CAPÍTULO 2

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P.O.V. Narradora

Os dois jovens estavam em completo silêncio andando pelas ruas da cidade, os únicos sons que eram perceptíveis aos ouvidos eram os barulhos dos carros que passavam pela rua e o som metálico dos mosquetões pendurados na calça da garota se chocando enquanto ela andava, o que a deixou meio constrangida, mas decidiu fingir que apenas não estava ouvindo, ou que não se importava o suficiente mesmo que estivesse.
O silêncio somente foi quebrado após vários minutos e vários quarteirões, com uma pergunta do garoto de dreads:

- Olha, eu te conheço de vista, já te vi outras vezes no meu trabalho, mas tenho quase certeza que você estudava na escola aqui de Bakersfield, sua cara é bem familiar...

- Sim, eu estudei lá, também te conheço de lá... Estudávamos no mesmo turno. - respondeu a garota.

Como resposta, Jonathan apenas fez uma cara de desgosto combinada com um meio sorriso falso. Ele odiava aquela escola, odiava aquela cidade, odiava todos que estudaram com ele, odiava aqueles anos de tortura e humilhação social, a ideia de estar próximo a alguém daquela escola e que o conhecia naquela época desagradava-o.

- Felizmente os anos de ensino médio terminaram, agora finalmente posso ter férias contínuas... se chama desemprego. - ironizou Madison, tirando uma pequena risada do garoto que a acompanhava.

- Achei que você tinha trabalho, já te vi algumas vezes com o grupo de paramédicos e bombeiros, achei que trabalhava com algum deles, algo assim, sei lá... - indagou o jovem em um tom meio confuso.

- Não são atividades remuneradas, é tipo um trabalho voluntário na realidade... - respondeu ela - eu faço parte de um "esquadrão de busca e salvamento ", só entramos em cena quando acontece algum desastre natural, principalmente com pessoas desaparecidas, ou acidentes com muitas pessoas envolvidas. Porém é apenas um grupo com civis comuns, treinados por militares e bombeiros, servimos apenas para ajudar. Enfim, no momento não tenho nenhuma fonte de renda...

- E por que você não continua no mesmo trabalho, mas, sei lá, como bombeira? Tipo, ocupando uma posição "oficial".

- Ah, eu não sei se é isso que quero pra minha vida... Eu teria que ir estudar por alguns anos para ser socorrista ou bombeira, não é simples, e eu não tenho certeza se quero ir.

- Sei como é, lembra daquele programa que tinham na escola para inserir os alunos no mercado de trabalho? - Jonathan perguntou e a garota acenou positivamente com a cabeça - depois de me formar no ensino médio, para continuar trabalhando na ocupação de legista, precisei ir fazer um curso de dois anos... Óbvio que não é minha profissão dos sonhos, mas é algo que pareço me dar bem e, bom, com o passar dos anos me acostumei com isso. - contou o jovem, mas se sentindo meio incomodado imediatamente, não gostava de compartilhar informações sobre sua vida e vontades com pessoas por aí. Decidiu, então, mudar de assunto rapidamente - Mas então... O que rolou hoje para vocês serem acionados? Os socorristas mencionaram um acidente de carro, capotagem, algo do tipo, mas de qualquer maneira só iria saber o que aconteceu amanhã, quando formos fazer a autópsia do corpo.

- Bem, não foi só um carro... - respondeu Madison - Na realidade foi uma van e um carro. Hoje de manhã cedo a neblina estava bem espessa, você mora aqui há anos, sabe que nessa parte do ano é comum isso acontecer, o fenômeno é chamado de "deserto de névoa". O que aconteceu foi que a van estava com várias pessoas, dirigido em meio a névoa, o que não é nada aconselhável, a pista fica escorregadia e a visibilidade péssima, e, pelo que uma das vítimas relataram, em algum momento numa curva a van derrapou e quase capotou, vans perdem o equilíbrio bem mais facilmente que carros normais, fazendo o motorista perder o controle. A curva era muito fechada e o automóvel simplesmente foi reto, caindo de uma espécie de barranco, e o carro que estava logo atrás, aparentemente em alta velocidade, não viu as placas de curva por conta do nevoeiro, apenas seguiu o caminho que a van parecia seguir e, como a margem de contenção já havia sido rompida pela van, esse carro simplesmente vazou da pista, indo ladeira abaixo.

- Sei como é problemático esse nevoeiro que aparece nos fins de ano, quer dizer, recebemos várias vítimas de acidentes decorrentes disso... Acidentes de automóveis, ou de trabalho, causados pela baixa visibilidade e alto nível de umidade. - pontuou o rapaz, fazendo com que a garota ficasse uns segundos em silêncio, pensando sobre como era ter que lidar com tantas pessoas mortas, pessoas jovens, que morrem em um dia normal como qualquer outro por um motivo qualquer.

