A Linha Cruzada - IV

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Roberto já estava rindo antes mesmo de me justificar:

— E o que foi dessa vez?

— Teve uma época em que eu jogava muito na loteria esportiva. Era toda semana, já era um vício. Pedi para a mulher fazer um palpites no 'escuro'. Ela então marcou os resultados, de 1 a 13, no verso de uma embalagem de sabonete — nem olhou os times. Quando comecei a passar o jogo a limpo, fui logo dizendo: "Que é isso, esse palpite não vai dar nunca, o Santos perder para o Taquaritinga, ainda mais na Vila"?

— E você mudou o palpite?

— Mudei! E não é que o Santos perdeu mesmo? A gente ia ganhar sozinho na loteria. Agora me diz se não foi Deus quem guiou a mão dela. Ele queria mesmo que a gente ganhasse e eu consegui mudar a vontade Dele.

Roberto balançou a cabeça com a mão no queixo, rindo:

— Seu amigo mecânico tem mesmo razão. Sua vida daria um livro. De humor, é claro. Mas daria.

— E como o Farias mesmo disse, o senhor ainda não viu nada. Eu já perdi um pedaço de uma estante numa mudança — caiu do caminhão e ninguém viu. Tive dois carros zero quilômetro, o primeiro em 1974. Na primeira semana, uma moto acabou com a lateral do carro. E o de 1980, fundiu o motor na primeira viagem que fiz... Esse, aliás, tirei num consórcio, onde fui o último a ser sorteado...

— Último a ser sorteado? Pô, isso já nem foi mais sorteio, você era o último — Roberto ria. — O motor fundiu e ficou por isso mesmo?

— A montadora deu outro, teve um problema no marcador de temperatura, por isso não a vi subir.

— Ah bom, menos mal...

Eu ainda segurei o Roberto por mais alguns minutos e contei quando a roda do fusquinha soltou, em plena Marginal Tietê e tive de parar o carro e correr atrás da roda...

— Ah, não é possível.

— Verdade!

E segui com mais uma história:

— Uma vez eu peguei um táxi com a mulher, no centro da cidade. Falei para o motorista: segue para a zona leste. Quando ele chegou na Marginal, passou sobre o rio e foi para a zona oeste. Eu avisei:

"O senhor está indo para o lado errado."

"Que é isso, meu amigo, conheço São Paulo como a palma da minha mão."

"Pode até conhecer, mas está indo para o lado errado."

Só lá na frente que ele percebeu:

"Puta merda, não é que estou errado, mesmo? O senhor tinha razão. Que mancada! Vamos voltar, vou desligar o taxímetro."

"Não, não! Pode ir por aqui mesmo. Para mim também serve."

"Como assim, serve? O senhor não quer ir para a zona leste? Estamos indo para a oeste?"

"Era o que eu estava dizendo o tempo todo, mas pode tocar para a oeste."

"Mas... Não estou entendendo..."

"Não é para entender. Eu avisei que você estava indo para o lado errado, você não quis escutar. Agora continua."

Roberto e Irênio me olharam espantados. Expliquei:

— É que eu precisava ir até a casa do meu irmão, com certa urgência. Aproveitei a corrida, mas o homem borrou-se todo. Pensou que ia ser assaltado.

— Rapaz, eu não sei se metade disso é verdade...

— É claro que é! — afirmei.

Roberto, visivelmente apressado, concluiu:

QUATRO VEZES O INESPERADOOnde histórias criam vida. Descubra agora