Cartas que eu desejaria te entregar

Ressignificar

É como se eu tivesse ressignificando minha vida, dia após dia sem pressa, a pedido de todos a minha volta. Gradualmente minhas emoções iam se reestabelecendo para com as pessoas que já conhecia e com as que estava conhecendo novamente, algumas coisas iam me dando animo e voltei a sorrir lentamente, muita coisa em mim ainda estava bagunçada, mas estava mais calma.

Um pouco mais de dois meses haviam passado desde minha volta para casa, mesmo minha mãe pedindo para que eu ficasse em sua casa, recusei, afinal as coisas precisavam ser encaradas . Quando retornei passei algumas semanas recebendo mais visitas do que esperava e fiquei emocionada com tanto apoio e carinho, e nessa volta para casa as pessoas ao meu redor iam me mostrando minha vida onde não lembrava, e ficava surpresa com tudo.

Voltei para o apartamento que morei por anos com meu namorado, e morar com alguém era novo para mim, mesmo minha mãe passando o dia todo em casa me ajudando, a noite éramos apenas nós dois durante esse tempo. Ele é uma pessoa gentil e paciente, tornou o sofá sua cama para não me deixar desconfortável e sempre bate na porta do quarto para entrar, mesmo que pela ordem dos fatos, já tenha me visto nua, coisas como essa me fazem perceber os motivos pelos quais tive sentimentos tão profundos por ele.

Júlio me mostrou cada canto da casa e contou a histórias dos objetos que parte eram do apartamento que ele tinha quando morava sozinho e parte do meu antigo, ele colocou uma legenda em todas as fotos, em milhares delas e me contava toda nossa história em ordem cronológica com fotos e artigos que tínhamos, todo dia me conta um pouco e quando eu deitava para raciocinar, minha cabeça doía muito.

Ainda não havia lembrado de dele, de nós ou da nossa vida, mas meu coração ficava aquecido ao saber que vivi tantas coisas lindas e conseguia ver tudo isso pelas fotos, meus sorrisos em fotos aleatórias me mostram o quanto fui feliz, por outro lado, nas mesmas fotos posso observar o quanto deve está doendo nele.

Muitas vezes acordo de madrugada e Júlio está sentado no sofá encarando nossas fotos e suas lágrimas caem sem que ao menos ele me veja, ele nunca chora durante o dia e nunca para de sorrir ao meu lado, mas o mesmo está sofrendo em silêncio e não consigo ajuda-lo, sinto-me frustrada.

Mas o que estava feito, não poderia ser desfeito... Por mais que eu quisesse reconhecer todas aquelas pessoas, não posso e isso doí.

Visitei minha agência após tudo e fui recebida com aplausos e pessoas emocionadas, naquele momento pude reconhecer pessoas que estavam lá desde o início e expliquei a muitas outras que minha memória havia sido afetada por isso não conseguia reconhece-las foram nesses momentos que recebi olhares como o do Júlio, perdidos.

Maurício me mostrou em detalhes quem fui por cinco anos, tudo que vivi e fiz, coisas grandiosas; sobre minha volta para as câmeras ainda não me sentia pronta, mas de fato voltaria, e as pessoas me deram apoio para eu voltar quando me sentisse pronta e meu braço estivesse melhor.

A mídia já sabia do meu estado atual e pessoas que amavam meu trabalho me mandaram mensagem e boas vibrações para que eu lembrasse de tudo. Diariamente assistia atualizações sobre o acidente no jornal, participei de uma reunião com advogados e por conta da pressão da mídia, os laudos saíram e culpados estão presos, a culpa foi de um solo mal projetado que fez todo o prédio desabar, e o pior? A construtora soube da instabilidade na metade da obra, mas a probabilidade de desabamento era quase nula e refazer a obra custaria muito caro.

Fomos o quase, dez pessoas morreram, outras ficaram com sequelas graves, muitas perderam pessoas e eu, bom, perdi parte da minha vida e estava tentando recomeçar sendo grata por estar viva.

Minha amiga Isabel me fazia muita companhia, ela deu continuidade aos preparativos do seu casamento e estava radiante, minha recuperação estava boa e sobre minhas dores de cabeça, em minhas consultas com o médico nada estava errado, então apenas tomo um remédio quando dói.