Capítulo 10: Afirmação de Virtudes Próprias

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 Pessoas autoproclamadas virtuosas, na verdade, sofrem da angústia que provém da incapacidade, imperfectibilidade e insuficiência. Por esse motivo, a forma de rejeitar o seu verdadeiro self é criando um outro e passando a tentar acreditar nele, em tempo que também faz com que as outras pessoas acreditem. 

 A arrogância sempre foi uma forma de esconder medrosos atrás de grandes colossos imbatíveis e autossuficientes. Todo excesso de confiança deve ser questionado, pois pode ser uma forma travestir a insegurançaque tem medo de mostrar o rosto. Não é desconhecida a crença de que quem se acha virtuoso, na verdade não o é. Essa pessoa, portanto, seria uma mentirosa consumida pela vaidade. Por esse motivo, não costumo acreditar em quem se proclama alguém com virtudes como bondade, inteligência, generosidade e coragem. Até porque a virtude só pode ser reconhecida externamente, pelo outro, a partir das coisas que você faz, não diz. 

 Somos mentirosos. Mentimos o tempo inteiro para fazer com que os outros acreditem naquilo que queremos que eles achem de nós, mas que não necessariamente somos. Nicolau Maquiavel já dizia: Parecer antes do que ser, isto é, as pessoas te tratam pelo que acham que você é. 

 Bom, toda virtude deve ser sutil e silenciosa. Quando falamos algo sobre nós, estamos sendo mais narcisistas do que sinceros. Um santo está mais próximo de Deus quando confessa seus pecados e aceita a miséria e a maldade em si intrínsecas como condição de existência, do que um santo que se diz perfeito, bondoso e humilde. Quem é humilde não diz que é, afinal, a humildade é o silêncio, é o reconhecimento do erro, da maldade, da imperfeição. No entanto, qual é exatamente a forma de saber quando alguém é humilde por ser sábio, ou por ser depressivo? Pessoas deprimidas não costumam fazer autoafirmações de virtudes, mas isso não significa que são sábias ou virtuosas por esse motivo, mas sim que estão doentes e precisam de ajuda. É necessário saber diferenciar uma coisa da outra. 

 Talvez o marketing pessoal esteja tornando as pessoas cada vez menos humildes e mais cheias de si, venerando a elas mesmas como se não houvesse a inveja, a vaidade, e o egoísmo por trás de suas máscaras. Mas o que seria o marketing pessoal? Penso no marketing pessoal como uma forma de negar o que somos por dentro e passarmos a construir uma autoimagem à nossa maneira. Vejamos os passos: 

1 – Escondemos o verdadeiro espelho de nossa alma, para que não tenhamos de encarar nossas imperfeições. 

2 – Vestimos uma máscara e tentamos convencer a nós mesmos e os outros de que somos essa pessoa tão confiante, segura, inteligente, bonita, independente, generosa e preocupada com o mundo. 

 Bem, mas isso talvez tenha uma explicação lógica: Nós seres humanos não aceitamos nossa imperfectibilidade, queremos ser como Deus(onipotentes, oniscientes e onipresentes). Portanto, agimos como se fôssemos. Se duvida do que digo, basta olhar ao redor e perceber que é sempre o outro que sente inveja de nós, sempre somos os alvos, nunca os direcionadores. O erro, a maldade e a impureza estão sempre no outro, nunca em nós. Acredito que isso se dê porque desde que o ser humano percebeu que pode diminuir o peso de seu ressentimento, sua sensação de pequenez e inferioridade e negar seus instintos considerados sujos e impuros, ao espelhar isso no outro e culpá-lo pela sua própria sordidez, como se fosse uma característica do outro e não sua, seria uma forma de gerar bem-estar, já que tudo o que há de errado está sempre para além de nós. Assim poderíamos dormir tranquilamente, sem sentirmo-nos culpados. 

