Baruc teve que esperar alguns Sóis até que pudesse falar com Guillén. Mas finalmente, naquela noite, os dois foram designados para vigiar juntos o portão do acampamento. Antes que Baruc dissesse qualquer coisa, Guillén falou:
– Eu lembro de você. Estávamos juntos no comboio, no dia em que viemos para os acampamentos.
O fato de o garoto ainda lembrar dele foi uma grande surpresa para Baruc. Após a surpresa passar, ele confirmou que sim, eles estavam juntos naquele fatídico dia.
– Achei que não se lembraria de mim – confessou Baruc.
– Seus olhos brilharam quando falei sobre o Monte das Musas. Impossível esquecer – disse Guillén, com um sorriso no rosto.
O comentário deixou Baruc sem graça, mas ele confirmou que ficou bastante intrigado com a história contada por Guillén e pediu para que ele a contasse novamente.
– Eu não sei se é verdade, não conheço alguém que tenha ido em busca do Monte e voltado. Mas, na minha vila e no meu acampamento, ouvi muitas histórias de garotos e garotas que seguiram para o Norte em busca das Musas.
– Para o Norte?
– Sim, depois da floresta de sequoias, descendo o desfiladeiro e seguindo pela planície ao longo do Rio Håkon. Dizem que, após percorrer esse caminho, há uma enorme montanha nevada. E, no topo dessa montanha, vivem as Musas.
Baruc pensou naquela conversa por muitos Sóis. Mal dormia à noite fantasiando sua partida. No entanto, como deixar tudo para trás sem sequer saber se aqueles lugares existiam? Ele também não conhecia alguém que tivesse ido além do acampamento. Aquele lugar, nas proximidades da floresta de sequoias, era o limite conhecido do Reino.
***
Mais uma noite chegou, e Baruc estava novamente com Guillén na guarda do portão. Dessa vez, eles não se falaram a maior parte do tempo, até que Baruc cortou o silêncio:
– Você acha que é real?
– Eu não sei – Guillén respondeu de prontidão – Mas sei que existe muita coisa depois dessa floresta que não conhecemos ainda. Por que não seria real?
Era tudo que Baruc precisava ouvir.
Ele disse a Guillén que iria em busca das Musas. Não aceitaria mais viver sem receber sua graça, e nenhuma outra pessoa deveria aceitar aquilo também. Ele precisava entender o porquê de muitos outros jovens terem sido privados dessa bênção. Precisava saber diretamente das Musas.
Guillén se ofereceu para ir junto, mas Baruc achou melhor ele ficar. Não queria que o amigo fosse punido por uma rebeldia proposta por ele.
– Então me dê um golpe. Eu finjo que desmaiei e nesse meio tempo você aproveitou para fugir. Mas vai rápido, o Sol já vai nascer.
Baruc hesitou, mas foi convencido pela insistência de Guillén.
Ele desembainhou a espada e, com seu cabo, desferiu-lhe um golpe – não forte o suficiente para que o amigo desmaiasse, mas o necessário para que deixasse uma marca em sua cabeça.
Guillén entregou para Baruc o pão que guardava para comer ao amanhecer e o cantil de água que eles sempre tinham na cintura. E, assim, após se desculpar pelo golpe e se despedir do amigo, Baruc correu em direção à floresta de sequoias e desapareceu entre as árvores.
***
Baruc seguia sua caminhada rumo ao Norte, sempre olhando para a copa das árvores, por onde podia ver o dia tornando azul claro, à medida que o Sol tomava conta do céu.
Até aquele momento, Baruc havia conhecido apenas dois lugares: a vila onde nasceu e o acampamento onde viveu os últimos quatro ciclos solares. Enquanto caminhava entre as gigantescas sequoias da floresta, tudo o que via era uma imensidão de troncos que parecia não ter fim. Mesmo assim, ele sentia que tinha um mundo inteiro inexplorado pela frente.
***
Baruc seguia sua caminhada. Quando olhava para a copa das árvores, via a coloração do céu mudando para um tom alaranjado. A noite se aproximava, e ele não fazia ideia do quanto ainda teria de percorrer até conseguir sair da floresta. A ideia de desistir e voltar ao acampamento chegou a passar pela cabeça de Baruc; mas, se Guillén estivesse certo, ele encontraria uma saída, bastava seguir rumo ao Norte.
E, como que em resposta a esse pensamento, ele viu a luz surgir logo à frente, entre o tronco das árvores, no mesmo momento em que uma voz o chamou:
– Ei, garoto!
Baruc se assustou ao ouvir aquela voz. Olhou em volta, mas não encontrou ninguém. Assustou-se quando uma mão tocou seu ombro. Imediatamente reagiu puxando sua espada e se colocando em posição de ataque.
– Calma, garoto!
Diante dele, estava um homem esguio, com vestes surradas e cabelo desgrenhado. Com as mãos no bolso, ele analisava Baruc com seus olhos enormes que se moviam rapidamente.
– Quem é você? O que quer?
Baruc indagou, mantendo a espada em punho.
– Eu é que pergunto o que o garoto tão jovem faz sozinho na floresta perto do anoitecer – dizendo isso, o homem olhou para a sacola amarrada ao cinto de Baruc – e o que leva aí?
– Pão para minha viagem.
– Há muita coisa para saciar a fome nesse mundo, mas é raro encontrar pão. Por que não deixa comigo?
– Porque é tudo que eu tenho para comer.
– Pois tenho certeza que você vai saber se virar.
Antes que Baruc pudesse reagir, o homem tirou a mão do bolso e soprou um tipo de pó em sua direção. O garoto sentiu os olhos queimarem e deixou a espada cair. Sem enxergar nada, ele mexeu as mãos tentando encontrar o homem, mas só foi capaz de sentir quando o ladrão puxou sua sacola e fugiu.
Baruc pegou um dos cantis na cintura e jogou toda a água em seu rosto; precisava limpar os olhos. Quando finalmente conseguiu enxergar um pouco a sua frente, ele procurou pela espada no chão, mas se deu conta de que ela também fora levada.
Baruc correu para fora da floresta, na direção que acredita ter sido tomada pelo ladrão. Mas o anoitecer e a visão ainda prejudicada fizeram com que ele não enxergasse com clareza para onde estava indo. Ao notar o perigo, já era tarde demais. Baruc caiu rolando pelo desfiladeiro. Bateu em algumas pedras e sentiu o corpo se ferindo durante a queda. Foram os segundos mais assustadores de sua vida; segundos que só foram encerrados quando, ainda rolando pelo desfiladeiro, ele passou por uma abertura no solo, em meio a uns arbustos, e caiu dentro de uma caverna escura.
***
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A Ordem das Musas
FantasyBaruc nasceu em meio à guerra que assolava o Reino. Por esse motivo, ele e muitos jovens foram privados de receber a graça das Musas. Em vez disso, precisaram se unir à Armada ou aos campos de trigo para suprir as necessidades de segurança e de alim...