Uma semana se passou, então eu só tinha 16 meses e 3 semanas agora, não que eu contasse os dias desesperadamente a espera de um milagre, mas eu só queria saber quanto tempo até a paz definitiva. Anne Bell era uma jogadora de vôlei demasiadamente boa, estávamos na aula de educação física e eu tomava um remédio na veia nas arquibancadas da quadra fechada enquanto os observava. Não era minha escolha afinal, eu ainda teria de tomar um ou dois medicamentos intravenosos por semana, mas na minha casa ou na escola, mas não doíam, não, eles eram feitos para diminuírem as dores que não tão longe daqui se tornariam insuportáveis e um tanto quanto inconvenientes.
Câncer era uma palavra feia de se dizer, as únicas pessoas que sabiam a verdade eram as secretárias, professores e a diretora. Não estava disposta a contar para os alunos, nem mesmo que se tornassem amigos próximos, que era oque vinha acontecendo com Anica. Eu iria embora algum dia e não precisavam saber que era por essa desgraça de doença. Alguns alunos estranhavam as minhas ausências em quarenta por cento das aulas e vinham perguntar, mas eu sempre falava a mesma coisa. "eu só não posso fazer exercícios, tenho uma limitação respiratória", mas por algum motivo, nunca me deixavam em paz por inteiro.
— Milley! Desça! Venha jogar uma bolinha! — escuto Anica gritar nos degrais abaixo, mas ao ver o aparelho de medicamentos e a enfermeira lendo um livro ao lado, se preocupa e sobe até meu patamar. — Oque houve?!
— Não se preocupe, é só para ajudar o pulmão... — olho a mulher que ajudou na minha criação, queria uma ajuda e pelo bem da minha sanidade, ela entende.
— O medicamento serve para dilatar as veias do corpo, principalmente do aparelho respiratório, oque a ajuda a respirar melhor. Infelizmente devo alertar que antes, durante e depois da medicação, ela deve permanecer em extremo repouso. — a mentira sai fácil. Não era difícil mentir com uma profissional ao seu lado.
— Entendo... Dói? — ela se joga ao meu lado, contrário a enfermeira. — aceno em negação.
— Não, mas é bem gelado, tipo, é como passar gelo na pele, mas por dentro... Sabe? — a mesma ri da minha tentativa falha de explicar. — Ah! Não me fale que nunca tomou medicamento pela veia!
— Não, nunca! Minha saúde é de ferro! — quem me dera ser igual a você, Bell, quem me dera.
— Sortuda.
Não me julgue, era a única coisa que eu consegui dizer. Eu só queria poder ser igual a ela, saudável, rodeada de amigos, bonita e com uma longa estimativa de vida. Mas acho que do jeito que estou, tenho vantagem, pense em quantos infortúnios irei evitar, em quantas decepções eu irei desviar! Enquanto todos irão só ter de sofrer para conseguir sobreviver, posso aproveitar esse tempo que me resta e viver oque muitos não podem. Certo, então agora eu tinha um objetivo. Fazer o que muitos não podem, por medo.
A aula termina e o medicamento pouco depois, fazemos o curativo e saio dali, correndo para a sala de aula devido aos atrasos constantes. A dor explode no meu peito e paro alguns metros da porta, ela acabou de falar, eu não posso correr! Milley, você é muito idiota. A dor se solta em ondas e tenho que me apoiar na parede, tropeço e um gosto metálico surge na minha língua. Me esforço e vou até o banheiro feminino, olho-me no espelho brava. Você mereceu isso. Resmungo internamente antes de vomitar uma boa quantidade de sangue na pia, que antes branca, se torna vermelho vinho.
— Milley?! — escuto uma voz feminina, mais grave. De uma adulta. Olho pelo espelho e vejo a professora. — Eu vou chamar a ambulância!
