11/07

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Música: Stella Was A Diver and She Was Always Down (Instrumental) — Interpol

Música: Stella Was A Diver and She Was Always Down (Instrumental) — Interpol

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11/07 - Ele

A verdade é que eu preferia estar em casa jogando videogame. Para os desavisados, talvez a ideia de comparecer a uma soirée fastuosa na cobertura de algum membro da Academia pareça irrecusável, uma oportunidade única de conhecer gente ilustre do meio artístico. Eu também pensava assim antes de, sabe como é, me ver quase que literalmente no centro da porra toda — uma carne fresca jogada num antro de leões famintos. A quantidade de pessoas que vêm até mim nessas festinhas é meio surreal. A maioria parece me enxergar como o novo bichinho de estimação da indústria, ingênuo e adorável, a ser cutucado e analisado à exaustão.

"Atuação meteórica", era o que declarava a crítica do filme independente que fiz no ano passado. Como um meteoro, fui catapultado da escuridão do anonimato para as luzes ofuscantes das cerimônias de premiação. Alguns veem isso como o início de uma carreira brilhante, outros como um destaque efêmero; eu estou apenas tentando não me autoconsumir no processo.

As minhas bochechas já estão doloridas de tantos sorrisos forçados que sustentei nesta noite. O senhor à minha frente — cabelos grisalhos, sotaque italiano, terno sob medida, olhos pequenos e austeros — parece finalmente se cansar da nossa conversa (ou seria monólogo?). Ele examina meu rosto uma última vez, como se buscasse respostas para um teste invisível.

— Bom, garoto, desejo-lhe boa sorte nos seus novos projetos — ele diz num tom condescendente.  — Ouvi dizer que você participará de mais um desses filmes indies, não é?

— Ah, sim, vai ser dirigido pelo Louis Geis...

— Vamos torcer para que seja tão ou mais bem-sucedido que o outro. Um feito certamente mais difícil, é claro. — Ele dá um gole no seu vinho. — Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, não é esse o ditado?

Ele abre um sorriso de lobo e se afasta de mim, pronto para caçar uma nova vítima.

Minha vontade é ir embora daqui, mas lembro o que Bruno recomendou ("fique por ao menos duas horas e depois você está livre, garoto"), então engulo o ímpeto e volto a observar os convidados ao meu redor. Não parece haver ninguém remotamente interessante ou minimamente gentil para conhecer aqui — as pessoas decentes nesta festa já são minhas velhas conhecidas. Não é à toa que deixei meu caderno de lembranças em casa; a assinatura de Joe foi a última até agora. E pelo visto continuará sendo a última por um bom, bom tempo.

De repente um vislumbre de olhos azuis e cabelos loiros.

Ah não.

Olhos azuis que me encontram e me reconhecem automaticamente.

Por favor, essa merda agora não.

Mas é tarde demais para fingir que não o vi.

Ele sai da multidão e para ao meu lado, apoiando-se em meu ombro num gesto artificialmente amigável.

i will escape death for youOnde histórias criam vida. Descubra agora