Janete estava muito nervosa:
— Eu sabia, delegado, que ele ia acabar fazendo uma bobagem dessas.
Belo tomava um gole de café, preparado pela própria Janete:
— Está falando de quê? De suicídio?
— E que mais podia ser? O rapaz tinha pouco tempo de vida, vivia dizendo que queria morrer.
Basílio também experimentou o cafezinho:
— Ele tinha alguma doença?
— Era soropositivo, tinha HIV. Andava muito fraco, muito magro. Bem, o senhor viu o coitadinho. Uma gripe dois meses atrás quase o matou. Depois disso, ele não falava em outra coisa, só pensava em morrer. Não queria de jeito nenhum voltar para uma cama de hospital. Agora eu não entendo onde foi parar o irmão dele.
Belo colocou um pouco mais de açúcar em sua xícara:
— Irmão? Que irmão?
— O irmão que veio visitá-lo, o Jerônimo. Irmão por parte de mãe. Eu fui à padaria comprar pão, leite e muçarela... Preparar um lanche para os dois. Quando voltei, encontrei o portão aberto e a porta da sala escancarada. O Jerônimo não estava mais aqui. Foi aí que encontrei o Jéferson.
Basílio desviou o olhar para Belo. Parecia que as coisas começavam a se esclarecer. Não perdeu tempo:
— Onde mora esse tal de Jerônimo?
— Em São Paulo. Ele chegou a Belo Horizonte hoje de manhã. Jéferson foi buscá-lo no aeroporto.
— Podia nos contar exatamente o que aconteceu hoje pela manhã? Procure lembrar passo a passo, de todos os detalhes.
Janete contou a eles. Há alguns dias Jerônimo ligara para Jéferson dizendo que queria pedir-lhe desculpas pelas duras palavras de quatro anos atrás, quando Jéferson o procurara em São Paulo.
— Eles tinham brigado?
— É uma longa história, delegado.
Belo adiantou-se a Basílio:
— Uai, conte!
A governanta-enfermeira relatou todos os fatos do passado, que envolviam os dois rapazes. Basílio voltou ao assunto em pauta:
— Mas a senhora dizia que Jerônimo ligou para Jéferson há uma semana e que os dois marcaram esse encontro.
— Isso mesmo. Jéferson estava muito contente nessa última semana com a possibilidade de fazer as pazes com o irmão. Só que ele não disse para mim que o irmão ia chegar hoje. Quis fazer surpresa. Levantou cedo e disse que ia na casa de um amigo, mas na verdade foi buscar o irmão no aeroporto.
— Saiu de carro?
— Não, foi de táxi. Desde que voltou do hospital não estava mais dirigindo, por causa das tonturas. Quando ele chegou, trazendo o irmão, que eu nem conhecia, tomei o maior susto.
— E ele costumava sair sozinho, mesmo nesse estado?
— Sim, mas só quando se sentia bem. Eu ficava preocupada, é claro, mas também não queria que ele ficasse só trancado em casa. E Jéferson era muito responsável. Não saía se achasse que o melhor era ficar na cama ou em casa. Depois, ele sempre chamava o táxi pelo telefone, quase não andava. E o pessoal do táxi que ele chamava já o conhece faz muito tempo, desde a época em que ele trabalhava na Gouveia & Carvalho. Assim, eu ficava mais tranquila.
— Bem, a senhora dizia que tomou um susto.
— Foi sim. É que eu não esperava que ele fosse voltar com o irmão. Tinha dito para mim que o Jerônimo viria, mas não disse quando.
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QUATRO VEZES O INESPERADO
Misterio / Suspenso🏆1º lugar no Concurso Clube de Leituras LER - 3ª Ed. (c/ o conto integrante ''Em Deus a Justiça''?). História dividida em 4 tomos: Quatro tomos, quatro partes, quatro atos... Quatro vezes o inesperado, onde a ordem dos fatores não altera o produto...