— Não! — grito alto, mas ao ver a grosseria que meu tom de voz transpareceu, me ajeito. — Quero dizer, não precisa senhora William. — seu rosto meramente enrugado devido a idade se acalma. — Eu só vou tomar uma das minhas pílulas e vai tudo se resolver, eu só me esqueci...
— Tem certeza? Não quer ir para casa? — recuso e ajeito meu cabelo, limpando o rosto com a água corrente em seguida.
Me jogo na carteira e Anne nem se atreve a perguntar. A aula passava tão lenta que achava que nunca sairíamos daquele inferno, um inspetor entra na sala e seus olhos correm os adolescentes e param em mim. Ah, que divertido.
— Milley, uma ambulância está te esperando. — todos os olhos repousam sobre mim e um ódio fervente rodeia meu sangue. Sim, obviamente William contou, era o procedimento! Oque mais eu esperava?!
— Eu estou perfeitamente bem. — cruzo os braços em resistência.
— Então faça o favor de se levantar e usar suas pernas para o check-up. — sua voz soa entediada, estava bravo.
— Certamente usarei. — me levanto e ajeito meus materiais na mochila e os jogando nas costas e recusando a ajuda do homem.
Eu não iria ao hospital, nem paga. Ando de um jeito no qual minha postura se mantesse firme, mas após anos de exaustão, meus pais sabiam que eu não andava normalmente assim, muito menos os médicos que me tratam. As enfermeiras fazem uma consulta geral sobre mim, mas ao fim, eu estava bem, tirando as anomalias normais na respiração devido ao tumor. Meus pais chegam afobados, mas os tranquilizam, eu só precisaria de um pouco de oxigênio ao chegar em casa e minha dose de clonazepam. Entro no carro e minha mãe acaricia minha perna, paramos em um restaurante que eu gostava, era de frutos do mar, mesmo que com os remédios eu não pudesse come-los, era a única coisa que eu vinha quebrando a linha.
Estávamos sentados a mesa mastigando lentamente, sem falar nada. Eles temiam que eu morresse ainda hoje, e eu anciava minha morte prematura, éramos organismos com pensamentos e modos de agir diferentes, mas ainda eram meus pais e eu deveria quebrar esse silêncio que parecia ser mais incômodo que uma música ruim, alta.
— Oque realmente houve na escola? — meu pai se prontifica.
— Nada de mais, eu acabei por cuspir um pouco de sangue na pia, mas não doeu ou coisa do tipo, então a professora chamou o samu. — sussuro brincando com o camarão.
— Cuspiu sangue? — minha mãe fala com certo desdém. — Nós sabemos que você passou mal por ter vomitado uma grande quantia de sangue, mas se recuperou a tempo. Por quê não nos fala a verdade?
— Já está sendo suficientemente difícil para vocês dois, além dos gastos com remédios e oxigênio, os deixarei preocupados comigo, mais do que já estão. — minto.
— Sabemos que quer o melhor para nós antes de... Partir... Mas saber que foi embora sem poder ter falado conosco para ter impedido mais dor, seria pior, filha. — meu pai mede bem as palavras na proximidade da minha mãe. — Confie em nós, por favor.
— Tudo bem pai. Eu vou.
Diferente disso, o almoço passou-se bem, falamos de como era bom estar em uma escola e da minha mais nova amizade com Anne. Era intrigante a forma no qual eles não citavam a doença, como se quisessem esconder o fato de que eu morreria em meses, mas no fundo, nós três sabíamos que estávamos evitando falar sobre isso pela minha mãe, que não aguentaria perder um terceiro filho em um intervalo de 5 anos.
Já em casa, eu fazia os deveres da escola enquanto ao mesmo tempo, ouvia música. As melodias calmas ou agitadas alegravam meus dias ruins no hospital e me faziam ir para outro mundo, um mundo no qual não existia morte iminente, não existia câncer ou brigas, agulhas e bisturis. Só paz e mais nada. As vezes uma ideia maluca de que aquele lugar era o mundo após a morte passava na minha mente, mas eu não estava longe de descobrir, não mesmo, mas eu realmente esperava que fosse, pois esse mundo da música é o melhor lugar que já estive. O som para de repente e gemo alto em frustração.
