Olley e June

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Três semanas
Tempo restante: 16 meses

  Anica estava um saco! Todo dia tentava me fazer mais próxima da June Brown, mas o que ela não entendia era que eu não queria... Não exatamente, na bem da verdade, eu estava com vergonha, pelo oque eu sabia, beijo é beijo, não muda nada. Por mim, nós virariamos amigas sim, mas e se para ela foi apenas um beijo e nada mais? Mas mesmo assim, Anne jurava de pé junto de que daria certo, mas eu não acreditava nela. A sala estava estranhamente silenciosa enquanto transcreviamos da lousa, o silêncio me reconfortava de certa forma, mas ainda sim, me deixava como um peixe fora d'água.
   — Pss. — escuto atrás de mim.
   — Hum? — me viro calmamente e Bell escrevia em seu livro, mas mostrava o sinal de calma. — O que?
   — Acho que a gente pega intervalo com a turma da sua namorada hoje. — reviro os olhos.
   — Já te disse, ela não é minha namorada! E nem vai ser! — rosno baixinho. — Só nos beijamos, não foi nada demais!
   — Mas foi teu primeiro beijo... Supostamente deveria ser especial! E se namorarem no futuro? Que me diz sobre isso? — Anne querida, o ponto é que eu não tenho futuro pois vou morrer logo, beijos.
   — É um tanto quando improvável. — Opto por dizer, apesar da minha vontade ser contrária. — Se você namorasse todos os caras no qual já ficou, seria um tanto quanto irritante, não?
   — Meninas, silêncio. — a professora interrompe e volta a dar aula normalmente.
   — Guarde o que digo, Hall, eu ainda farei vocês namorarem. — ela diz por fim.
   — Eu aposto que não! — rio e dou-lhe a resposta.
   Como era aula de educação física logo após, sou liberada. Então decido ir ao refeitório, as enfermeiras logo chegariam na quadra e não me achariam, então vão pensar que faltei e iriam embora, não que eu já tivesse feito isso... Talvez eu tenha, mas só ocorreu uma única vez. Sento em uma mesinha e pego meu celular, passo pelos aplicativos e entro em um feito para fotos, entre a maioria delas, garotas bonitas e saudáveis, corpos invejáveis e dinheiro mais ainda, quem me dera ser assim... Suspiro e encosto a cabeça na mesa, ainda olhando a tela e descendo o "feed", o intervalo da outra turma chega e eles se amontoam ao meu redor, evitando a minha mesa de quatro lugares. Uma jovem me chama a atenção, estava ao lado de June Brown e a abraçava e lhe fazia sinais de beijinhos. Levanto a cabeça para observar melhor.
   Ela tinha, penso eu pela distância, olhos negros, cabelo cacheado meio enegrecido e uma pele morena com sardas e várias pintinhas. Seus olhos correm o refeitório em busca de um lugar para sentar, mas em uma tentativa frustada empurra Brown para a cantina e sai no meio da multidão, volto a mexer no aparelho eletrônico e ignoro ambas. Não muito depois, alguém senta a minha frente, espero ver Anica, mas então percebo que é a mesma garota no qual avistei junto de June.
   — Hey! Você é nova? — concordo e dou de ombros.
   — Sou, entrei há três semanas, mais ou menos. Por quê? — ela sorri.
   — Eu nunca lhe vi por aqui, mas enfim, seja bem vinda... Qual seu nome? — sorrio de leve.
   — Pode me chamar de Milley. Milley Hall, e você?
   — Olley August! Seu nome me é familiar, mas não acho que seja dos quartos anos. — concordo e desligo meu telefone.
   — Sou do terceiro. O quarto ano é o opcional, certo? — ela acena com a cabeça.
   — Agora é educação física, não? Você está cabulando aula? — discordo e suspiro.
   — Eu não posso participar, problemas pulmonares agravados por tratamentos incorretos. Então fico vagando pela escola, e no refeitório é onde tem a melhor recepção de sinal.
   — Sim! Eu adoro vir aqui para mexer no celular... Eu acho que June foi quem me disse seu nome, se conhecem? June Brown?
   — Nos esbarramos em uma festa...
   — É... Foi o que ela disse. Podemos sentar com você? — concordo quase de imediato.
