Primeiramente, o caráter dominante parece ter uma característica peculiar: necessidade de imposição, domínio e agressividade. Por quê? Bom, penso que o indivíduo dominador percebe que seu objeto sexual ou algum subordinado qualquer não se comporta como o arquétipo ideal intrapsíquico de submissão desse agressor-dominador, o que faz com que esse não consiga se projetar perfeitamente e nem se identificar inconscientemente com o oprimido, para retirar prazer de seu masoquismo. Sim, dominadores são no fundo, também, masoquistas que querem experimentar o prazer da submissão sem ter de fazerem isso diretamente, por algum motivo. Se esse processo não for possível, isso dificulta a projeção e identificação, isto é, a singularidade do passivo traz estranhamento e insatisfação, o que causa a violência que, por sua vez, através da imposição e domínio sexual ou moral, gera uma tentativa de imposição de si, da singularidade do seu próprio eu nessa pessoa a ser subjugada. Isso é uma tentativa de aniquilar a diferença entre si e o outro, fazendo com que o outro seja a projeção perfeita do arquétipo feminino-passivo que habita inconsciente no indivíduo dominante e anseia pelo saciamento de sua libido.
Jean-Paul Sartre, filósofo francês, disse ''O inferno são os outros''. Isso corrobora o meu argumento que o outro, que obviamente não sou eu, me causa estranhamento e desconforto, por isso a necessidade do ser humano de impor e dominar, porque essa é a forma de transformar o outro em si mesmo, ao roubar sua singularidade, desfazer sua personalidade e subjugar sua assertividade. Pode ser uma forma de retomar a autoestima, pela sensação de poder. Desse modo, pessoas excessivamente dominadoras podem ser indivíduos frustrados, em busca de poder, a fim de conseguirem renovar sua autoestima defasada.
No caso do dominado-passivo, imagino que passividade e melancolia estejam intimamente ligadas. Acredito que a passividade seja resultante de uma certa pulsão de morte, isto é, uma inclinação à pensamentos um tanto depressivos. Ao meu ver, o passivo, inconscientemente tomado por pensamentos de culpa, insignificância e insuficiência, aceita que, em suas relações sociais e amorosas, as pessoas o punam. Há, portanto, aí, uma permissão para que o outro invada o seu espaço pessoal íntimo para fazer o que quiser de você, sem que você mova um dedo para impedi-lo. Tenho em mente que, como a defesa de nosso campo pessoal é um instinto de autopreservação, ou seja, a favor de nossa sobrevivência, então no caso de pessoa que não faz questão de defender a si mesma de outrem, há a predominância de um instinto melancólico da entrega de si à deriva, à morte. A aceitação da morte é sempre um fenômeno passivo, a atividade está sempre ligada ao impulso de vida, de luta.
Entenda-se, claro, a morte não no sentido literal; mas sim no sentido de desesperança, falta de vontade, perda de autoestima e perda de investimento de libido em si mesmo.
(Continua... )
VOCÊ ESTÁ LENDO
ANATOMIA DA ALMA
Non-Fiction''A vida é uma constante oscilação entre a ânsia de ter e o tédio de possuir.'' - Arthur Schopenhauer. Parece que estamos sempre frustrados, em alguma medida. Se a frustração não vem de não termos conseguido algo que queríamos, ela vem de termos...