Losing Game

1.5K 159 67
                                    


Emily's P.o.v:

            Os meus dias são todos iguais. Eu me levanto, trabalho, faço um relatório pra o George e o resto do pessoal envolvido, vou pra escola, volto, durmo ou caminho sem rumo pelas ruas, e à noite, recebo visitas desagradáveis quando estas não são da Scarlett. Minha rotina é uma só desde que eu entrei na adolescência e iniciei minha independência. Desde que fui expulsa de casa pelos meus pais e percebi que Salomão, o filho mais novo de Davi, tinha razão ao citar que os piores inimigos de um ser humano são os membros de sua família. Todos os meus dias são assim, iguais, vazios, sem graça. E apesar de ser uma droga, eu nunca esperei que mudasse ou que algo de muito bom acontecesse e me fizesse desejar mais, porém, aconteceu. Essa noite eu pus Susan Gilbert pra dormir.

            Nós conversamos muito pouco a respeito dos assuntos sérios. Levamos em consideração a maioria do que não podia ser ignorado, e por fim, caímos na cama. Ela pegou no sono e eu apenas a observei por horas, quando percebi que estou cometendo o pior erro da minha vida. Não posso ser narcisista ao ponto de fechar os olhos pra a minha realidade desastrosa. Não posso fingir ser a pessoa mais confiável e segura de Los Angeles porque não sou, e justamente por isso, nunca serei a pessoa que ela apresentará aos pais. Quer dizer, como eles reagiriam se soubessem? "Ah, então você é a filha misteriosa dos Dickinson? A ovelha negra expulsa de casa aos quinze anos, que começou a usar e vender drogas pra não morrer de fome? Acha mesmo que a confiaríamos a nossa filha?" Parece que os ouço falando e não é nada legal. Mas, por outro lado, onde mais ela poderia estar senão nos meus braços? Dormindo depois de tantas noites de insônia? Mesmo não sendo sua escolha mais cuidadosa, eu a mantenho segura aqui, agora, e é isso que importa. Pois enquanto eu a fizer bem, nada no mundo poderá me afastar dela. Nada além dela.

             Sempre julguei babaquice os clichês de contos de fadas, mas por ela, por essa bela adormecida, eu decoraria todas as fábulas existentes e a contaria repetidas vezes antes de dormir. Por ela, eu faria qualquer coisa na qual nunca me sujeitei a fazer antes, como ser melhor, merecedora do seu coração. Ah, sim, eu mudaria. Retrocederia e faria tudo diferente. A entregaria outra Emily nas mãos e finalmente a daria a oportunidade de viver feliz e despreocupada. Mas não hoje. Não essa noite. Ainda tenho uma vida caótica pra organizar e defender, pra que ninguém ponha um fim. Tenho pendências e, apesar de não querer, preciso ir embora. Preciso me cuidar e mantê-la restrita às minhas confusões. Voltar pra o meu apartamento, fazer umas ligações e rezar pra que o sol brilhe sobre a minha cabeça mais uma vez, porque a verdade, é que eu nunca sei quando é a última.

             Num impulso negativo, enrolo mais alguns minutos pra me desvencilhar dos braços dela, mas tomo coragem e o faço. Me levanto, a cubro com o cobertor e paro ao lado da janela pra me certificar de seu bem-estar antes de descer escalando até o jardim. A vizinhança está toda silenciosa e iluminada, o que me leva a caminhar pelas calçadas até um determinado ponto, onde saco o celular pré-pago e disco uma carona. Não há mais ônibus circulando nesse horário e qualquer táxi é sentença de morte. Ou seja, se não tenho uma carta na manga, fico de pista.

             Ao chegar, desço do carro e me despeço do Carl, um velho quebra-galho meu e do G.

                         一Toma cuidado, hein, pivete 一ele adverte do seu jeitinho.

                         一Pode deixar 一sorrio.

             Aperto seguidas vezes os botões do interfone do edifício até ouvir a porta ranger e se abrir. Entro. Subo os dois lances de escada e do fim do meu corredor posso perceber uma movimentação estranha. Quando se vive no crime, com a cabeça jurada diariamente, tem que desconfiar da própria sombra. Nada de suspeito pode passar despercebido, e nesse momento, noto um detalhe estranho. A minha maçaneta virada numa posição contrária. Como sei? Há um ano atrás, a fiz uma marquinha com faca num dos lados pra sinalizar quando alguém mexesse, assim nunca seria pega de surpresa ou desarmada. E ao olhar de perto, constato que, ou alguém me fez uma visitinha mais cedo ou está fazendo agora. Por via de dúvidas, saco a arma da cintura e a escondo atrás de mim, me preparando para entrar. Evito fazer barulho ou aparecer com os pés na frente da fresta da porta, ficando de lado no batente. Com o cano, a empurro e abro espaço, entrando. Nada de anormal. Nada bagunçado. Nada roubado. Nada além de...

A DickinsonOnde histórias criam vida. Descubra agora