    August corre dali e desaparece entre os formados. Havia um quarto ano, que era um suposto preparatório para empregos e faculdade, eu acabaria pegando parte desse ano opcional, mas não seria por muito tempo. As enfermeiras entram no lugar e resmungo, como vieram parar aqui?! As duas me vêem e imediatamente andam na minha direção, eu não podia lutar ou recusar muito, então só deixei que fizessem o procedimento. O remédio pingava em minha veia e eu possuía um controle para chamá-las quando acabasse, não muito após isso, vejo June sendo arrastada por Olley entre os jovens. Elas sentam a minha frente e olham o maquinário de cima a baixo.
   — Nada demais, só medicamento. — resmungo, estava levemente desconfortável com a presença de June, mas não iria admitir, não mesmo.
   — Todo dia você toma isso? — antes mesmo que eu pudesse responder Brown, Anne aparece e se senta ao meu lado e fala por mim.
   — Geralmente de terça e quinta-feira. Prazer, sou Anne Bell, você é June Brown, e você é? — ela se direciona para a cacheada.
   — Olley. São amigas? — Bell me abraça com força e rio.
   — Melhores! Alguém tem de proteger essa criança, não? — lhe empurro quase gargalhando.
   — Olha quem fala, idiota. — ela dá um risinho e observa June já mais séria, que devolve o olhar mortal. Uma briga entre sentimentos ocultos ocorre de um segundo ao outro.
   — Você é a garota no qual ela beijou na festa, então? — coro com força e belisco a perna da minha amiga por debaixo da mesa. olho a mais alta de relance, a mesma estava vermelha como pimenta, mas não parecia ligar sobre isso.
   — Ow! Então foi ela que você beijou?! Eu sabia que era alguém mais novo! — Olley levanta e ri. — Bem na sua cara de lésbica!
   — Homofóbica! — dou um risinho e ajeito meu cabelo.
   — Milley, ela falou que você beija muuuito bem! — August levanta e sai do alcance da amiga por precaução. — E disse que repetiria se pudesse! — June levanta e puxa seu cabelo com certa força, mas ainda assim, amigavelmente. Rio, chegando a forma mais avermelhada que eu podia, e sabia que Brown não estava muito diferente disso. — Ouch! Ouch! Parou!
   — Sua fofoqueira, nunca mais te conto nada! — ela ria de nervoso.
  O remédio acaba e chamo as mulheres, que retiram e fazem um curativo bem simples. Pouco depois o som do sino ecoa pelo pátio e todos do quarto ano sobem para ir até suas salas. Elas se levantam e se despedem de nós, indo em direção ao mutirão de jovens. As observo caminhando e Bell me dá um cutucão no ombro, a olho e resmungo, perguntando oque era, ela me indica June e suspiro, corando. Era uma boa hora... E ela estava sendo legal comigo... Ugh, okay. Ando em passos rápidos até ela e seguro seu pulso, corando ao o fazer.
   — Uhh, June Brown, você poderia... Hum... Me passar seu número? — a mesma sorri e concorda, sua colega nem percebe que parou e continua caminho, os terceiros anos chegam e lotam o pátio enquanto ela segurava meu celular e anotava seu número. Nos entre-olhamos por meros segundos e então, quando vejo, ela já havia sumido dali.
   — Vamos estátua, eu estou com fome. — sou tirada de meus próprios pensamentos por Anica. — ficar encarando onde sua namorada estava não vai me fazer comer.
   — Anica! Eu já falei que... Ugh! Esquece. — resmungo e a acompanho.
   Vou desligar meu aparelho e vejo seu contato salvo como "girlfriend". Meu inglês era absolutamente péssimo, então pesquisaria mais tarde, quando estivesse entediada ou até mesmo, se eu sequer me lembrasse disso, e provavelmente lembraria, já que as tais borboletas pinicavam meu ventre e pareciam querer sair pela boca a cada instante e tirando minha fome, não me deixariam esquecer. Mas que porra é isso?! Grito internamente, observo minhas mãos em busca de conforto mas só encontro as mesmas tremendo levemente, cerro os punhos e volto a olhar para frente, mas não antes de esbarrar em alguém. Era um garoto de cabelos negros basicamente da minha altura, ele tropeça e cai no chão, batendo a cabeça contra o assoalho, xingando alto o suficiente para trazer alguma atenção para nós, mas insuficientemente para amontoar pessoas ao nosso redor.
   Estico minha mão a ele, que acariciava a nuca devido a dor. O mesmo me encara com raiva e se apoia na mesa para ficar de pé novamente, um de seus amigos louros me empurra com raiva e quase perco o apoio nos pés, Anne reaparece e me segura, me ajudando a recuperar o equilíbrio.
   — Olha por onde anda, esquisita! Além de estranha é cega! — coro por vergonha e viro o rosto.
