Uma mão me agarra mas tenho a audácia de puxar de volta. Luzes vermelhas piscavam pela escola, alguns lixos voavam pelo ar e parecia que meus pensamentos iam junto. Não consigo mover um músculo sozinha, então a pessoa me puxa e fecha a porta atrás de nós, só então percebo que era um grupo de pessoas. Olley, a famigerada June, Izy, Anne, e aquele irmão alto de Brown, Jayne. O garoto fala algo bravo, gritando comigo, mas só sinto minha testa franzir, eu realmente não conseguia escutar oque dizia, mas estava com raiva, muita raiva, e era comigo. As irmãs observam ele gritar comigo e nem mesmo June tem a coragem de me defender, talvez o que ele estava falando estivesse certo, eu não faço ideia. Anne é a primeira a dar um soco em seu ombro, ela percebe que não estou bem mesmo quando tento esconder, imagine agora que nem tenho forças para o fazer, olho minhas mãos e um tímido som invade minhas orelhas. As sirenes. Sim, a tempestade! Tínhamos que sair dali! Abro a boca para falar algo e todos esperam minha voz sair, mas oque saí é apenas algumas gotas de sangue e uma tosse abafada pela falta dos meus sentidos. Então August é a mais rápida, me agarrando e me examinando, ela percebe todo o sangue e seus olhos se arregalam, o chão estava vermelho puro. Então finalmente minha visão começa a falhar, deixo que meu corpo tropece para trás, mas alguém me segura. Um adulto. O cansaço mental começa a me abraçar devagar, agarrando os pensamentos mais inúteis até os de percepção, em segundos, eu não sabia mais quem eu era ou onde eu estava. Só sabia que queria fechar os olhos e dormir, talvez para sempre, talvez por algumas horas. Mas isso estava fora de cogitação.
Escuto sirenes altas, e pessoas andando. O choque de sentidos me dá uma pequena dor, mas nada preocupante, o reflexo que tenho é de sentar e examinar onde eu estava. As luzes ainda piscavam as vezes e tinha alunos por todo o corredor, sentados ou deitados no chão, muitos conversavam e mexiam em seu celulares, eles realmente não ligavam. Vejo que estou no chão sobre um manto branco parcialmente vermelho de sangue, passo a mão na cabeça e suspiro, não foi dessa vez. Ainda não. June estava adormecida de um lado e Anne conversava com um homem calvo de jaleco branco, não sabia onde Izy, Olley ou Jayne estavam, nem tinha tempo para pensar nisso, o homem corre até mim e ajoelha na minha frente.
- Está tudo bem? Está com dores? Sabe seu nome? - ele diz tão rápido que a tontura chega a voltar.
- Acho que... Acho que estou bem. E meu nome é Milley, Milley Hall. - resmungo. - Oque ocorreu? - ele suspira.
- Seu pulmão falhou por alguns instantes, e então você desmaiou. Tivemos que fazer uma reanimação cardiorrespiratória já que seu coração teve um espasmo, mas você está bem, pelo que conseguimos ver, nenhuma parte do seu cérebro se feriu, e todos seus órgãos parecem bem. Tem algum problema respiratório crônico? - concordo. - Isso explica tudo, vou ver sua ficha escolar. Fique aqui.
- Como se eu pudesse sair. - sussuro e arranco um risinho de Bell - O tornado, oque aconteceu?
- Ele está rondando a cidade, não atingiu nenhuma estrutura ainda e parece que não irá também, mas os ventos estão fortes demais. Ele deve perder a força ou ir embora nessa madrugada. - concordo e me viro na maca colada ao chão, rapidamente improvisada, deito e observo June no mais profundo sono. - Você esteve dormindo um dia inteiro.
- Estamos aqui a um dia inteiro?! - falo um pouco mais alto e algumas pessoas nos olham.
- Sim. Vinte e seis horas, sendo mais exata, mas a bola de vento vai ficar aqui mais um dia, ou quase isso. Está de noite, durma mais um pouco... Por favor. - discordo e balanço meu cabelo.
- Posso desabafar com você, Bell? - resmungo e ela imediatamente deita ao meu lado, virada para mim, me ajeito e suspiro. - Eu estou confusa. Uma pessoa me pediu em namoro, e eu não sei se gosto dela.
- June? - discordo. Ela não precisava saber quem era.