Abro meu celular e vejo uma mensagem de Anica, me chamando para um "rolê" em sua casa, onde estariam algumas pessoas da escola e nada mais do que isso. Meu pais iam deixar com certeza, queriam que eu me divertisse antes e apesar de tudo. Mas era realmente seguro? Aquela tarde com uma garoa tênue realmente não dava um bom clima de festa, e provavelmente quem iria lá não iriam ser só pessoas da escola, obviamente iria gente a mais, mas eu não ia questionar minha única figura amigável na sala em um todo. Eu deveria realmente ir? Ou eu deveria só ficar em casa e cumprir meus deveres?
— Filha! Venha cá! — minha mãe corta meus pensamentos. Ainda eram quatro horas da tarde, e a festinha começaria às 9:30. Mais um motivo para desconfiar.
— Sim, senhora! — marco a página em qual parei os estudos e desço vagarosamente até o piso inferior. — Tudo bem aí?
— O oxigênio, precisa dilatar as veias, lembra-se? — concordo. Não queria usá-lo, mas não tinha motivos para discordar dela. Se eu quisesse ir a festa ou qualquer outra coisa, ela teria de estar em um bom humor, ou no mínimo, sem vontade de brigar.
— Mãe... A Anica... Anne Bell, me convidou para um festa... — Quase não consigo completar a sequência.
— Não. Definitivamente não. — meu pai interrompe sentado na sala, de onde nem o tinha visto. — Primeiro é uma festa de ensino médio, depois uma erva e você se torna uma drogada! Ou pior, aparece grávida! Ou então, vira lésbica! — bufo de raiva.
— Minha vida já está arruinada, por quê acha que eu arrumaria mais ainda? — ele se levanta, pronto para um discussão. — É só uma festinha, pai.
— Não me dê o desgosto de aparecer grávida ou namorando uma mulher por aqui, não vamos conseguir cuidar de uma criança sozinhos e já me basta a perda de 2 filhos. — ele me puxa pela blusa.
— Eu só quero conhecer mais gente! — rosno e me separo de seu contato, meu coração palpitava enraivecidamente forte, e minha mãe percebe meu tórax subindo e descendo violentamente.
— Basta! — seu grito ecoa na casa e ambos os dois olhamos a ela. — Milley irá a festa, as consequências ela sofrerá em seu devido tempo, e pense bem, Maddison, ela tem câncer até nos ovários, acha mesmo que ela conseguiria engravidar ou nutrir um feto? Poupe-a disso. Filha, vá se ajeitar, que horas começa? Que horas estará em casa?
— Saio as nove e meia, mas sendo sincera, isso deve ir até o amanhecer. — meu pai dá uma risadinha com certo desdém em seu tom de voz, e minha mãe o encara com raiva.
— Volte no horário que achar suficiente para descansar e ir para a escola amanhã. Eu me resolvo com seu pai. — a última parte é sussurada e subo para o quarto.Aviso Bell para me buscar assim que desse o horário, a mesma comemora e rio. Tomo meu banho e coloco um shorts preto, não muito curto, obviamente, não fazia meu estilo e gosto para roupas. Uma blusa branca de mangas compridas e gola alta com uma preta de mangas curtas a sobrepondo, brincos com cruz e os anéis, claro, o charme. Uma bota negra reluzente e de cano alto se mostrava no meu pé, meu cabelo azul curto estava hidratado, então decido deixá-lo da mesma forma. Uma meia calça do estilo arrastão deixava minhas pernas mais cobertas, mesmo que um pouco, caso fizesse frio na madrugada que se seguiria. Após decidir minhas roupas desço e não acho meu pai ou minha mãe em canto algum, deveriam ter saído para abaixar os nervos, oque era normal.
