Carta 10, 21/01/2015

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Querida Cristine,

Estamos em uma quarta, estou sentado ao seu lado, e hoje foi um dia ensolarado com poucas nuvens. Hoje após o trabalho fui a uma reunião do nosso condomínio e acredita que a vizinha do lado reclamou porque nosso gato fica na varanda e os cachorros dela ficam inquietos, eu respirei fundo e gentilmente mandei ela cuidar da vida dela, ando sem paciência.

Amor, como pode observar a data, está há três meses em um sono profundo e os médicos continuam falando o mesmo "é imprevisível", eles estão fazendo tudo que podem por você, acredite. Mas sabe quando você ouve verdades que pesam como um chumbo em seu tórax? Tenho andado muito pelo hospital e todos conhecem você por quem sempre foi somado a repercussão nacional do acidente, ontem ouvi funcionários do hospital cochichando coisas como "Quando passa muito tempo assim, é caro acordar e se acordar são tantas sequelas, tadinha tão nova".

Não é como se minha mente não tivesse consciência de tudo, mesmo não sendo da área da saúde e admiro muito quem é... Tenho plena consciência que é algo grave, mas doeu tanto ouvir isso, doeu tanto que senti meu ar se esvaindo...

Eu estou calejado e apático, não sinto mais a agonia como quando te vi assim pela primeira vez, porém a dor já faz parte de mim de uma forma em que nunca senti na vida, diariamente são entediantes, pois acordo sozinho, arrumo a cama, lavo meu rosto, encaro suas coisas no balcão do banheiro e bufo ao encarar meu rosto sem expressão no espelho. Arrumo-me, coloco comida para nosso gato, como enquanto brinco com ele e em silêncio saio de casa.

Sem você todos os dias são nublados, mesmo que lá fora o sol esteja brilhando, tem noção de como sempre coloriu minha vida com suas faces e sorrisos doces? Talvez esteja pensando que sou dependente de você mesmo com quase trinta anos, e se eu for? Pode se responsabilizar e acordar para que eu volte a respirar?

É tudo muito grande para eu poder colocar em papéis velhos, é tão difícil transcrever tudo que meu coração tem necessidade de falar, preciso gritar a mundo que estou morrendo de saudade da sua voz, da sua risada, do seu abraço, das suas piadas ruins... Três meses são muitos dias sem você, são eternidades que marco no calendário.

Todos os dias me debruço naquela varanda, olho para céu e pergunto por que nós? Diariamente me pego encarando nossas alianças douradas, a prateada em meu dedo, a sua que pendurei em seu pescoço com um cordão (por não poder ficar sem seu dedo) e pergunto o que fizemos para merecer isso, qual a lição que preciso tirar disso tudo?

Seja qual for, eu compreendi que devemos dar valor aos detalhes, aos momentos de alegrias e os de tristeza. Eu compreendi que a vida é uma magnífica peça teatral composta por inúmeros atos, que em algum momento o espetáculo acaba e as cortinas fecham.

(Percebe o tanto de emoções que estou tentando organizar do meu peito?)

Quer novidades nem tão novas? Como um bom jornalista que sou vamos lá: os responsáveis pela obra como arquitetos e engenheiros já indiciados pela justiça deram uma entrevista visivelmente transtornados, eles afirmaram que não deixaram nada passar que pudesse ocasionar um acidente, eles falaram, choraram e se desculparam. Mesmo com uma revolta em mim, não tenho força para odiar aquelas pessoas, sei que obviamente não tinham a intenção, mas ainda sim, irão pagar judicialmente, assim como a construtora.

Como sempre minhas bênçãos continuam sendo nossos amigos e familiares, sem essas pessoas com certeza não estaria suportando em pé, não se preocupe, cada um deles estão seguindo a vida da melhor forma que consegue e assim como dizem as enfermeiras, eles de dividem por dias e todos batem ponto para te ver durante a semana. Trazem flores, oram aos seus pés, conversam com você e sabemos que ouve tudo, não é?

Cartas que eu desejaria te entregarOnde histórias criam vida. Descubra agora