- E eu acho que isso que deu no meu pulmão foi por conta de que ele acelerou demais, eu tive uma crise de pânico, eu acho, foi por conta de eu não ter dito sim ou não logo de cara. Mas eu não aceitei por quê você viu o que aconteceu, minha saúde é péssima, e não sei se estou pronta para isso... Não ainda. Mas eu posso morrer antes de eu saber se estou pronta, e isso me deixa tão desconfortável... E se eu nunca chegar a saber oque eu sinto de verdade?! E se antes de qualquer coisa, eu ter mais uma falha no pulmão e morrer de vez?!
- Se você se sente assim, por quê não aceita? Talvez isso te faça melhor, se não gostar, pode simplesmente dizer isso, você não deve satisfação a essa pessoa. Você não deve satisfação a absolutamente ninguém se tem relação a suas próprias escolhas. - suspiro e ela acaricia meu cabelo vagarosamente.
- Eu não consigo, Anne... Eu não quero magoar essa pessoa. Talvez morrer seja melhor do que magoar alguém. - sinto as lágrimas no fundo, mas elas não vem. Eu já tinha chorado demais hoje.
- Se não for incômodo, posso perguntar como é morrer pra você? - a encaro e dou de ombros.
- Já estive no vão entre o finito e o infinito mais de duas vezes. - ela franze a testa - O vão entre a vida e a morte. Por incrível que pareça, ele é carinhoso, ele parece uma mãe embalando seu bebê no sono... Ele primeiro tira o tato, o paladar, a audição, olfato e por último visão. Seus pensamentos são a única coisa que sobra, mesmo sendo gentil de tirar tudo que possa causar dor, ele quer que você perceba que está morrendo, e depois de tirar até sua capacidade de pensar, você fica com sono. Um sono que não consegue controlar, e então você fica em paz. Você fecha os olhos e tira um cochilo. Ou você morreu, ou vai acordar horas depois, não dá para saber, mas é uma paz que nada no mundo consegue te dar, você só sabe que é, você não sabe o porquê, o quando, o como e onde, mas sabe que está ali para te ajudar.
- Não dói?
- Por alguns instantes. Depois você não precisava sentir dor, a vida já é dolorosa o suficiente. - ficamos em silêncio nos encarando, Bell suspira e me abraça, me enfio entre seus braços e sinto aquela paz, mas não é tão arrasadora quanto a do vão. É uma paz mortal, e não é ruim.
Fecho os olhos e adormeço. Somente para acordar depois com uma conversa alta demais do outro lado do corredor. Resmungo e me enfio mais em Anica que dormia como uma criança, abro os olhos e vejo June acordada, desenhando no chão com um giz preto, ao me sentir mexer, olha para a maca, mas meus olhos estavam escondidos. A vejo suspirar e morder o lábio com certa raiva, ela não gostava de me ver abraçada e deitada ao lado de Anne, Brown tinha ciúmes de alguém que nem estava ao lado dela. Só de pensar que ficava brava de me ver ao lado de outras garotas quase solto uma risadinha e tenho de me enfiar ainda mais em Anne. Ela deveria saber que era a única que eu tinha a coragem de beijar ou de fazer oque fosse, mas ao mesmo tempo queria que não soubesse, eu não podia aceitar seu pedido de namoro de jeito nenhum, ela não podia saber que eu estava na palma de sua mão. Isso nos machucaria. Desisto de ficar enfiada no corpo de Anica, então me sento e me espreguiço, estralo os pulsos e ela me olha, seu rosto queria expressar um sorriso, mas ela não, então se mantém séria e volta a mexer em seu projeto de artes no chão.
- Está tudo bem? - ela sussura.
- Acho que está. E você? Parece meio dispersa. - tento cutucar seu ponto fraco, e ela morde a isca perfeitamente.
- Você gosta dela? - ela resmunga tão baixo que tenho de me esforçar para ouvir - Você gosta da Anne? - sua voz se eleva mais do que o normal e algumas pessoas ao nosso redor nos olham, coro fortemente e ela percebe a besteira que fez - perdão... Não era minha intenção! É sério... - algumas garotas riem do outro lado do corredor e me viro a tempo de as verem apontando para mim. Levanto cambalente e tiro os fios de oxigênio do rosto, derrubando a mala e causando um estrondo tão alto que o único som se torna o do vento ao lado de fora, já que todos se calam com meu ato e não voltam a fazer suas atividades de antes.