 Enquanto não formos capazes de perceber que nós somos miseráveis, maldosos e invejosos, nunca seremos capazes de lutar contra isso e adquirirmos virtudes. Dessa forma, lembre-se: Enquanto você se achar bom, nunca verá o mal que você faz ao outro e sua cumplicidade para que o mundo seja um lugar malévolo. Todos nós somos culpados por tornar a maldade possível. Basta aceitar isso em nós, para que possamos tentar mudar para menos piores. Adão e Eva já mostravam o desejo humano pela perfeição (não sou religioso, trato como uma metáfora extremamente relevante), o desejo de sermos como Deus. Um exemplo disso: redes sociais, como Instagram, onde podemos fazer nosso currículo pessoal e falarmos o que quisermos de nós, criando um ar de perfeição, de um ser humano ideal, sem defeitos, isto é, o mais próximo de Deus possível. Quantas fotos foram necessárias serem tiradas até que a ''perfeita'' fosse conseguida? 

 A ideia de que somos recipientes de maldade e pecado não são minhas, apesar de que eu já suspeitava. Essas palavras são do Santo Agostinho. Ele acreditava que nós somos detentores inatos da maldade que existe no mundo, isto é, o corpo naturalmente tem imperativos sórdidos e que precisamos ter um propósito imaterial muito forte para conseguirmos frear isso. 

 Logo, aquele que fecha os olhos para sua realidade, é um mentiroso. É alguém que não se pode confiar. O filósofo Dostoiévski, em seu livro '' O sonho de um homem ridículo'' mostra exatamente o que quero dizer ao longo de toda essa escrita. Dar-lhe-ei um breve resumo do que se trata: 

 Um homem indignado com o mundo tal como ele é, o qual não vê mais sentido em nada, achando que não merece viver nesse lugar em que as pessoas são todas hipócritas e más, ele decide ir para casa e cometer suicídio. No caminho, ele encontra uma garotinha desesperada clamando para que este a ajude, pois sua mãe está muito doente. Ele a ignora e segue para casa, ao pegar sua arma e tentar se matar, ele adormece e tem um sonho. Esse sonho, um tanto peculiar, mostra as pessoas num nível de perfeição, onde não há dor, sofrimento e nem maldade. No entanto, ao tentar se comunicar com uma pessoa, ele então faz com que elas fiquem descontroladas, enfurecidas e criem o caos daí em diante. Logo, o homem ridículo, percebe que aquilo era uma metáfora do paraíso, onde as pessoas representavam Adão e Eva, até então perfeitos, e ele a serpente (diabo). Daí, ele percebe que ele era o mal que assolava o mundo. 

 Todos nós somos metade serpentes, metade bons. Todos nós temos culpa do mal que há no mundo. Pois este habita dentro de cada um de nós. E não há como viver a vida sem botá-lo em prática pelo menos algumas vezes. Continuando, depois que ele acorda e percebe isso. Ele desiste do suicídio e vai à procura da garota para ajudá-la. 

Esse conto mostra que quando percebemos que causamos o mal e paramos de botar a culpa nos outros, assumindo que nós somos parte disso, pois somente ao termos plena convicção desse mal, podemos ao menos tentarmos resistir ao desejo egoísta e maléfico que pulsa em nossas veias. Quem se acha bom demais é, no mínimo, cego. E convenhamos, não é à toa que pessoas das quais têm noção de sua fragilidade, suas limitações, seus defeitos, sua imperfeição, são, na maioria das vezes, as melhores para se conviver e ter uma conversa. Uma vez que, a arrogância e a falta de humildade vêm de uma autoimagem de superioridade e perfeição. Por isso insisto, não gosto e não me sinto confortável com pessoas que se acham autossuficientes e perfeitas, na medida que acham que suas existências seriam à prova da loucura e imunes à solidão, caso tivessem que viver plenamente sozinhas. Além disso, arrogantes falam, mas não escutam. Odeio arrogantes, odeio a mim mesmo. Tudo o que reclamamos no outro, também existe em nós. Todos nós fomos, somos, ou seremos arrogantes e algum momento de nossa vida. Nossa natureza é nojenta. Somos nojentos.

 Deixe-me, por favor, mostrar-lhe um fragmento de um texto escrito por Rubem Alves:

 "Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai sematricular. Escutar é complicado e sutil...Parafraseio o Alberto Caeiro: "Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma". Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer...Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...'' 

Algo bastante interessante que o texto traz é quando diz que sempre que ouvimos o que alguém diz, tentamos dar um palpite melhor ou misturar a ideia do outro com a nossa ideia. Nunca escutamos completamente o outro. O som do nosso ''eu'' está sempre gritando dentro de nós, causando interferência destrutiva no som no outro. Quando não falamos, ainda assim, estamos esperando nossa hora de falar.

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