Stowe

39 3 0
                                    

 A verdade é que eu não sabia nada sobre Stowe.

Tudo bem, nada mais que uma pesquisa rápida no google: quatro mil habitantes, frio, em Vermont, um point de ski e absolutamente pacato. Bastou chegar naquela cidade para notar o quão drástico era.

Não tinha nada.

Nem um mísero prédio, vi no máximo dez pessoas, os carros pareciam ultrapassados e estava frio, muito frio. Cheguei no hotel pouco depois das quatro da manhã, parecia charmoso e dentro de uma estação de ski. Mas ao chegar, a recepcionista fechou a cara, sabia que estava me julgando, os lábios comprimidos numa linha reta me irritaram.

Aquele olhar era familiar: era o mesmo olhar que Sam tinha, idêntico ao de sua mãe. Era o tipo de olhar que fazia meu estômago embrulhar. O vestido vermelho de alta costura e o sorriso idiota que tinha no rosto talvez fossem responsáveis, ela me entregou as chaves do quarto e simplesmente sumiu.

Eu tinha meus cartões, carro e uma mochila com algumas mudas de roupa. E para quem estava acostumada a ter tudo, a situação era desesperadora. Decidi não pensar tanto, tomei um banho demorado e dormi por quase dez horas.

Tive um sonho bonito, Sam não existia e eu fazia chocolate quente com meus pais num chalé no Canadá. Quase como uma memória vívida, senti os dedos de minha mãe tocando a ponta do meu rosto ao dizer que eu nasci para ser uma estrela. Quando era mais nova, ela costumava me chamar de leãozinho. Eu gostava do apelido, e gostava mais ainda do chocolate quente da minha mãe.

Também gostava dos abraços do meu pai, da nossa parceria e sintonia na vida profissional. Um dia, no auge do verão, eu tinha onze anos quando decidi criar uma barraca de limonada, e meu pai foi o primeiro cliente! Ele reclamou da falta de açúcar, mas tomou tudo com um sorriso no rosto e me chamou de princesa.

Mas eu não gostava de como eles tentavam controlar minha vida e como tudo importava mais que os meus sentimentos, a criança em mim estava no mínimo decepcionada.

Acordei com fome, olho para a janela e não há nada além de neve e pontos coloridos esquiando. Quase me arrastando, troquei as roupas e puxei o celular do carregador, trocando o chip — que consegui comprar num posto de gasolina vindo para cá — e conectando no wi-fi.

E não demorou para que me frustrasse.

— Merda! Mas que merda! — Pendi a cabeça para trás.

Casa, eu preciso de uma casa. Mas na internet não tinha um mísero anúncio, nada, absolutamente nada. Stowe era uma cidade pequena, logicamente todos se conheciam e o meio mais fácil de fechar negócios era direto com os proprietários.

Me sentindo inteligente pela afirmação óbvia, marchei para fora do quarto com uma confiança exacerbada, conhecer pessoas e comprar uma jaqueta eram minha meta.

Eu estava tremendo de frio, meus dentes rangiam e a ponta dos meus dedos totalmente congelados foram o que me motivaram a entrar numa pequena e vazia loja de casacos. As roupas eram grotescas e quentes, enfiei as mãos por dentro do tecido e, por míseros segundos, senti-me aquecida.

— Seja bem vinda, senhorita! Posso lhe ajudar?

Virei a cabeça com tamanha rapidez que o pescoço estralou. Um garoto na parte de trás da bancada do caixa me encarava. Era simpático, os cabelos ruivos chamaram mais a atenção que as sardas no nariz, parecia jovem, mas aquele sorrisinho de canto me irritou.

Eu precisava ser simpática.

— Bom dia! Você teria esse no tamanho M? E sabe onde posso arrumar uma casa? — Apontei para um casaco liso, o mais decente que achei.

Babe [H.S/PT-BR]Onde histórias criam vida. Descubra agora