#17

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Olho pela janela do carro e vejo a tempestade que cai do lado de fora, abaixo os fones e encosto minha cabeça no vidro gelado.

- Como está senhorita? - A voz de Alenor me desperta.

Então sinto minhas bochechas molhadas, estava chorando e nem ao menos percebi, seco as lágrimas e olho para frente.

- Alenor, você desistiria de estar com quem ama por uma briga? - Pergunto séria, batucando o lápis encima do caderno de composições.

- Eu desisti de muita coisa Licinha, tinha sonhos muito grandes e agora eu estou aqui, dirigindo um carro importado que nem é meu - Ele fala num tom de humor - Não que eu não goste de trabalhar para o seu pai, mas...

- Você desistiria de tudo de novo se pudesse voltar no tempo? - O interrompo.

- Não sei bem dizer, mas sabe uma coisa?

- O que? - Pergunto empolgada.

- Não desiste - Ele fala e vejo um sorriso surgir nos seus lábios.

Aceno em positivo, então ponho meus fones novamente. Começa a tocar Cazuza, abro um sorriso pequeno e me lembro de quando baixei as músicas dele para aprender a cantar para poder cantar para a Ana.

Seguimos por mais alguns minutos tranquilo de carro, até que eu finalmente descido.

- Alenor, troca a rota - Peço tirando os fones e fechando o caderno de composições.

- Não posso Alice, seu pai específicou que você deveria ir para a casa direto, no máximo algumas paradas para comer e ir ao banheiro - Ele responde.

- Ok - Respondo respirando fundo.

Coloco meu fone de volta, espero passar alguns minutos e falo para Alenor que estou apurada para ir ao banheiro. Assim que o carro para no posto de gasolina mais próximo, desço e caminho até o banheiro, assim que entro vejo uma mulher loira se maquiando no espelho, espero ela sair do banheiro e então pego meu celular, peço um Uber e espero ele chegar.

- Menina, você está bem? - Alenor bate na porta do banheiro.

- Tô, tô Alenor! - Grito lá de dentro - Vai comer alguma coisa, sei lá, eu vou demorar aqui, questões de quem tem útero - Falo fingindo estar irritada.

Escuto passos se distanciando e solto o ar que prendia nos pulmões, fico olhando no espelho e batucando o celular na mão, ansiosa. Depois de alguns minutos vejo o aviso do Uber, ele chegou!

"- Alenor, um imprevisto – Eu 14:20"
"- Preciso que vá na farmácia mais próxima, compre absorvente pra mim – Eu 14:21"

Mando os áudio na voz mais desesperada que consigo fazer.

"Absorvente da Natracare! – Eu 14:22"
"Só me aparece aqui se tiver com esse absorvente Alenor! – Eu 14:22"
"Tem que ser da Natracare! – Eu 14:22"
"Vai pra pqp mas me trás absorvente da Natracare!!! – Eu 14:23"

Logo aparece para mim que as mensagens foram visualizadas e os áudios escutados, Alenor me responde com um "Ok" e logo escuto um carro. Saio de fininho do banheiro e vejo o carro do meu pai voltando para a rodovia, pego meu celular e olho o modelo do carro que a Uber mandou, dou uma olhada em volta e o reconheço.

- Olá, boa tarde - Ele me cumprimenta assim que me vê entrando no carro.

- Boa tarde - Respondo apreensiva.

Fecho a porta do carro e antes de passar o sinto respiro fundo, escuto o ronco do motor e fecho meus olhos com força, quando volto abri-los já estamos na rodovia. Não tem mais volta, penso comigo.

Coloco o celular no modo avião – já prevendo as futuras ligações e mensagens –, coloco meus fones e uma música de ANAVITORIA para tocar. Passo a viagem inteira fazendo preces a Deus e todas as entidades existentes, para que eu consiga chegar antes de Ana sair para a viagem.

Quando o carro finalmente chega, pago o motorista e corro para a entrada do prédio, como o porteiro já me conhece ele não faz mais do que cumprimentar. Subo pela escadaria por conta da demora do elevador, assim que chego no andar de Ana, corro até o apartamento 72 e bato na porta três vezes seguidas, com algum intervalo de tempo dou mais três batidas e depois com outro intervalo mais três, agora chamando por seus nomes, primeiro Ana, depois Clarinha, dona Ângela e até o senhor Roberto que nunca está em casa.

Quando percebo que realmente não tem ninguém, frustrada me encosto na porta e abaixo a cabeça me culpando por não ter me despedido.

- Os Morais saíram a uns 20 minutos - Escuto a voz masculina conhecida e sinto a mão no meu ombro.

Olho para a frente e me deparo com o cara do outro dia no elevador, abro um sorriso sem graça e ele coça a nuca, também sorrindo sem graça.

- Bom... - Suspiro ao falar - Então acho que eu perdi tempo.

- Bom, não totalmente, se tu tiver sem nada pra fazer, tô indo na praça aqui perto com a minha irmã, ela vai gostar de companhia.

Penso um pouco antes de responder e então balanço a cabeça em concordância.

- Bem, quanto mais eu ficar longe de casa melhor - Comento e nós andamos em direção ao elevador.

- É parente, amiga dos Morais? - Ele pergunta assim que entramos no elevador.

- Sou amiga da Ana, conhece?

- Claro, ela partiu meu coração quando eu tinha 12 anos - Ele fala fazendo drama e eu rio.

- Acho que você não faz o tipo dela - Falo cruzando os braços e olhando para o espelho do elevador.

- Com certeza não - Ele fala rindo - Qual o seu nome?

- Alice e o seu?

- Bernado.

O elevador começa a se mover, conversamos mais um pouco sobre nós mesmos para nos conhecer-mos e então o elevador para e se abre, uma garota loira e alta – muito parecida com Bernado – entra, usando uma saia preta rodada por cima de um short branco e um top branco com detalhes em preto.

- Alice vai com a gente no parque - Bernado fala.

- Claro - Ela sorri de lado e estica a mão para mim - Beatrice.

- Nome bonito - Comento e seu sorriso se alarga.

- É o nome da minha bisavó - Ela fala erguendo o óculos de sol que usa - Vim passar uns dias com nenê, estudo no Canadá.

- Trice descidiu seguir a carreira de herdeira - Bernado fala em tom irônico e humorado.

Dou risada do que ele fala e olho para os números mudando no painel.

- Tem quantos anos? - Beatrice pergunta e consigo perceber finalmente um pouco de sutaque na sua voz.

- Dezesseis.

- Dezessete- Ela aponta para o irmão - E dezenove - Aponta para si mesma.

- Nossa, eu tava jurando que vocês eram gêmeos - Falo rindo e eles riem também.

- Todo mundo acha - A garota fala rindo - Já está de férias?

- Não, antes das férias é para irmos para um acampamento perto da praia.

- Que legal! Na minha universidade eles fazem uma festa, mas são muito chatas em comparação com as do Brasil - Ela fala dando de ombros - Tem maconha, que os alunos levam escondido, bebida que levam escondido também e sexo escondido... Mas não toca uma música boa - Ela conta com desânimo.

- É que seu gosto pra música não é bom, né - Bernado fala rindo da irmã.

Ela revira os olhos e o elevador se abre, saímos e fomos andando e conversando até a praça.

Nossa Última Noite (Romance Safico)Onde histórias criam vida. Descubra agora