Mas Lilo ficara encafifado com a ideia. Sim, que motivo haveria para aqueles sonhos? Após o jantar, estavam todos em confraternização na sala, preparando-se para dormir. Célia parecia incomodada e Silvio já percebera, conhecendo a mulher, quais eram suas intenções. A sensitiva estava querendo tatear em terreno perigoso e poderia machucar-se com o resultado de suas pretensões.
"Mas quando Célia bota na cabeça, não há Cristo que dê jeito. E ela é orientada por Espíritos elevados, eles sabem o que fazem", pensou Silvio.
— Seu Lilo — iniciou Célia —, eu sei que o senhor é católico, sua filha também, mas eu gostaria de sugerir que nós nos reuníssemos à mesa da sala de jantar e fizéssemos uma oração e uma leitura do Evangelho, que tal?
Lilo, excepcionalmente naquela noite, estava solícito e aberto a novas ideias. Acatou a sugestão, embora a filha não tivesse gostado muito, mas sabia que a ordem do pai sempre prevalecia, pois ele possuía forte ascendência moral sobre todos.
Assim, sentaram-se à mesa: Onofre, Lia, Nancy, Lilo, Célia, Silvio, Mariana (filha de Lilo) e o marido Sérgio, policial militar aposentado — que estivera fora durante o dia, mas chegara à noite, após o jantar.
— Precisamos dar as mãos? — perguntou Lia.
— Não, basta apoiá-las sobre a mesa — esclareceu Célia, sugerindo em seguida: — Vamos buscar nos sentir confortáveis, fechando nossos olhos. Farei uma oração e peço que todos me sigam em silêncio, apenas em pensamento.
Enquanto Célia fazia a prece, uma sensação de paz envolveu a mente de todos. O ato de não repetir em voz alta, deu ensejo aos participantes de refletirem sobre cada palavra que era dita. Célia proferiu, no entanto, um Pai Nosso sensivelmente modificado, mas não menos belo:
Nosso Pai, que estás em toda parte;
Santificado seja o teu nome, pelo louvor de todas as criaturas;
Venha a nós o teu reino de amor e sabedoria;
Seja feita a tua vontade, acima dos nossos desejos, tanto na terra, quanto nos círculos espirituais;
O pão nosso, do corpo e da mente, dá-nos hoje;
Perdoa as nossas dívidas, ensinando-nos a perdoar nossos devedores, com o esquecimento de todo o mal;
Não permitas que venhamos a cair sob os golpes da tentação de nossa própria inferioridade;
Livrai-nos do mal que ainda reside em nós mesmos;
Porque só em ti brilha a luz eterna do reino e do poder, da glória e da paz, da justiça e do amor para sempre!
Assim Seja.Lia estava encantada:
— Nossa, que lindo, Célia.
— É uma prece da lavra de Chico Xavier. Linda, não? Baseada no Pai Nosso, de Jesus.
Em seguida, Célia solicitou a seu Lilo uma Bíblia e fez uma leitura de um trecho que, segundo ela, previamente já tinha escolhido. Falava sobre o perdão e da necessidade de o praticarmos.
— "Sede perfeitos como vosso Pai Celestial", disse Jesus. "Ele não faz nascer o sol sobre bons e maus? E não faz chover sobre justos e injustos? Sede, pois, perfeitos como vosso Pai celeste. Não resistais ao mau, amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem e caluniam, porque, se amardes apenas os que vos amam, que mérito haverá nisso"?
Célia havia feito um resumo da passagem de Mateus, capítulo 5, versículos 38 a 48 e pediu a Silvio que fizesse um comentário breve. O marido agradeceu:
— Obrigado pela oportunidade. Vejam que coisa interessante... Na prece do Pai Nosso, que está no capítulo 6 de Mateus, Jesus pede a Deus para "livrar-nos do mal", porém, em capítulo anterior, ele fala para não "resistirmos ao mau". Como pode isso, alguém saberia dizer?
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QUATRO VEZES O INESPERADO
Mystery / Thriller🏆1º lugar no Concurso Clube de Leituras LER - 3ª Ed. (c/ o conto integrante ''Em Deus a Justiça''?). História dividida em 4 tomos: Quatro tomos, quatro partes, quatro atos... Quatro vezes o inesperado, onde a ordem dos fatores não altera o produto...