O Efeito Bumerangue - I

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São Paulo, julho de 2001...

"Os filhos de minhas filhas meus netos são; os filhos de meus filhos serão ou não"? Onde lera tal frase? Era um dito popular, que lhe fazia lembrar uma história ocorrida vinte e um anos atrás.

Havia uma moça muito bonita e que morava numa fazenda no interior de São Paulo. O pai era um homem conversador, respeitado em toda a cidade e cheio de histórias interessantes... Quando havia sido? Em 1980?

Ela ia se casar com o filho de um fazendeiro vizinho, alguém de posses bem menores, um sujeito muito ciumento. A moça era linda. E como ele a desejava! Morena de bronzeado natural estonteante, sempre conversava com ele quando ia à cidade fazer compras. João fazia questão de abordá-la, mas ela não lhe dava bola, embora sempre simpática. Gostava de conversar sobre tudo. E ele era uma pessoa estudada, que tinha assunto.

Certo dia a encontrou na cidade, bem agitada e nervosa. Tinha terminado o noivado com José, o sujeito marrento. Fora um encontro casual. Convidou-a para ir a um lugar sossegado, onde conversaram bastante. Havia percebido que aquela poderia ser sua grande chance: uma mulher fragilizada e indignada, linda e sedutora — e isso lhe dava ainda mais tesão. Com jeito e malícia a levou a um motel bem longe dali, onde Ana Maria entregou-se de corpo e alma; talvez até desejasse aquilo há muito tempo, quem sabe. E o noivo, rude e ciumento, talvez jamais tivesse agido como João: carinhoso e meigo, gentil e sedutor.

Passado aquele dia, João gostaria de reencontrá-la, mas Ana Maria se recolhera à fazenda e não mais aparecera na cidade. Pensou em ir à sua casa, mas como? Que explicação daria a seu Lilo, o pai da moça? Achou melhor dar um tempo, pois diziam alguns que ela estava deprimida com o rompimento do noivado. Mal sabiam, contudo, o que havia acontecido entre os dois.

Dois meses depois soube da notícia: ela ia se casar com o noivo birrento. Os dois haviam reatado o noivado e ninguém sabia ao certo, mas as línguas ferinas diziam que o motivo era uma gravidez. Isso o preocupou, afinal ele tinha transado com ela. E sem camisinha! Ela era tão deliciosa que ele não resistira. Mas então ela tivera relações também com José? Pois senão como ele ia aceitar se casar, sendo o grosso e ciumento que era...

João estava preocupado, o filho podia ser dele. Meses depois uma segunda notícia o atemorizou: ela tivera gêmeos e um deles era loiro (de olhos azuis). Gelou! Era bem possível então que ele a tivesse engravidado mesmo! E não se tratava de apenas um filho, mas dois! Dizia-se que um era moreno jambo, como a mãe, mas o outro era branquinho, loiro como ele! Corria a notícia à boca solta. As famílias, tanto de José, quanto de Ana, não possuíam pessoas com aquele fenótipo, pelo menos que se soubesse. Alguns até comentavam que sim, que havia, mas eram apenas notícias plantadas para dar a entender que ela não tinha se deitado com ninguém além de José.

Lembrava-se nitidamente ainda do dia em que soubera que José matara Ana. Imaginava a cena: os gêmeos dormindo no quarto, ela pressionada pelo brutamontes, forçada a confessar que tivera uma relação amorosa com João Gouveia, o filho do dono da loja de autopeças... Uma faca sobre a pia... José a esfaqueando covardemente. Maldito! Quisera procurá-lo e dar cabo da vida dele. Conversando com seu pai, a posteriori, achou melhor viajar e sumir por uns tempos, principalmente porque José estava foragido e podia tentar matá-lo a qualquer momento. O pai sugeriu a João passar uns tempos em São Paulo, trabalhando numa indústria de autopeças que ele acabara de abrir junto a um amigo, o Carvalho. Era uma ideia que o pai vinha acalentando há muito tempo, a de ver João à frente daquela empresa. A empresa chamava-se S.A. Gouveia & Carvalho.

Aceitou então a proposta do pai e mudou-se para São Paulo. Soube pelo pai, algum tempo depois, que José havia sido morto pela polícia e isso o deixava aliviado. No entanto resolveu não voltar. Uma vez ambientando à empresa, para alegria do velho Gouveia, acabou por se fixar na capital — e ali estava até hoje, vinte e um anos depois de ter deixado o interior. O pai, a essa altura falecido devido a um acidente de carro; e o velho Carvalho num asilo, acometido de problemas de esclerose no cérebro, conduziram João Gouveia à presidência da fábrica, sendo a vice-presidência ocupada por Ronaldo Carvalho Filho. Os dois juntos somavam 80% das ações.

QUATRO VEZES O INESPERADOOnde histórias criam vida. Descubra agora