O pedido

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   Juntamente de todos os acontecidos, haviam se passado dois meses. Eu só tinha mais quatorze meses, eu não tinha feito nada de muito radical, — e isso me chateava um pouco — mas também não podia, meu pulmão frágil se partiria em pedaços caso eu tivesse outra crise, foi o que a médica falou em alto e bom tom. Disse que se eu continuasse me aventurando, acabaria perdendo tempo precioso da vida, como se fosse minha culpa ter essa condição. Não. Condição não. Maldição era o certo. Mas por um lado, meu coração não precisava de adrenalina para acelerar, ele só precisava de um alarme, que apenas uma pessoa, ela, podia ligar, ele só correspondia a ela, mas eu tentava gritar internamente quando isso acontecia. Eu a adorava, mas não deveria, cada vez que nos víamos, me sentia mais desconcertada a sua presença, e nem Anica sabia dessa, e não deveria saber, se ela apostasse mais dinheiro em um namoro improvável, ficaria sem economias para a faculdade.
    Eu estava enlouquecendo, toda vez que ela aparecia, meu corpo mudava. Parecia que eu não o controlava, que não era meu, era dela, que ela o controlava com a mente. Eu não sabia o que era essa sensação e dizia a mim mesma que era nervoso, com certeza não era, eu sabia que meu corpo agia diferente, movido a sensação de aperto no baixo ventre, algo que a chamava com força, não sabia o por quê de ser ela entre todos. Mas Brown não percebia e não sentia, talvez eu fosse a única que se incomodava com as mãos suando frio e os arrepios que apareciam até no calor, seus lábios macios eram muito bem vindos, meu corpo já tinha se acostumado, coisa que não deveria ter-me permitido, mas eu gostava, me acolhia como nenhuma palavra fez antes, como ninguém sequer tentou fazer antes. Suas mãos estavam cada vez mais violentas em nossos encontros no banheiro durante o recesso entre as aulas, tocavam meus seios com uma frequência impressionante, e quase, quase desabotoaram meus jeans alguns dias atrás. Mas eu não permiti, se não estivéssemos em um lugar público, ou que ao menos não fosse um banheiro escolar, duvido muito que eu teria consciência para a impedir.
    — No que está pensando, Milly? — Bell sorri para mim, deitada sobre a apostila apoiada em sua parte da carteira.
    — Quem me dera saber oque se passa nos fundos da minha mente, Anne... Quem me dera... — eu não mentia, cada dia não me entendia um pouco mais.
    — Credo, que papo de maluco. — rimos e balanço meu cabelo, olhando para a lousa rabiscada por contas de química, eu não participava dos experimentos, então estava umas cem vezes abaixo da média da turma, mas o professor era paciente, ele entendia minha situação e tentava ajudar ao máximo.
   O encaro, queria que viesse e repetisse tudo do segundo módulo, mas isso levaria, no mínimo, umas três aulas, já que sua fala é lenta e passiva, e ele gosta de dar exemplos também, oque faz de sua matéria ainda mais demorada. As vezes acabo me perguntando se o químico é realmente qualificado para dar aula, mas apesar de ser lento, era inteligente, resolvia contas difíceis em segundos, seu raciocínio era tão bom quanto um gênio. Então chegava na conclusão de que sim, mas nunca tinha toda a certeza. Passo a caneta no caderno, desenhando uma flor sendo levada ao vento, e apago em seguida. Odiava desenhar flores se despedaçando, mas era hábito, era oque nos ensinaram a desenhar no hospital, lembro a mim mesma, era uma memória guardada aqui no fundo. Vocês são flores — pessoas — muito belas — resistentes — e muito cherosas — persistentes —, mas não podem deixar que o vento — câncer — leve suas pétalas — vida — embora, então as segurem com força — façam a porra do tratamento, caralho! Era mais ou menos isso que queriam dizer, mas faziam de forma bonitinha para que as crianças não entrassem em desespero total e fizessem uma greve de fome. E funcionou, já que grudou na minha mente até hoje, como um fantasma que nunca vai me deixar ir, e sabe que todas minhas pétalas voaram faz tempo. Muito tempo. O sinal do recesso toca e pego o dinheiro do lanche ansiosa, mas não necessariamente feliz. Só de saber que teria de encarar June já surgia um nó no estômago, mas não queria demonstrar, então sorrio.
   
    — Hoje é sexta-feira, vai ter mini-pizza! — Um garoto, Pietro, novo amigo de Anne, não muito mais alto que ela e de cabelos castanhos com olhos estranhamente verdes, comenta, sorrindo. Eu não queria parecer muito chata, mas ela não estava dando sua atenção para mim como antes, também estava enfeitiçada, eu sabia, mas não era por uma garota. — A estranha vai ter que vir junto? — escuto ele sussurar tão baixo que duvido que até Anica escutou, mas ela suspira e acena com a cabeça.
   