   — E você, seu escroto filhinho de papai, deixe-a em paz. — Bell entra na frente e a puxo de volta ao meu lado.
   — Cale-se prostituta! — é a vez do moreno dizer — todos lhe viram quase dando para o Eddan naquela festa! — quase todos no refeitório se calam para ouvir, minha amiga cora e vejo algumas lágrimas despontarem em seus olhos, mas ela segurava-as com toda sua força — Ele mesmo disse que quase te comeu!
   — Não somos de comer, imbecil. — rosno a ele.
   — Vocês duas não servem para nada além disso. Vocês duas não tem futuro! — sua frase perfura até minha alma, e a raiva é liberada pelo meu corpo de repente.
   — E se não tivermos? — Sussuro baixo enquanto Bell agarra meu pulso, implorando para que eu não prolongasse aquilo.
   — Hum? — ele arqueia uma sombrancelha e seu colega loiro para ao seu lado.
   — E se não tivermos mesmo, porra?! Quem é você para decidir?! — vocifero contra ele, que faz uma expressão ofendida.
   — Você está me respondendo, garota?! — ele se arma para me bater.
   — Eu não sou uma qualquer que vai se submeter a suas ordens, idiota. Você não controla o mundo e nunca, nunca vai o controlar. — suas mãos me arrancam dos braços de Anica e me empurram contra uma mesa, assustando alguns alunos que ali estavam sentados.
   Uma dor incapacitante explode no meu peito, por vários motivos, penso eu. A batida repentina no tórax, o catéter antigo que ainda não foi retirado e nem será, o esforço para respirar em uma situação estressante... Ele sorri satisfeito ao meu ver agarrar a blusa com força e remexer o tecido acima do coração. Anne corre até mim e a encaro levemente assustada, a dor era tanta que eu não sentia outra coisa, seu toque era nulo, ou pior, até mesmo a pele quente dela parecia causar dor. O olho com ódio e pego um faca solta na tábua de madeira onde eu permanecia apoiada, o gosto metálico e salgado do sangue invade minha boca, mas isso não me impede de avançar, puxo sua gola e encosto o fio da lâmina em seu pescoço, o suor escorria em sua testa e seu amigo toma forma apreensiva.
   — A próxima vez que tratar uma de nós como objeto, eu lhe arranco a língua, seu mimadinho do caralho. — Jogo o item no chão e limpo o fio de sangue que acabou escorrendo da minha boca.
   Caminho dali para o banheiro, no qual cuspi sangue na pia diversas vezes, a dor fazia meu corpo vibrar e até as vezes, se arrepiar. Anica me encontra e me ajuda a limpar o rosto e a boca encharcada do sangue mais puro, provavelmente o tumor arrebentou algum vaso sanguíneo sem muita importância ou coisa parecida, puxo minha blusa fora e encaro o catéter avermelhado na minha pele, ele quem provocava boa parte da dor.
   — Isto é um Port-o-Cath? Não é para quimioterapia? — estremeço ao ouvir Anne resmungar.
   — Sim, isso mesmo. — o silêncio nos domina e ela se aproxima, seus lábios estavam trêmulos e suas mãos incertas.
   — Você tem... Câncer?
   — Tive... Eu tive câncer... O catéter está ai porque... — penso em uma mentira —Bem, não posso fazer a remoção até meus pulmões se recuperarem. — não era totalmente falso, entretanto, meus pulmões não iriam se recuperar, nunca — como sabe?
   — Minha mãe faleceu de câncer há algum tempo, poucos meses. — quem tem câncer morre de câncer, essa frase nunca fez tanto sentido, não? Sua voz vacila e suas lágrimas que antes negaram a cair, escorrem por suas bochechas e seus olhos se tornam sem vida. Ela vira o rosto para esconder e tenta as limpar em uma tentativa totalmente falha.
   — Meus pêsames, Anne... Eu entendo... — sussuro e a abraço com força. Eu nunca tinha perdido um parente tão próximo para o câncer, mas sabia que deveria ser difícil.
   — Alguém da sua família... Também... Faleceu para isso? — ela aponta levemente para o catéter.
   — Não, ninguém... Na verdade, minha família nunca teve câncer... Mas eu já perdi entes próximos, muito próximos...
   — Posso perguntar quem? Desculpa a curiosidade... É que nunca citou isso...
   — Akyle e Trisna, meus irmãos.

Feelings - Feel Something (2021)Onde histórias criam vida. Descubra agora