Primeiro odiamos, depois justificamos.
A raiva, muitas vezes, vem antes do motivo. Nem sempre é o contrário. Já parou para pensar que sentimos raiva de pessoas que não temos razão lógica para sentir? E só depois que tomamos conhecimento dessa agonia e inquietação que nos consome, é que procuramos motivos para justificar isso? Quantas vezes você já procurou ler artigos, matérias , ou estudar um determinado assunto apenas para sustentar seu ódio e poder justificá-lo? Quantas vezes já tentou procurar conhecimento para alimentar um preconceito?
Parece-me que passamos um bom tempo de nossas vidas tentando alimentar nossa raiva e ressentimento. Temos preconceitos que não conseguimos justificar e, por isso, procuramos conhecimentos que estão a favor do nosso ódio. Queremos alimentá-lo, fortalecê-lo, aprendermos a justificá-lo e defender legitimidade de sua existência com unhas e dentes. Por que fazemos isso? Por que não fazemos o exercício de vermos a face oposta da moeda? Por que não procuramos entender o outro lado? O ressentido ou preconceituoso tende a querer se manter em seu estado de ressentimento. Ele não quer resolver o ressentimento, ele quer cada vez mais motivos para justificar o seu ódio e preconceito, para alimentar mais ainda a sua angústia...
Se odiamos um grupo específico, a primeira coisa que fazemos é devorar livros, artigos e matérias que coloquem a ciência a nosso favor. Não há tortura maior que ter de consumir conteúdos que colidem com nossas ideologias e preconcepções. Talvez amemos odiar. Tanto que procuramos formas de alimentar esse sentimento destrutivo. Uma pessoa com raiva só pensa em alimentar esse sentimento, nunca em domá-lo. Penso que somos máquinas operadas pelas paixões. (Entenda-se paixões como sentimentos no geral). Primeiro vem o sentimento, depois a justificativa. Primeiro sentimos raiva, inveja, depois tentamos justificá-la com argumentos baratos.
A racionalização é apenas a ferramenta para alimentar a mágoa que já existe antes dela. A razão é o meio usado não para descobrir a verdade, mas para alimentar os preconceitos e as ideias convenientes. Erra quem diz que o conhecimento é a chave para a harmonia. Pelo menos não é quando o conhecimento é justamente uma ferramenta para munir o prejulgamento.
Alguém que compra uma Ferrari, morando próximo a lugares esburacados e desregulares, justificará que comprou o automóvel pela velocidade, conforto, potência. Entretanto, sabemos, nós, que há muito mais por trás, não é? Aliás, ter Ferrari é ter poder e holofotes. Entretanto, sempre tentamos racionalizar e justificar nossas ações fugindo sempre da ligação delas com o nosso ego e autoestima, para não parecermos infantis.
Porém, no final das contas, mesmo tentando parecermos seguros e maduros, dois elementos fundamentais justificam a maior parte de nossas ações: a birra e a bajulação. Lá no fundo, ainda somos infantis. O nosso ego é como um criança que clama por atenção, reconhecimento, em tempo que se ressente e faz birra quando as coisas não saem do nosso jeito.
A política é um bom exemplo disso. É um campo cheio de enraivados, ressentidos, que se odeiam, mas que tentam racionalizar seus ódios e preconceitos de forma a tentar justificá-los. Mas sabemos que as coisas estão muito mais além dessas justificativas baratas. O motivo da raiva, inveja e ressentimento é , quase sempre, aquilo que toca na nossa autoestima, no nosso ego. Tudo que está para além disso provavelmente é apenas um plano de fundo para que tenhamos como justificar nossas barbaridades. Acredito que o ressentimento mova a política.
''Eu sofro, portanto, preciso culpar alguém por isso.''
O ressentimento é a terceirização do fracasso. É não verificar as causas da sua falha e já sair tentando achar um culpado. Após achar o suposto culpado, o ressentido segue para se vingar. Os exemplos estão aos montes: homens frustrados sexualmente que culpam as mulheres pelo seu fracasso, mulheres frustradas amorosamente que culpam os homens pelas suas decepções, minorias culturais que atacam maiorias, maiorias que atacam minorias culturais.
Em todo lugar existe ressentimento. O ressentimento pertence à espécie, não a raça, etnia, classe ou gênero.
O campo político é o melhor lugar para extravasar as emoções, o preconceito, o descontentamento, a inveja, a vingança. Mas não me engana quem acha que não sei que tudo se edifica através dos alicerces do ressentimento.
Ressentimento é a fuga da autocrítica, é a fuga do espelho de si mesmo e de sua parte no seu fracasso. A pessoa ressentida é aquela que procura um sujeito a ser culpado pela sua baixa autoestima. Todos nós temos o carrasco da nossa baixa autoestima, não é mesmo?
Qual é o seu?
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ANATOMIA DA ALMA
Non-Fiction''A vida é uma constante oscilação entre a ânsia de ter e o tédio de possuir.'' - Arthur Schopenhauer. Parece que estamos sempre frustrados, em alguma medida. Se a frustração não vem de não termos conseguido algo que queríamos, ela vem de termos...