   Fecho as mãos e forço minhas unhas contra a palma das minhas mãos. Queria que o sangue saísse e jorrasse até eu morrer. Minha amiga me tratando como os outros tratam?! Agora eu até mesmo duvidava que ela fosse minha amiga de verdade. Queria tirar os fios do meu nariz, mas não podia, não devia. Então simplesmente deixo o dinheiro cair no chão e pego minha maleta de oxigênio, saindo dali, vou até o pátio sozinha. Podia haver mais de cem alunos caminhando pela rampa comigo, mas internamente eu tinha acabado de expulsar Anne da minha vida, ou me convencia disso, entretanto, isso me trazia um vazio que não sei se eu poderia preencher mais uma vez. Esperava que sim, por quê era tão doloroso quanto uma veia estourada, mesmo que não fosse dor física. Tento correr, mas não consigo, não com alguém me puxando, tento me desvencilhar, mas a mão era forte demais, me puxando para seu dono. Ou dona. June abre um sorrisinho idiota ao me ver e congelo.
    Ela sorria carinhosamente, mas eu conseguia perceber a preocupação em seu ser. Então ela me puxa fluxo acima, enquanto todos desciam, nós subíamos. Não sabia para onde ela me levava, mas era longe, bem longe do que me apresentaram a escola, só então percebo que não estávamos na escola, e sim fora dela, estávamos em um jardim dos fundos, pouco cuidado e sem nenhuma câmera, a única forma de chegar lá sem chave, era passando pelo labirinto de corredores e pulando um pequeno muro já desgastado pelas ações climáticas constantes da região, coisa que até meu pulmão conseguia aguentar de forma até que bem fácil. Não tinha mais que dez metros quadrados e uma árvore meio seca no canto, mas suas poucas folhas cobriam a visão de onde estávamos, atrás de uma parede que dava para a saída dos funcionários, ninguém nos veria ali, sem dúvidas. Rio baixinho e escorrego até o chão.
    — Quando descobriu isso? — sorrio para seu ser radiante.
    — Não lembro, mas faz um ano ou dois, beijei aqui pela primeira vez. — ela fala enquanto se ajeito do meu lado. O pensamento me deixa levemente irritada, mas afasto o sentimento. Eu não deveria sentir ciúmes, não dela — Só lembrei de sua existência há algumas horas atrás, na madrugada. Eu gosto muito daqui, é silencioso, e não usam há meses, as portas foram trancadas e ninguém tem a chave, e o melhor, quase ninguém sabe daqui.
    — E você vinha cabular aula aqui? — seu rosto cora e ela se afasta um pouco. Claro que não Milley! Você é idiota? Isso ela pode fazer no banheiro, aqui é mais especial, para coisas mais... Íntimas.
    — De certa forma, sim. Mas adolescentes não tem limite, se há um lugar que não tenha público...
    — Eles fazem sexo... — completo. Essa frase foi Anica quem me ensinou, depois de dizer que seu pai quase a pegou fazendo sexo na sacada da casa de sua avó uma vez, justo naquela que dava de frente para a avenida mais movimentada da cidade.
     — Exatamente. — o silêncio fica constrangedor entre nós, mas eu tomo uma atitude, mesmo que surpresa da minha ação.
     — Não sei como tinha coragem de transar sobre a grama. — Brown cora mais uma vez e ri. — Isso deve ter uma fauna de insetos inteira!
     — Não tanto quanto você imagina. — rimos e meu celular vibra, o seguro e atendo por impulso.
     — Alô? — resmungo baixinho.
     — Cadê você, Milly? — Anica diz do outro lado da linha, fecho a cara e quase desligo antes dela completa a sentença.
     — Em um jardim. — olho para June, que sussura "jardim dos fundos" — No jardim dos fundos. — escuto um suspiro aliviado da garota do outro lado da linha e ela se despede logo após. Desligo e jogo o celular na grama.
     — Vocês brigaram? — dou de ombros.
     — Ela está quase ajoelhando aos pés daquele novo amigo dela... E ele me acha uma estranha assim como a maioria da escola, e acho que ela também está começando a pensar dessa forma. — Uma grande vontade de socar a parede atrás de nós me abraça, mas me desvencilho da ideia quando June me faz deitar em seu colo.
     — Ela é sua amiga, conversa com ela, sei que Bell vai entender. — confirmo com a cabeça e sinto sua mão acariciar meu cabelo. A fechadura da porta ao nosso lado destranca e ambas nos assustamos, achando que seria algum funcionário, mas não passava de Pirtro com um grampo de cabelo. O menino devolve o artefato para Anne que prende sua franja para trás. — Ele é feio. — é a última coisa que a garota de cabelos negros diz em um sussuro. Não seguro a risada e levanto com a ajuda da loira.

Feelings - Feel Something (2021)Onde histórias criam vida. Descubra agora