O Efeito Bumerangue - II

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Basílio de Almeida, delegado titular na Divisão de Homicídios do Deic¹ estava lendo o jornal. Alto, cabelos pretos, rosto redondo, dono de olhos argutos e lábios carnudos. Seu charme, no entanto, estava no bigode espesso, cobrindo parte do lábio superior. Às vezes cofiava tanto o bigode, que parecia esquecer-se do mundo e entrar em transe. Era um vício, uma forma de relaxamento, quem poderia dizer? Nem ele. Eram quase sempre alguns puxões para a direita, seguidos de um alisar em ambas as pontas no sentido vertical. Quando não tinha os dedos ocupados com o bigode, os tinha segurando um cigarro. Normalmente fazia os dois quase ao mesmo tempo: enquanto o cigarro repousava sobre o cinzeiro, queimando livremente, os dedos freneticamente davam cabo do bigode.

Era cedo ainda, nove horas da manhã de uma terça-feira nublada. Deparara-se com uma notícia que o deixara muito triste. O helicóptero Colibri HB-350, de propriedade do famoso banqueiro do jogo do bicho paulista, Nilo Romano, havia caído no mar durante uma tempestade, uma hora após partir do aeroporto do Campo de Marte em direção ao litoral norte de São Paulo. A bordo, Jorge Fontana e Bruno Pereira de Souza Lobo. Apenas o corpo do piloto da aeronave havia sido encontrado. Supunha-se, no entanto, que ambos os sócios da Fontana Lobo também houvessem morrido.

Jorge Fontana! Um quase rival devido a Nilo Romano, acabara por se tornar um bom amigo, alguém que aparecia para contrapor seu trabalho, mas no fim o ajudando em horas bem difíceis. Fora assim no caso Timóteo Arautra, em 1988; e também no caso Felipe Torres, em 1990.

Desde a resolução do caso Arautra, influenciado pela persistência de Jorge Fontana, Basílio também passara a ser mais insistente — e resiliente. Estivera naquele tempo um tanto quanto decepcionado com a profissão, talvez pela corrupção generalizada que havia em suas entranhas; ou talvez pela conivência e participação da própria polícia em crimes. Daí uma insatisfação tomara conta dele e até a vontade de largar tudo, aliado a problemas particulares, mas superara isso e fixara-se numa premissa: o sucesso de qualquer um advém principalmente das pessoas que o cerquem. Dessa forma procurava sempre se valer de pessoas eficientes ou pelo menos minimamente talhadas para a função designada, afinal cada um possuía seu próprio tempo e ritmo. Uma boa equipe, essa era a chave! Sua mesa, no entanto, continuava a mais bagunçada de todo o departamento. E isso não há apenas dez, mas vinte anos. Era algo realmente que ele não conseguia ser: organizado com suas coisas, embora metódico nas ideias, inclusive ao passá-las ao papel.

O alto e forte investigador Madeira, a eficiência em pessoa e um dos melhores assistentes do delegado, entrou na sala sem bater:

— Delegado, acaba de ocorrer um crime em frente à Gouveia & Carvalho.

— Onde?

— Gouveia & Carvalho, a fábrica de autopeças. O senhor não conhece?

— Claro que não! Eu mal sei a marca do meu carro, vou lá saber de fábrica de autopeças... Mas você com toda certeza conhece.

— Conheço. É que eu moro lá perto.

— Ah, bom. Já estava começando a pensar que eu era uma pessoa mal-informada.

Olhou para o assistente, que baixara ligeiramente a cabeça, colocando a mão sobre os lábios para dissimular um sorriso.

— O que é, 'flor'? Leio o jornal todos os dias. Aposto que você nem sabe quem morreu ontem.

Basílio gostava de usar o codinome 'flor', às vezes por gentileza, na maioria das vezes por ironia. Madeira ergueu o olhar, encarando o delegado:

— Muita gente morreu, mas o senhor deve estar falando dos donos da Fontana Lobo, a firma de advocacia. O helicóptero de Nilo Romano caiu no mar. Bem, na verdade não se sabe se Jorge Fontana e o sócio Bruno morreram mesmo. Também leio os jornais. Aliás o senhor só lê o jornal porque eu compro.

QUATRO VEZES O INESPERADOOnde histórias criam vida. Descubra agora