A vida é como um jogo diário de o quanto você consegue fugir da dor, da tristeza, do sofrimento, da desgraça, como se o mau tempo fosse o comum e os momentos satisfatórios, bons e de felicidade fossem os pontos fora da curva, o lucro, as suas vitórias, as vezes em que você passa a perna na vida e mostra quem está no controle.
A parte ruim de competir com a vida, é que ela não brinca de pegar leve, quando tudo está na mais plena paz, vem uma maré de acontecimentos turbulentos, um atropelando o outro e todos eles nos atropelando.
Foi exatamente assim nos últimos tempos. Estávamos bem, até que simplesmente recebemos a notícia sobre a dona Marcia. Havíamos a visitado no fim de semana anterior com os quatro meninos e tudo parecia bem na medida do possível com ela. Seu maior pecado na terra foi se prender ao desgraçado que chamava de marido, mas fora isso, tinha um coração enorme, era acolhedora, gentil, louca pela filha e ainda mais pelos netos.
Tive a responsabilidade de dar a notícia a Estela, já que recebi uma ligação com a informação de um contato que tenho na cidade. Foi uma das missões mais fodidas que a desgraçada da vida me encarregou, pois sei que minha Estela é uma mulher de amor puro e forte, e sempre foi assim em relação à mãe, sempre havia muito carinho quando o assunto era ela e ver seu olhar perdendo o brilho, sua boca perdendo as palavras e seu corpo perdendo as forças, enquanto ela se desmanchava em dor nos meus braços, foi sofrer dobrado.
Fomos para o velório e conversei com meus quatro filhos em particular, informando que era um momento difícil para todos, mas principalmente para a mãe deles, para a mulher que esteve com eles desde sempre para tudo e agora eles precisavam estar com ela, mais que nunca, ela precisava deles. Todos compreenderam e então fizemos a viagem. Durante o percurso, Estela já estava muito mal, mas quando chegou e viu a mãe sem vida, entendendo que aquele era o momento da despedida final, ela desabou de vez.
O desgraçado do século passado que se diz pai da minha mulher, separou homens em um cômodo e mulheres no outro, onde todos se revezavam para velar o corpo. Achei aquela porra um absurdo, mas como já era um momento delicado demais e não queria causar confusão no meio das pessoas, não interferi em nada. Estela e Selena estavam no outro cômodo junto com as mulheres e os três meninos e eu no cômodo mais a frente, próximo a saída. Fazia anos que eu não via o rosto infeliz daquele homem que, mesmo com o passar do tempo e a idade marcada na sua pele, seu olhar permanecia amargurado e odioso, bem como eu lembrava. Apesar da cor idêntica que ele tem aos olhos da minha mulher e do meu filho, em nada o olhar deles é parecido, apesar de ter que ouvir o contrário de estranhos que me abordaram sem terem conhecimento de nada.
Saí para respirar um pouco na calçada, porque o infeliz não parava de me encarar e eu tinha que me controlar bastante perante a situação, em respeito à minha mulher.
Mas ele respeita alguma porra? Com certeza não! Segundos depois fez questão de sair e ficar ao meu lado.
—Perca de tempo dos infernos! – bodejou ao meu lado.
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CONTO - CARLOS & ESTELA FERRARI
RomanceNOVA CONTA!⚠️ CONTO I da série FERRARI🤍 * O fruto deles já conhecemos, mas como as suas histórias se encontraram? A primeira geração de amor traz a realidade de Carlos e Estela, quando eram apenas dois jovens, ambos focados em seus sonhos, mas qu...