. Agora preciso ir andando, já desviei por tempo demais do meu caminho.

Acenei de volta. Foi o acontecimento mais aleatório do meu dia, pensei ao vê-lo se afastar e, quando eu já estava prestes a fechar a porta, uma outra pessoa me impediu.

- S/n, oi! - Mirabel se meteu correndo na minha frente, parando a porta na metade do caminho. - Atrapalho?

- Quantas visitas hoje. Entra aí, Bel, que surpresa. - Voltei para dentro de casa, com a Madrigal me seguindo. - O que você veio fazer aqui? - Ela me observou enquanto eu colocava a cesta em cima da mesa e ia tirando os vidrinhos de dentro.

- Ah, nada demais. É que chegou outra carta para você lá na casita, então eu vim trazer de novo. Que bom que você está em casa dessa vez. - Sacudiu o envelope. Deve ser da minha mãe. Deixei o que eu fazia só para pegar a carta, confirmando o remetente, e rasguei a lateral para puxar o papel de dentro. Uma rápida passada de olhos pelas palavras já me fez suspirar bem mais desanimada. - É notícia ruim?

- Apenas minha mãe dizendo que vai demorar um pouco mais para conseguir vir para Encanto. - Como se já não estivesse demorando muito...

- Poxa, S/n, que chato. Mas logo ela vai estar aqui, você vai ver e... Nossa! - Estreitou os olhos ao mesmo tempo em que ajustava os óculos sobre o nariz. - Essa ruana é igualzinha a do Camilo, onde conseguiu? Eu teria visto se começassem a vender souvenirs pela vila.

Metamorfosis (Camilo x S/n)Onde histórias criam vida. Descubra agora