Me, You, Bared, Scared

21 4 1
                                    

Acordei numa lufada de ar. Era como se meus pulmões estivessem implorando por oxigênio.

Era só um pesadelo, um péssimo pesadelo. Ainda sentia as mãos de Sam, o toque asqueroso e áspero, invasivo. Meu corpo ainda doía mas não tinha comparação com antes. Ainda era noite, meu quarto completamente escuro... mas Harry não estava ali, pelo menos não conseguia enxergar.

Eu preciso sair desse cômodo. Descalça, tracei o caminho até o andar debaixo e a pouca movimentação já me deixou extremamente cansada. Encosto na parede e encolho no pijama, os cabelos castanhos chamam minha atenção.

Uau, o último cavalheiro: deitou no sofá que obviamente era pequeno demais, as pernas de fora me fariam rir em outra circunstância, uma das almofadas roxas estava entre suas pernas e ele assistia algo no celular, o brilho refletia nos olhos verdes e dava uma boa visão dos cachos caramelos.

Tive vontade de tocá-lo.

— Sam? — Abruptamente sentou.

Por um segundo achei que ele estava feliz em me ver.

— Acho que essa ainda sou eu. — Me arrastei até o estofado, puxando a coberta escura que ele usava até metade do meu corpo. Nossas pernas ficaram estranhas, meio entrelaçadas, era engraçado.

— Se sente melhor? Não acha melhor voltar pra cama?

— Não, eu passei o dia todo lá. — Sorri amarelo. — Estou bem aqui. Pode deitar lá, é o mínimo.

— Uau, inacreditável.

— Só troque os lençóis, eles ficam na última gaveta da parte esquerda do guarda-roupa e...

— É, você deve estar bem já, é bem engraçadinha como sempre. — ironizou.

Eu teria mostrado o dedo do meio se não estivesse tão confortável.

— Harry? — Ele ergueu a sobrancelha. — Obrigada.

Não tinha lá uma visão tão boa, mas percebi as maçãs do rosto tomando uma coloração avermelhada e o súbito recuo dos ombros, ele estava com vergonha? Uau, deveria ganhar um prêmio, consegui deixar uma das pessoas mais descaradas do mundo envergonhada.

Aceitaria com prazer. Eu gosto de ver o circo pegar fogo.

— Não fiz nada que outra pessoa não faria, Sam. Não tem o que agradecer.

— Sabe, Harry. — projeto o corpo para frente, apoiando a cabeça na mão. — Você é bem diferente do que eu imaginei.

— Papos de madrugada? — Tentou mudar de assunto.

— É, acho que sim. — Dei ombros. — Mas é verdade. Você é bem diferente do babaca que eu imaginei. Eu estava te ouvindo cozinhar e fiquei pensando em como eu não mereço nada disso, acho que no máximo três pessoas que conheço fariam isso por mim. Sei que sou meio idiota, isso não me impede de reconhecer a pessoa boa que você é. — Sorri no final da sentença. — Não se acostuma, só sou legal duas vezes no ano.

— Não sei o que dizer, Sam. Não acho que fiz nada demais. — Deu ombros como algo corriqueiro. — Mas você estar bem me deixa aliviada.

— É isso que quero dizer, Harry. Você não tinha obrigação. Você não tinha que perder sua noite, não tinha de sair dirigindo na neve, mas você fez, você tem um coração bonito, sou extremamente grata. — Pisquei, ele não se moveu.

Não me respondeu de primeira, assisti os olhos reprimir como se tentasse filtrar as palavras, seria ainda mais egoísta dizer que não queria isso? Eu não queria filtros. Harry umedeceu os lábios, a íris verde focou em mim.

Estremeci.

— Não sei se você tem razão. Você não sabe...

— Do seu passado? — Confusão no olhar. — Suas atitudes mostram mais que isso. Eu não sei por que diabos você está aqui, ou o motivo dessa coisa toda, mas não menospreze o que você é.

— Sabe que está sendo hipócrita, não? — Riu baixo.

— Totalmente. — Pisquei, me aninho no sofá como uma criança. — Juro que não vou colocar a culpa na febre.

— Você é fofa, Sam. Meio idiota, mas fofa.

— Não posso dizer o mesmo de você. — Reviro os olhos. — Mas vou relevar porque você está quente.

— Vem aqui. — Bateu no estofado.

Só fui pensar no que fiz quando já estava deitada com a cabeça apoiada no seu braço, prensada entre o sofá e o corpo esguio. Conseguia sentir o calor do seu corpo e meus poros eriçados denunciavam que era de fato bom, ele cheirava a perfume doce e amaciante, seu braço agarrou firmemente minha cintura, não, não é ruim.

É muito bom. Eu adoro dormir de conchinha, mesmo só tendo feito isso com Sabrina.

Por outro lado, absurdamente íntimo. Me sentiria menos envergonhada se estivéssemos pelados ou algo assim, mas não foi necessário: a intimidade das respirações mescladas, o leve carinho na minha cintura mesmo com o toque firme, sua silhueta se fundindo à minha, as risadas baixas... seu coração levemente acelerado.

Íntimo, confuso.

— Eu estou meio nojenta.

— Não ligo. — Aninhou em meu corpo, seu toque beirava proteção. — Estou confortável.

Sua voz sussurrava em meu ouvido, o corpo todo arrepiou, não queria admitir, mas foi impossível não estremecer. O som de sua respiração contrastava com a minha, e foi nisso que me concentrei, eu não queria me sentir eufórica.

Mais que isso, não queria admitir que gostava disso.

— Harry?

— Hm?

— Como você veio parar aqui?

— O ex namorado da minha mãe tentou me matar. — Ao contrário do que tentou demonstrar, uma pitada de receio na sua voz me fez estremecer. — Eu vim para proteger minha mãe e minha irmã. Peguei um voo para o Canadá e depois de uns meses vim pra cá quando descobriram o que tinha acontecido. Era uma cidade um pouco maior que Stowe.

Nunca imaginei algo assim, meu peito apertou. Que diabos esse garoto deve ter passado nas mãos desse cara?

— Não sei o que dizer. — Mordi o lábio inferior. — Eu...

— Não tem o que dizer, Sam. É uma droga, mesmo. — Riu sem humor.

— Você conversa com elas?

— Não sempre. Sinto que, se manter muito contato, vou querer voltar.

Fiquei quieta. Não sabia o que dizer, já estamos abraçados. Eu não sei o que fazer para consolar, mas meu coração mole teve vontade de tirar toda aquela dor dele. Oh, suas memórias devem ser horríveis. Pensar que um amigo sofreu desse jeito apertava meu coração.

Encarei o breu sem pestanejar, quase imóvel: suas palavras ainda ecoavam por minha mente, assimilar era difícil. Acreditar, perturbador.

— Sam?

— Hm?

— Boa noite. — Se aninhou um pouco mais.

— Boa noite, Harry. — Toquei sua mão.

Fecho os olhos e me permito aproveitar a sensação. Quando estava quase dormindo, o senti tremer. Uma, duas vezes. Fingi estar dormindo e o agarrei um pouco mais forte.

Ele chorava baixo.

Eu, nada disse. 

Babe [H.S/PT-BR]Onde histórias criam vida. Descubra agora