- Ainda não sei como espera que eu diga sim. Você age como uma criança, June. - o golpe a atinge fortemente e ela cora de raiva, mas era uma raiva interna dela mesma - Você sabe muito bem que é a única pessoa que tenho a porra da coragem de ficar com. Você sabe o que os outros fariam, e faz ao contrário. Achei que fosse diferente deles. - aponto para as garotas - Mas a cada momento você está se mostrando ao contrário disso. - sussuro ainda mais baixo durante a última parte, e por sorte ela não escuta. Me apoio na parede por falta do oxigênio e vou até o banheiro, ninguém podia sair do corredor sem permissão, mas eu realmente não ligava mais.
Antes mesmo de eu abrir a porta de alguma cabine, Brown me agarra e me prende contra a parede, ela põe os tubos de oxigênio em mim e suspira, seus olhos estavam vermelhos mas ela se recusava a derramar as lágrimas. Suas mãos não eram mais tão gentis, agarravam meus antebraços com uma força que deixava marcas na minha pele desidratada, resmungo um suspiro de dor e ela se afasta.
- Você precisa usar isso... Eu sei que precisa. - rosno e tiro o tubos.
- Eu não quero usar. - ela me olha já mais calma, as lágrimas ameaçavam cair, mas não sem um cutucão antes. Não sem uma isca - Eu prefiro morrer a usar isto.
- Então por quê não morreu hoje mais cedo, Milley Hall? - Sua voz me fere, o tom de desdém é ainda pior, mas ainda assim a pior dor vem de ela não usar meu apelido tosco, ou ainda usar meu nome inteiro. Ela se cala de imediato e seus joelhos quase cedem, diferente dos meus, que instantes após me traem, me fazendo cair no chão de bater as pernas contra o piso frio. Brown tenta me agarrar, mas empurro sua mão de mim, antes eu faria de tudo para sentir seu calor acolhedor, e agora ele parecia tão quente que poderia me derreter. É o preço que paguei por montar iscas para ela morder, nunca pode se brincar com fogo - Perdão! Milley, desculpa! Por favor, eu não estou totalmente dentro de mim mesma. Por favor... - suas lágrimas finalmente caem e ela cai junto, na minha frente, me abraçando com força. Não recuso, não tinha forças para recusar.
- Se você não tivesse lembrado que eu estava do lado de fora, eu teria morrido. - seu abraço se firma mais contra mim - É sua culpa. Eu estaria morta agora se não fosse por você. - ela soluça.
- Eu nunca esqueceria de você, idiota! Eu não esqueceria de você... Eu não quero que morra... Não me acuse de algo assim... - ela segura meus ombros quando se afasta um pouco, limpando o rosto com o antebraço.
- Desculpa. Nenhuma de nós está realmente dentro de si, não é? - sussuro sem a encarar - Eu realmente espero que o que disse foi impulso, e está tudo bem... Mas eu vou realmente precisar pensar sobre a minha resposta... - ela concorda levemente, nos encaramos e a proximidade diminui em segundos, invertemos os lugares e acabo por ficar em seu colo, o vento batia forte na única janela que tinha e quando um raio cai, é quando nossos lábios estão finalmente colados.
Sinto seu calor se tornar mais tolerável, e seus lábios, não estão tão amigáveis. Mordendo meu lábio inferior e beijando incrivelmente bem, como já é de costume. Suas mãos ágeis retiram minha blusa antes mesmo que eu perceba, e logo as sinto brincando com o fecho do meu sutiã preto, sussuro um palavrão e quase a permito abrir, mas um pingo de consciência me segura. A dou um selinho e descanso a cabeça em seu ombro, ela entende bem o recado e desce a mão pelas minhas costas, fazendo um carinho em círculos na região, a chuva aumenta e suspiro, seu pescoço tinha uma marca de chupão que certamente não era minha, mas não ligo. Eu não tinha ciúmes como ela, June não me namorava e se ela transava ou beijava outras pessoas, não era meu problema, com certeza não. Passo a mão na marca, e suspiro, fazendo uma mais visível ao lado, ela geme baixinho e ri.
- Depois você reclama do meu ciúmes... - rio baixinho.
- Não reclamei. E isso não é ciúmes, é um aviso. - a mesma morde o lábio para evitar uma gargalhada, mas eu rio deliberadamente - E acho fofo você ter admitido estar com ciúmes. - ela dá de ombros e deita sua cabeça na minha.
