Três semanas se passaram desde o último encontro de Aster Jordahl com os soldados da Tropa de Exploração. Após aquela noite, o capitão Levi a autorizou em tratar dos feridos sob supervisão de algum cadete. Ela não pestanejou. Estava muito sensível e abalada, mas aceitara. Terminaria o que começou, sendo errado ou não.
Ainda recebia olhares maldosos de nojo e desprezo. O que poderia fazer, se a mesma os encarava da mesma forma? Chumbo trocado não dói. Alguns soldados ainda se recusavam a entrar no centro médico ao saber que ela estava lá. Mas Aster não se importava nem um pouco com isso.
Depois desse tempo, ela pôde esfriar a cabeça e avaliar melhor a situação. Não tinha muita escolha, a não ser ficar na ilha, e, entre ficar presa vinte e quatro horas dentro de uma tenda abafada ou poder andar livremente praticando a medicina, foi na opção mais óbvia. Odiava admitir, mas adorava trabalhar no centro médico. Atendia vários soldados com contusões leves — chegou até fazer massagens em alguns — cuidou dos feridos, e ensinou algumas de suas técnicas para o médico da ilha, cujo conhecimento era muito limitado. Enquanto esteve ocupada, evitava pensar em seu país: desde que eles não atacassem Marley, estava tudo bem, por ora. Não queria admitir, mas estava morrendo de saudades de casa.
— Bom dia, sr. Hamilton. — ela sorriu para o velho enquanto um soldado desamarrava seus pulsos.
A garota se aproximou do pescador que estava em repouso em uma maca. Ele já estava muito melhor do que quando chegara. Mais alguns dias, e já poderia ir para casa com seu filho.
— Olá, Mia, como você está? — o homem de cabelos grisalhos tossiu.
A garota abriu a boca para ele imitar sua ação e pôs um palito em sua língua.
— Está me chamando de estrela do mar de novo, seu Hamilton? — ela disse enquanto estava concentrada vendo se havia alguma infecção.
Tirou o estetoscópio do pescoço e pôs no coração do homem.
— Você parece muito com a minha Mia. — ele disse, entre devaneios. — Você e ela são belas como minhas estrelas do mar.
Seria lindo se não fosse tosco.
— Gostaria muito de conhecer essa tal de Mia. — ela respondeu enquanto escurava seus batimentos cardíacos. Quando disse o nome da mulher, notou que o coração dele acelerou. Isto que é amor. — É sua esposa?
— Infelizmente, não tive a oportunidade de me casar com ela... conheci minha Mia há quarenta anos... ela era minha vizinha, sabe? — ele sorriu, nostálgico. — Desde criança, nós saímos para brincar todos os dias. Prometemos um ao outro que quando crescermos iríamos nos casar. Eu a amava mais que tudo nesse mundo. Ela é e sempre foi o amor da minha vida. Mia era a menina mais espetacular que já conheci. Ela vivia correndo, impressionada e irritada com tudo, mas tinha um coração de ouro.
— E por que não se casaram? — Aster perguntou chateada, imersa na história.
— Bem... ela era incrível. Até demais. Ela queria saber o que tinha do lado de fora das muralhas, seu sonho era explorar o mundo. Eu sempre me perguntei que mundo era esse que ela tanto almejava, para mim, ainda é um pedaço de terra, mas, para ela, era maior do que se pudesse imaginar.
E realmente, ela estava certa.
Aster se lembrou de todos os lugares que já esteve; da sua sede de conhecer lugares novos e interessantes. É uma pena que nenhum eldiano não possa ter a oportunidade de ver a maravilha que o mundo é. Por serem eldianos, não são bem-vindos em lugar algum — nem autorizados a ir.
— Então, quando tinha catorze anos, se alistou no exército, para a tropa de exploração. — os olhos do senhor se encheram de lágrimas. — Eu implorei para ela não ir, disse que era perigoso, mas o que tinha de bonita, tinha de teimosa... pelo menos, a fiz prometer que me escreveria cartas todos os dias. Por dois anos, nós escrevemos cartas um para o outro. Eu as guardo até hoje. Até que um dia, elas pararam de chegar... Era uma quarta feira quando a mãe dela recebeu um comunicado. Ela havia morrido em combate, e a única parte que conseguiram salvar dela foram uma mão. Uma única mão.
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Uma Marleyana em Paradis
Hayran KurguAster Jordahl é a subtenente do exército de Marley, a mesma nascida nesta "gloriosa nação", foi ensinada a ter preconceito, odiar e desprezar quaisquer eldianos, principalmente os "demônios da ilha". No ano de 852, foi realocada da guerra e ordenada...