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Abro a porta levemente, antes de erguer meus olhos e olhar em sua direção, respiro fundo e prendo o ar nos pulmões, me preparando para ver seu rosto, esperando pela palidez, magreza e os equipamentos que usa para respirar agora.

Ergo meus olhos e a vejo deitada olhando para o teto com a cânula pendurada em seu rosto.

- Parabéns, você me achou - Ela fala e ri sem graça.

Me aproximo em silêncio e sento na beira da cama, perto de seus pés.

- Por que não me contou? - Pergunto olhando para seu rosto.

- Para não te deixar preocupada - Ela fala e abre um sorriso e então se senta de uma vez na cama - Ou, isso cansa - Ela fala pondo a mão no coração e respirando fundo - Não deveria ter me levantado rápido.

O cheiro de remédio e doença pairando pelo ar, sua palidez tímida e a magraza... Talvez mais intensas do que consegui imaginar.

- Tem cura? - Pergunto tensa, torcendo para que o que Ana Clara me disse ontem seja mentira.

- Tem - Ana responde e dou um sorriso aliviado, soltando o ar que prendia desde o início - Mas não vou fazer o tratamento.

Fico estática a olhando questionadora, como não iria fazer o tratamento? Ela não quer viver?

- Não quero ter que viver anos em um quarto de hospital sendo furada por agulhas, tomando remédios fortes que me deixam mal por horas ou até dias, respirando com ajuda de equipamentos e mal podendo sair para ver o mundo, e no final de todo esse sofrimento ter apenas 23% de chances de sobreviver...

- Você vai desistir? - Questiono sentindo meu coração acelerar.

- Não - Ela fala e então se estica até uma espécie de aparelho e configura alguma coisa, então tira a cânula e põe do seu lado no colchão - Eu só escolho viver ao invés de sobreviver.

Consigo a entender, puxo o ar de volta insatisfeita com a decisão, mas não a contrário, só ela pelo o que está passando.

Inesperadamente sinto meu rosto ser puxado e seus lábios macios tocarem os meus, fecho meus olhos e permito sentir sua boca, quero eternizar o beijo mas ele acaba muito antes do esperado. Ana rapidamente se afasta e põe novamente a cânula em seu nariz, sendo rápida em religar o equipamento que a ajuda respirar.

- Desculpa - Ela pede com a voz fraca, voltando a se deitar - Eu não deveria ter te beijado - Ela fala e então me aproximo.

- Para de falar - Peço.

Ficamos em silêncio por um longo tempo, que pareceu passar tão rápido, me deitei ao seu lado na pequena cama de solteiro e segurei a sua mão.

- Pra que mentir /Fingir que perdoou/ Tentar ficar amigos sem rancor/ A emoção acabou/ Que coincidência é o amor/ A nossa música nunca mais tocou - Começo a cantar e vejo um pequeno sorriso surgir em seus lábios.

Nossas mãos brincando entre si, pareciam dançar a letra de Cazuza que saia de meus lábios.

...

Voltei para a casa de meu pai, já era quase noite, amanhã será meu último show e preciso descansar.

Entro na grande mansão Munizar e não vejo ninguém, caminho até a cozinha e lá encontro a cozinheira e sua ajudante.

- Boa noite - Cumprimento e as duas me olham.

- Boa noite - Responde em uníssono.

- O que terá de janta? - Questiono já sentindo meu líquido estomacal se mover, procurando o que dissolver ali dentro do meu estômago.

- Arroz, feijão e frango a parmegiana - A mais jovem, vestida com o uniforme de ajudante me fala.

- Por favor, faz uma salada vegana com abacaxi pra mim e não põe pimentão que eu não gosto, não põe parmegiana - Peço - Vou jantar no quarto.

As duas mulheres concordam com a cabaça, me designo para o segundo andar e em seguida meu quarto. Assim que entro, tiro as roupas e vou para o banho.

Quando saio, já vejo a bandeja sobre a mesinha de cabeceira, nem me dou ao trabalho de vestir uma roupa, ainda de roupão me enfio por debaixo das cobertas, ligo a TV e pego a bandeja.

Assim que termino de jantar, me deito e tento dormir, mas depois de muito rolar na cama, levanto e desço para a cozinha no objetivo de tomar um chá. Quando desço já está tudo escuro, acendo as luzes e vou até os armários abrindo-os um a um a procura dos pacotinhos de chá. Assim que acho uma caixinha cheia de chá de camomila, encho uma caneca com água e esquento no microondas, coloco três pacotinhos para ficar forte e então bebo.

...

Enquanto espero a maquiagem ficar pronta para mais um show, ligo para Clara.

- Oi, como cê tá? - Ela pergunta animada do outro lado da linha.

- A minutos de entrar no palco - Falo tamborilando meus dedos no colo.

- Que legal! Como as coisas estão?

- Eu... Eu encontrei a Ana... - Falo e um silêncio se faz do outro lado da linha.

- Me desculpa Alice - Clara pede melancólica e isso me faz jogar a cabeça para trás.

Eu deveria saber... Desde o início eles sempre souberam, mas não posso culpa-los, eu sou só a garota novata do grupo, não tenho que me meter na vida de nem um deles.

- Ela vai desistir... - Falo e escuto um suspiro pesado do outro lado da linha - Vou fazer meu último show hoje, então vou ficar com ela o máximo que puder... Sabe, nunca daria certo...

- O que? - Clara pergunta.

- Um relacionamento com a Ana, mas eu gosto de pensar que poderia dar certo sim... Mas a vida real é muito diferente dos livros e filmes, aonde o casal supera tudo e fica junto - Falo e sinto meu coração errar as batidas.

Pensar é uma coisa, mas por os pensamentos em palavras parece tão mais realista. Fico estática, pensando sobre e quando volto a realidade Clara está perguntando algo que não prestei a minina atenção.

- ...ser na sexta? - Escuto o final de sua pergunta.

- Ahn? Desculpa, não entendi... - Falo voltando a realidade.

- Dia 12 vai ser em uma sexta, né? - Ela reformula a pergunta.

- Ah, acho que sim, por quê? - Questiono.

- Alice, tu não escutou nada que eu disse? - Ela pergunta irritada - Quero visitar a Ana.

- A sim, bem devo me trocar agora, tchau - Falo encerrando a ligação.

🌑🌒🌓🌔🌕🌖🌗🌘🌑🌒🌓🌔🌕

Essa história de amor está perto do fim...

Nossa Última Noite (Romance Safico)Onde histórias criam vida. Descubra agora