#19

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Consegui me esconder por um tempo, mas assim que voltei para a casa do meu pai para passar o natal, logo vazou nos sites de fofoca que eu estava de volta e com um visual totalmente novo, até especulação de um novo estilo musical surgiu.

Conversando com minha agente e meu pai, aceitei fazer dois shows antes do ano novo, com a condição de que um deles tenha seus lucros todo revertidos a caridade e o valor do ingresso seja o mais acessível possível.

...

- A maquiadora chegou - Anuncia Rebecca.

A porta é aberta e uma mulher negra, alta com uma maleta adentra meu camarim.

- Boa tarde - Ela cumprimenta sorrindente.

Fico em silêncio e vou me sentar na cadeira de frente para o espelho, enquanto a mulher faz a maquiagem, tento não pensar em nada, mas a promessa de Ana me volta a cabeça e no fundo da minha alma acredito que ela aparecerá hoje, mesmo sabendo que não.

Assim que a mulher termina de fazer a maquiagem, vou vestir a roupa do show, uma calça jeans verde escura, um corset tomara-que-caia vermelho puxado para o laranjado e diversos acessórios em prata.

Antes de entrar no palco respiro fundo, ligo o microfone e espero o sinal.

- Vem, levanta/ Faz a minha vida andar/ E não gasta, tempo não vai esperar/ Dentro da minha alma tem segredos... - Entro cantando uma das minhas músicas mais famosas.

A platéia animada canta junto comigo.

...

Coloco o microfone no suporte e espero alguns segundos pela melodia, começo a cantar uma das músicas mais calmas que tenho. Mesmo inconcientemente procuro por um rosto conhecido na platéia, e quando penso que o vi a surpresa me toma e esqueço de cantar, volto meu olhar na direção aonde achei ter a visto e percebo que não passou-se de um engano, rapidamente improviso e volto a cantar, torço para que esse meu deslize não tenha sido algo perceptível.

Quando o show termina, saio do palco e vou para o camarim, repassando os milésimos de segundo que vi seu rosto na platéia. Assim que entro no camarim, me jogo no sofá e peço para que me tragam um remédio de dor de cabeça e uma garrafinha de água.

Depois de uns 10 minutos deitada, escuto uma voz feminina falar que os fãs estão vindo, me lembro do sorteio que foi feito para que três fãs ganhassem os ingressos e tivessem acesso ao meu camarim. Me sento no sofá e espero, logo a porta é aberta e me surpreendo ao vê-la ali, Ana Clara.

- Ain meu Deus - A outra menina fala empolgada ao entrar no camarim - Eu nem acredito!

Me levanto e vou até eles, Ana Clara corre e me abraça.

- Senti sua falta - Ela fala - Podemos conversar depois? - Ela pergunta baixinho.

Sussurro um "sim" e então o abraço é desfeito, abraço os outros dois fãs, uma garota morena de uns 14 anos e um garoto negro de uns 12 anos.

- Como é bom receber vocês aqui - Falo empolgada.

Não minto, adoro poder sentir o amor dos meus fãs de pertinho. Ficamos ali umas meia hora, tiro algumas fotos, gravo vídeos e autografo o tênis do garoto e a jaqueta jeans da garota. Depois disso os dois vão embora e só Clarinha fica no camarim.

- Vocês sumiram aconteceu alguma coisa? - Pergunto preocupada.

- Aconteceu - A menina fala tensa - A Ana tá com câncer no pulmão e foi internada, quando vi que teria um show seu quis muito vir e arranjei um jeito, lógico que minha mãe sabe que eu tô aqui, só não sabe que eu tô falando com você agora.

- O que? - Pergunto meio perdida.

- Bem, eu usei hack pra ganhar o sorteio - Ela abre um sorrisinho amarelo.

- Eu preciso ver a Ana! - Afirmo - Ela tá bem? - Pergunto preocupada.

- Não - Clarinha responde com um olhar tenso - Não tem cura, mas ela pode prolongar o tempo de vida se aceitar ficar no hospital. Eu não sei muito, eles não querem me contar as coisas, mas parece que ela vai voltar para a nossa nova casa amanhã.

- Nova casa... Pode me passar o endereço? - Peço e ela concorda.

Anoto o nome da rua e o endereço da casa.

- A Ana falou pra cortar contato com você, por que ela prefere que você a odeie por ter ido embora sem falar nada, do que fique triste por ela estar doente - A menina loirinha fala e da de ombros - Ela disse que quando você ama alguém, você escolhe a opção menos dolorosa para partir.

Sinto uma lágrima solitária escorrer pelo canto do olho direito, sou rápida em secala. Olho para a menina e tento não parecer tensa ou muito preocupada, parece que a criança em minha frente não tem tanta noção da gravidade e não quero preocupa-la.

- Eu já escutei a Ana chorando e quase todos os dias ela escuta alguns áudio teu, além de ficar horas escutando as suas músicas... - Sinto meu coração acelerar e meus olhos se encherem de lágrimas - Ela quase não pode falar - A menina morde o lábio inferior - Mas acho que ela te ama muito.

Após escutar isso não consigo mais falar, foco somente em segurar as lágrimas e não chorar na frente da menina, nos despedimos e ela saí do camarim. Me sento no mesmo sofá de antes e me deixo chorar ali, faço de tudo para não acreditar que ela pode morrer.

...

Não consegui o dormir a noite toda, reescutei seus áudios e todas as músicas do Cazuza, mandei mensagem para a Clarinha e ela me respondeu com o horário em que a irmã chegaria.

Estou dentro de um Uber, esperando para chegar em sua casa, fazem 10 minutos que entrei no carro, mas parece uma eternidade. Reescuto as músicas do Cazuza e verifico se realmente decorei as letras, quando estou cantarolando "Codinome Beija-Flor" sinto o carro parar e olho pela janela vendo uma casa simples sem reboco com o mesmo número passado pela criança.

- Chegamos - O homem do volante anuncia.

Aceno com a cabeça em concordância e saio do carro, ainda com um pouco de medo respiro fundo e me aproximo de vagar da casa. Bato palmas baixinho, quando vejo que ninguém veio me atender, me esforço em bate-las um pouco mais alto e então escuto uma voz feminina soar de dentro da casa.

- Ninguém tem nosso endereço daqui, será que é vendedor ambulante? - A pergunta é feita e minutos depois a porta é aberta por Ângela.

Congelo por alguns segundos ao ve-la e então engulo em seco.

- A Ana já chegou? - Pergunto com a voz presa na garganta.

Dona Ângela olha para trás de si e então volta a me olhar com tristeza e então acena em positivo.

- Como você ficou...? - Ela começa a pergunta, mas então a interrompo.

- Eu posso vê-la dona Ângela?

A mulher engole em seco e então se vira novamente para trás.

- Espere - Ela fala e fecha a porta.




Nossa Última Noite (Romance Safico)Onde histórias criam vida. Descubra agora