- Enfim, a coisa não foi bonita, a van tombou e foi barranco abaixo, escorregando por conta do solo seco, meio arenoso. E o carro, por estar em uma velocidade mais alta, foi parar consideravelmente distante de onde a van parou. Demoraram a chamar o resgate, ninguém tinha telefones e um motorista só foi perceber a barreira de contenção quebrada um tempo depois, voltando pra cá e acionando a polícia. As buscas começaram e nos chamaram, para achar o carro precisamos de um mutirão, a neblina não nos deixava ver áreas distantes, então tivemos que nos separar e andar até alguém se deparar com o carro.

- Nossa, dessa vez o acidente parece ter sido horrível. - respondeu Jonathan, torcendo o nariz ao imaginar a cena descrita pela garota.

- É, pois é... - disse a jovem, percebendo o passo do rapaz diminuir.

- Bom - ele disse, parando completamente - eu tenho que entrar nessa rua pra ir pra casa...

- Ah, tudo bem, eu vou seguir por aqui mesmo.

- Sua casa é muito longe?

- Não, mais ou menos... Só a alguns quarteirões daqui. - ela respondeu

- Até mais então - disse o garoto.

- Até.

Assim, Jonathan virou naquela rua e Madison seguiu seu caminho para casa, apertando o passo pois não gostava de andar sozinha à noite.

Ao chegar em casa, a garota tirou as botinas e entrou em casa, torcendo para que ninguém a parasse.

- Madison? - ouviu sua mãe chamá-la - Madison, é você na porta? Responda!

- Sim, mãe, sou eu.

- Então responda quando eu chamo, oras... E isso é hora de chegar em casa? Ainda mais nesse estado.

- Você sabe onde eu estava, mãe. Demorei mais porque a equipe de socorristas me pediram para acompanhá-los até o necrotério da cidade, o acidente foi feio e houveram mortes. - respondeu a garota, aceitando o silêncio da mãe como resposta, quer dizer que ela havia se dado por vencida.

A jovem subiu as escadas até seu quarto, pegou uma toalha e tratou de ir rapidamente para o banho. Além de suja, ela tinha muitas coisas para digerir sobre o dia, e um banho quente era a melhor forma de acalmar os pensamentos naquelas noites frias.

Ao sair do banheiro, foi para o quarto, colocou um pijama e se enfiou debaixo da coberta. Deveria comer, não fez mais do que uma refeição durante o dia, mas não estava com fome pois, por algum motivo, ainda se sentia nervosa. Pensou consigo mesma, perguntando-se o motivo para estar com tal sentimento pesando em sua mente e automaticamente lembrou do percurso até em casa. Merda... pensou Madison, não queria se sentir nervosa com coisas idiotas, mas sua hiperatividade sempre a traía, fazendo-a remoer os acontecimentos de novo e de novo. Ela tinha receio de ser chata, inconveniente, tinha receio de não ser levada a sério de verdade, tinha receio de ser ridícula, tinha receio de ser indesejável, mas para que ela queria ser desejada? Não sabia exatamente para quê queria ser desejada, mas parecia saber por quem. Automaticamente, sentiu suas bochechas esquentarem, ela não gostava daquilo, mas não podia evitar, novamente, pensar demais sobre. Não era como se tivesse sentimentos por alguém apenas vendo a pessoa de longe, mas não era a primeira vez que se pegava pensando em Jonathan, ele ocupava a mente da garota toda vez que ela o via em algum lugar. O garoto havia sumido por alguns anos, hoje ela finalmente soube que foi porque ele precisou ir estudar e fazer um curso, mas desde que ele havia reaparecido, com um visual completamente diferente, sua presença atraía o olhar de Madison. Ela gostava de seu cabelo comprido, gostava de seus piercings na sobrancelha, assim como gostava das bandas estampadas nas camisas de Jonathan, essa combinação fazia com que a jovem quisesse se aproximar, mas não sabia como, conhecer pessoas era sempre difícil, a sobrecarga de pensamentos e incertezas às vezes era demais. A verdade era que ela achava Jonathan interessante e consideravelmente atraente, mas tinha receio de que ele não a achasse tão interessante e atraente quanto. Essa sensação criava um sentimento horrível em sua mente, fazendo com que a garota levantasse da cama e fosse pra cozinha procurar algo para comer, tentando se desvencilhar daqueles pensamentos intrusos.

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