- Não consigo evitar. - passo a mão sobre seu braço e seguro em seus dedos, os colocando por baixo do meu sutiã e os deixando ali - Milly...? - seu sussuro soa mais baixo que o habitual devido a rajada de vento que atinge o cômodo.
- Só quero que saiba que é a única que pode fazer isso. A primeira e provavelmente a última a fazer também, não tem motivos para ciúmes, não comigo, Brown. - ela retira meu sutiã por completo e vejo seu rosto tomar uma cor avermelhada fora do habitual, não era vergonha muito menos raiva. Era excitação. Contenho o sorriso e a beijo, controlando minha quase inexistente vergonha, eu simplesmente não conseguia ficar brava com ela.Acaricio seu busto e suspiro quando sua mão desabotoa meu jeans, e vocifero um leve palavrão. Não era isso que eu deveria fazer, não hoje, não agora, não aqui, não dessa forma, afasto sua mão e ela respira fundo antes de me encarar, seus olhos estavam calmos, mas sérios, ela estava concentrada, pronta para explorar os pontos que nem mesmo eu tinha explorado até então.
- Não aqui, June. Estamos no meio de uma tempestade mortal e eu quase não passei de um cadáver a poucas horas atrás, não mais que um dia. - beijo seu pescoço - E de preferência, não no chão de um banheiro. - pego meu sutiã e começo a vesti-lo, ajeitando-o da mesma forma como estava antes, parecia imaculado.
- Domingo. - ela diz baixo, porém firme - Domingo você está livre, Hall? - busco na memória por quaisquer compromissos que eu pudesse ter, mas não me recordo de nenhum, então apenas afirmo com a cabeça - Quer ir até minha casa? - gelo um pouco com a ideia, mas que mal tinha? Além de seus sete irmãos e irmãs e mais dois adultos?
- Se a minha mãe deixar, sim.
- Segunda-feira é feriado. Você poderia dormir lá, não podia? - dou de ombros, lhe dando a incerteza de que tudo dependia dos meus pais.
Ajeito meu jeans e segundos depois Anne entra no banheiro, acendendo a luz. Nos encaramos por alguns segundos e seu sorriso se torna em uma risada, salto do colo de June e visto minha blusa, meu rosto queimava fortemente, Brown fingia que não estava envergonhada, então sai em passos rápidos dali.
- Sério? No banheiro?
- Para, não fizemos nada demais. - vocifero baixo.
- Você sabe que sexo incluí todos os tipos de penetração, não é? E que sexo oral também é uma coisa... - chuto sua canela e me examino no espelho - Caralho, vadia!
- Eu sei oque é sexo, Bell. Mas obrigada por me explicar, se quiser me dar uma aula prática, seria de grande ajuda, sabia?! - rosno e ela ri, vindo por trás e bagunçando meu cabelo - sai, imunda! - rimos e nos observamos juntas, ela era a mais alta, não tanto quando June era, mas certamente eu não passava de uma criança de treze anos ao seu lado. Suas mãos sedosas brincam com meu cabelo e o ajeitam de forma mais masculina, ela solta um suspiro e permaneço quieta.
- Eu posso desabafar com você? - a olho pelo reflexo e dou um pequeno aceno com a cabeça - Eu acho que fodi minha vida, Milly.
- Por quê? Perdeu mais uma aposta de namoro? - arranco um riso fraco dela, que não dura muito.
- Ah, quem me dera se fosse tão simples assim... - suas mãos bricam no meu cabelo mais uma vez - Você é a primeira a saber, talvez já soubesse antes, mas eu gosto do Pietro, aliás, já estou falando com ele sobre aquela atitude mais cedo, e o mesmo prometeu que não vai se repetir, okay? - concordo.
- Tudo bem, só tome cuidado com ele. - ela não concorda, apenas retira o olhar do reflexo e se vira para mim - Oque? - ela se mantém em silêncio - Anne, o que aconteceu? - a mesma pega seu celular e abre um aplicativo, faz algumas coisas e me entrega.Sinto meu coração parar de bater por alguns segundos e a encaro firmemente.
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Feelings - Feel Something (2021)
Romance"A maioria de nós nasce em hospitais, mas eu cresci em um, e aprendi a lidar com isso." Milley sempre esteve doente de forma fatal, e quando confirmaram seu fim, ela realmente não ligou, já sabia de seu destino há tempos, então iria aproveitar seus...