Capítulo 3: Coração frio?

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A antítese dá a devida esperança e beleza àquilo que há na outra parte da moeda. A valorização só é possível por conta do medo da perda. O bem só é valorizado porque existe o mal. A pior face da moeda nos faz enaltecer a melhor face. Se só houvesse o bem, este seria algo banal, comum, sem valor. 

 Certa vez alguém havia me dito que preferia ser coração frio a ter que se importar com as pessoas, que preferia ter que fazer coisas más a coisas boas, que sua vida seria melhor assim. Pus-me, então, a pensar: seria isso verdade? E então, tirei a seguinte conclusão: pessoas que vivem dessa forma só conhecem a amargura, vivem a vida em preto e branco. 

 A graça da felicidade é que ela acaba, se fosse eterna, não a valorizaríamos tanto. A dor nos mostra a beleza nas mais simples coisas.  

 Outra coisa, quanto mais medo, quanto mais perto da ruína, mais pendamos para a valorização de algo ou alguém. O desejo aumenta com a dor, com a dificuldade e com a iminência da tragédia. Já dizia o grande psicanalista e educador Rubem Alves '' Ostra feliz não faz pérola.'' Ele disse isso e logo depois explicou o motivo: para que a ostra faça uma pérola, é necessário que entre um grão de areia dentro dela. Quando a areia entra, a ostra sofre. Para que ela pare de sofrer com isso, é preciso criar uma pérola. Isso é uma reação a um ferimento. 

 Não é incomum que grandes obras já feitas fossem moldadas à base da dor. A dor é fonte de inspiração e produz coisas lindas. A dor humaniza, a dor amadurece, a dor mostra a parte linda daquilo que, outrora, não enxergávamos. Quem não é sensível à dor, não é sensível a nada de belo que há na vida. (Mas olha, sendo sincero... Não acredito em quem não sente dor, é mais provável que estejam mentindo como forma de esconder a saliência de sua sensibilidade).

 Somos seres acostumados a sermos antropocêntricos, isto é, acreditamos que o mundo e o universo estão a nosso favor, e tudo gira em torno de nós. Bom, penso que Nicolau Copérnico e Charles Darwin já mostraram mais que o suficiente para percebermos a nossa insignificância perante ao todo. Enquanto continuarmos fugindo da dor que acompanha a consciência do fracasso e de que nem tudo é do jeito que queremos, estaremos condenados a insignificância, posto que ficaremos nos iludindo com mentiras confortáveis, enquanto nos tornamos mais asquerosos, arrogantes e prepotentes. Somente quando percebemos, tomamos coragem e temos humildade para admitir que necessitamos passar por dores, sofrimento e agonia, passamos a estarmos prontos para um processo humanizador e que, aí sim, pode nos dar algum valor. 

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