A quase ida

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Ela me encara levemente confusa, eu nunca disse a absolutamente ninguém sobre eles, eu não gostava de citar isso, eu odiava. Mas agora já tinha cavado minha cova e iniciado a conversa, mesmo que agora eu desejasse com todas as forças para que eu não o tivesse feito.
- Você não é filha única? - discordo e dou de ombros.
- Bem, eu não era. Agora eu sou. - sua expressão pedia para que eu continuasse, mas ela não via meu desconforto em dizer. Reponho a camiseta e suspiro. - Eles morreram há três anos e seis meses em um acidente de carro a caminho do hospital onde eu estava, eu os vi entrar em macas e depois disso, só os vi em seus funerais. - resmungo cruzando os braços, fingindo que não ligava. Mas eu ligava muito, eu era doida por eles, os dois me faziam rir, os dois me amavam, eles me entendiam de verdade, eram meus amigos, ao menos, vendo pelo lado bom agora, eu os encontraria.
— Meus pêsames, Milly. - o apelido pegou, então?
— Milly?
— É! Combina com você. - rio baixinho.
— Não gosto de apelidos, mas tudo bem. - apelidos nos fazem mais apegados a quem os direcionamos, e tudo oque menos quero é que ela esteja apegada demais a mim quando eu partir, eu tenho que ser apenas mais uma distração para ela, algo no qual ela pode desabafar ou coisa do tipo. Não estou afim de a magoar quando eu finalmente descansar.
- Sério? Eu achei que gostasse! Agora eu vou te chamar assim só para te irritar! - rimos e seguimos para a classe.
   O dia passou calmo desde então, meus pais não estavam em casa depois do almoço, então passei a tarde estudando e sai para a Praça dos Bonecos mais a noite, onde menininhos brincavam de jogar bola, riam, suavam e gritavam, ofegantes. Quando menor nunca pude brincar com outras crianças ou estar em contato com elas, então não sabia oque sentir ao ver aquilo, mas parecia divertido, as ordens, brigas que se resolveriam em poucas horas, imaginação a mil e brincadeiras cansativas, entretando, divertidas. Mas não era para mim, não mais. Então me contento a pegar meu celular e ir jogar algum jogo, me lembro da pesquisa em inglês que marquei mentalmente de fazer, então entro no aplicativo de pesquisas e espero com que funcione. Ao finalmente conseguir a conexão ao sinal, coloco minha dúvida, oque seria girlfriend em português, depois de segundos de demora, a resposta aparece em caixa alta e negrito.
E a tradução era... Namorada. Wow. Isso é realmente... Confuso. Então ela queria algo comigo? Ou isso era algo de adolescentes mesmo? Eu não sabia! Eu nunca beijei! Nunca falei com muitos outros jovens! Eu poderia perguntar, mas minha vergonha antes inexistente me impede, eu me sentia desconcertada perto de June, não diria que estava apaixonada, mas foi meu primeiríssimo beijo. E foi bom! Além de que, ela era mulher, igualmente a mim, e isso já era motivo de surtos para meu ser, eu cresci achando que era errado, e barreira alguma cai em tão pouco tempo. Mas sabia que não era só isso. Tinha que ter algo a mais, e eu descobriria oque era. Levanto dali e uma bola voa na minha direção, a seguro e devolvo aos garotos, rindo levemente por sua mira ruim, mas sabia que se fosse eu, teria sido pior. Vejo Anica com seu pai conversando com algums caras levemente mais velhos, entre uns vinte e vinte cinco anos, chuto eu.
   Não era da minha conta, então abaixo a cabeça e passo reto. Em casa, termino os deveres e cumprimento meus pais recém chegados, que já jantavam sem mim. Me junto a eles e começamos uma conversa casual. Cito minha nova amizade, June, mas não falo do beijo ou de qualquer outra coisa, não queria brigas. Subo as escadas e coloco o CPAP, me ajeito na cama e meu celular apita na hora, o pego e observo as notificações, era Brown.

  “Oi Milly! Desculpa não ter mandado mensagem antes, eu estava fazendo prova substitutiva.”

   “Oi June! Tudo bem, não tem problema... Mas então, oque está fazendo agora?”

   “Nada na verdade... Mas queria conversar com você. Olha, você beija bem, Olley não estava mentindo... Ah cara, falar isso é estranho haha.”

   “Ahh, você também beija bem haha... Foi meu primeiro beijo, para ser sincera.”

  “Primeiro?! Mas você beija tão bem!”

Feelings - Feel Something (2021)Onde histórias criam vida. Descubra agora