O relógio mostrava que eram nove e doze da noite, logo Anica estaria por aqui e iríamos para aquela festa que ao mesmo tempo me assustava e por outro, me animava de forma demasiadamente grande, pense por minha visão, minha primeira festa! Olho me no espelho novamente e nervosa mando uma mensagem para a jovem, que responde de prontidão. "estou do lado de fora, boba!". A buzina assusta até o último pingo de coragem que eu tinha para os próximos meses e saio, trancando a casa e seguindo para o carro que ela mesma tinha, recém ganho, aliás.
Apesar de Anne ser de uma classe bem favorável e desfavorável ao mesmo tempo, afinal de contas, seu pai era o dono do morro ao lado, ela não se gabava do dinheiro que tinha, ela até tentava esconder. Talvez não devesse chamar atenção para a polícia... E como eu sabia disso? Eu já a vi com ele diversas vezes, e já trocaram brincadeiras, se chamando de pai e filha, e não, não era no sentido sexual como deve estar se questionando. Nada de "daddy" e "babygirl" por aqui, entretanto, nunca terei a coragem de assumir que sei a origem de seu dinheiro.
— Seus pais deixaram? Eles não parecem estar em casa. — concordo e coloco o cinto.
— Quando brigamos, eles saem para não terem que se arrepender muito depois. Normal. — ela parecia curiosa para perguntar o por quê da briga, mas se conteve a apenas dedilhar o volante e suspirar.
Anne não era de se manter em silêncio, mas o fez o trajeto todo, o único som tocando era Nirvana, que por algum caso de curiosidade, sim, era minha banda favorita. Abro a janela e retiro o cinto, a mesma sem mesmo se preocupar, apenas acelera um pouco, extendo metade do corpo para fora e sento na janela. Ao finalmente perceber oque acontecia, Anica ri, pisando fundo no acelerador. Em 15 minutos, estávamos em frente a uma mansão, chego a pensar que era outra casa, mas não, era realmente aquela obra de arte.
Sua fachada era composta por mármore ou material parecido na cor branca, flores avermelhadas e led verde que realçava a cor das folhas e da grama, pinheiros cobriam parcialmente a vista das grandes janelas dos quartos e sala de estar, onde uma boa quantia de gente já relaxava nos sofás de couro. Vejo seu pai subindo as escadas e estremeço, não tinha nada contra ele, mas dele, eu tinha medo. O cara era literalmente o líder de uma grande comunidade. Observo as pessoas dali e ninguém me parecia confiável, mas oque eu poderia fazer? Após pisar o pé no interior da casa, Anne me entrega um copo com uma bebida de cheiro forte e tentador.
Coloco de lado e a acompanho, mas a mesma vai logo conversar com outro grupo de amigos. Suspiro e me jogo em um sofá, talvez eu devesse ter ficado em casa. Meus olhos treinados por anos no hospital localizam a mesma garota morena que passei na frente na fila da diretoria há apenas alguns poucos dias na minha frente por alguns metros, parecia divagar em seus pensamentos, mas sabia que se concentrava em algo mesmo disfarçadamente. Garotas.
Não demora muito com que eu a veja correndo os olhos por algumas mulheres aqui e ali, e depois bebericando sua bebida em um copo simples e vermelho, tentando não deixar óbvio seu interesse, seu comportamento teria passado despercebido por adolescentes levemente alcoolizados, mas eu sabia quando os palitinhos estavam desalinhados, como uma vez citou minha mãe. Cruzo as pernas de um jeito mais masculinizado, como era de hábito comum e passo a observar mais desses comportamentos característicos das pessoas ali presentes.
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Feelings - Feel Something (2021)
Romance"A maioria de nós nasce em hospitais, mas eu cresci em um, e aprendi a lidar com isso." Milley sempre esteve doente de forma fatal, e quando confirmaram seu fim, ela realmente não ligou, já sabia de seu destino há tempos, então iria aproveitar seus...