06/04

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Música: Buttermilk - Beau Diako

*Considere o que está escrito assim no texto como se as palavras estivessem riscadas :) *

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06/04- Ela

— Clarinha, como anda a história nova? — Joana pergunta, a voz tingida de expectativa. Pela sua expressão, já deve estar construindo uma lista mental de possíveis produtores e diretores para apresentar o meu roteiro.

Amanda para de comer os bagels, subitamente interessada, e algumas migalhas caem em sua blusa, mas ela não está nem aí. Aliás, se tem uma coisa que aprendi sobre os nova-iorquinos nesta semana é que eles simplesmente não estão nem aí. Estão ocupados demais cuidando da própria vida para se importarem com coisas minúsculas como migalhas de pão. Há sempre muito a fazer, algum lugar para ir, alguma tarefa a realizar.

— Que história nova? Que história nova? É sobre o...

— Não é sobre nada, porque não tem história nenhuma. — Arrisco uma mordida no bagel que Amanda escolheu para mim, o recheio de cream cheese e salmão defumado misturando-se à crosta de gergelim na minha boca. Tudo bem, todo aquele tempo espremida no metrô lotado para chegar ao East Village valeu a pena. Isto aqui está divino. Acho que esta será a primeira de muitas visitas ao Tommy's.

— Não entendi. Está pensando em revisar o último roteiro, então? Você me disse que iniciaria uma nova...

— E eu vou, Jo, mas não agora. Preciso terminar uns freelas antes.

Eis o que não contam sobre a vida de um roteirista anônimo em início de carreira: não pagamos as contas com roteiros. Aliás, eu diria que 95% da minha (escassa) renda vem das matérias que escrevo para revistas e jornais. Os árduos anos na faculdade de Jornalismo serviram para alguma coisa, no fim das contas.

— Que desculpa mais esfarrapada! Os freelas nunca te impediram de escrever nenhuma história, por que esse papo agora? Está sem ideias?

Ha. Essa é boa. Amanda, neste instante há pelos menos umas dez histórias paralelas morando no meu cérebro, brigando para ver quem ganha mais espaço e exigindo atenção exclusiva como criancinhas mimadas. É só dar uma olhada nas anotações do caderno que carrego para todos os lados. O problema não é falta de ideias, nunca é. O problema é que ando meio cansada. Estou cansada de dar meu sangue por essa carreira e nunca receber nada em troca... Não, estou cansada porque ainda não me acostumei com a diferença de fuso horário, só isso. Só preciso de mais alguns dias em estado vegetativo e estarei novinha em folha, pronta para voltar ao trabalho duro.

— Acho que ela está é sem uma boa noite de sono — Joana diz, os olhos fixos nas minhas olheiras arroxeadas. — Não, é, Clarinha? Mal voltou da Hungria e...

Minha agente desanda a falar sobre a minha semana atarefada e cansativa em outro país, cheia de reuniões com diversos produtores em diferentes cantos de Budapeste. Aproveito o monólogo para comer mais um pedaço do bagel sem ser interrompida.

i will escape death for youOnde histórias criam vida. Descubra agora