— Aulas de piano? Isso não é nada sua cara.
Pelas minhas contas, estou em Stowe há seis meses. Não vou ser mentirosa e dizer que completamente odeio essa cidade, mas odeio parcialmente. Aos poucos me acostumei com o silêncio, tinha o sentimento que a minha vida em LA ficava cada vez mais distante.
Festas? Oh, nunca mais. No máximo umas bebidas malucas com Harry no sofá. Meus dias eram quase a mesma coisa e eu começava a ficar entediada, tinha praticamente zerado o catálogo da Netflix e assistir Harry trabalhar todo dia não era mais tão divertido.
Num dos poucos dias que surtei em casa, cortei metade do cabelo. Agora eles mal passavam dos ombros, aproveitei para pintar e fazer uma franja, irreconhecível. E por estar irreconhecível, a ideia de ajudar alguém, ou fazer mais dinheiro parecia divertido.
Liz. Eu podia abraçar este nome e seguir com algo naquele lugar que fosse me livrar do absoluto tédio.
— Já viu alguma menina rica que não toca piano? — Bato com força no papel, colando no informativo da cidade. — Você é pior de clichês do que imaginei.
— Não pensei por esse lado mesmo. Você tem um cachorro de bolsa e um closet rosa?
— Não e não. Mas já gastei mais de cinquenta mil dólares num pub. — Dou ombros. — Bêbados perdem a noção das coisas às vezes.
— É, realmente. Numa única noite? Você é maluca.
— Achei que você diria "uau, você é rica". — Zombo.
— Eu não gosto de ser repetitivo. — Pega um punhado de folhetos da minha mão. — Você precisa me conhecer melhor.
Sim. Quando contei a Sabrina, ela só disse que eu era muito rica e mimada.
— Gosto da Sabrina. — Assente, as covinhas timidamente chamam a minha atenção.
— Eu também. Vocês seriam ótimos amigos.
Consigo imaginar os dois numa festa, completamente bêbados e pegando números de desconhecidos para ganharem bebidas de graça. Deuses do fumódromo, Harry com certeza a protegeria e sairiam contando todas as gafes.
Mas não consigo imaginar como Harry não consegue falar sobre o que aconteceu. Ele não me perguntou se estava bem. Acho que sabe que estou forçando, porque ele está excessivamente pegando na minha mão quando começo a tremer.
Eu queria o agradecer por ter me abraçado quando cai no choro. Por ter cuidado de mim e sussurrado que tudo ficaria bem, que ele não iria me encontrar e não ia encostar em mim. Quero agradecer por ter ficado. Mas quero me desculpar pelo péssimo timing ou pela forma que reagi.
Quero me desculpar por ter chorado alto e molhado sua camiseta. Por ter gritado em completo pânico e murmurado coisas idiotas.Não dormi, e percebi durante a noite que o sono dele foi um pouco pertubado e... ruim.
Mas não sei como resolver. Sou completamente covarde. Algo me impede de dar o primeiro passo e falar sobre isso, porque precisamos conversar, tenho de entender o que ele sentiu e afirmar que tudo vai ficar bem.
Então tomei a única decisão que acreditei ser a menos pior: fingi que nada aconteceu.
Contudo, isso durou apenas três dias.
E, no meio desses três dias, após coiar os cartazes em todos os cantos de Stowe, o Sr. Stern se tornou meu primeiro aluno. Ele foi a primeira pessoa "antipática" que conheci em Stowe, não, não é a palavra adequada. Ele é chato, é isso. Chato, só chato. Sua casa fica perto do centro, é uma casa pequena com um cercado bem cuidado e provavelmente grama aparada, mas a neve não me deixa checar.
Sr. Stern me ofereceu o triplo por mais trinta minutos, ao todo, são 4 horas de aula por semana. Seus cabelos grisalhos são mais chamativos que os olhos completamente escuros. Ele pouco passa dos 60 anos, a casa é repleta de fotos antigas e gastas.
O tipo de ambiente que lembra uma casa de uma família grande. Sr. Stern nunca aprendeu a tocar, mas tem um piano de cauda gigantesco na sala de estar, perto da janela com uma cortina bonita. Ele não fala muito, na verdade, quase não escuto sua voz.
Harry também não o conhece muito bem. O encontrou poucas vezes no supermercado, mas notou que o velho gosta muito de chá. É intrigante, e subitamente estou curiosa para conhecer mais meu aluno. Ele não parece ser uma pessoa ruim, apenas reservada.
E, claro, chata.
— Sam? — A voz de Harry me desperta. — Precisamos ir, está ficando escuro.
Combinamos de tentar ir num bar, mas o lugar era tão ruim que desistimos nos primeiros 20 minutos. A programação de nosso sábado a noite foi montar um boneco de neve no meio do nada, usando a lanterna do celular para enxergar e um graveto como nariz do boneco.
Fizemos um anjo de neve e contei a ele mais sobre minha infância.
A ideia de passar a vida com Harry se tornava mais concreta.
— Vamos, a neve vai piorar e eu não quero que você fique doente. — Entrelaça sua mão à minha.
Não há espaço para protestos, entramos no carro tão rápido que perdi o fôlego. Oh, como é bom ter Harry como motorista. Ele joga o gorro cinza no banco de trás e seus olhos procuram por mim como uma criança perdida, estamos num estacionamento praticamente abandonado, sem luz, no meio do absoluto nada.
É um cenário digno de filme de terror.
— Sam?
— Essa sou eu, acho. — Um riso nasalado escapa.
— Você quer ir embora?
Minha cabeça gira.
— Hein?
— Sabe, por conta de Sam...
— Eu não sei se estou entendendo, Harry...
— Se você não quiser mais ficar aqui, se está insegura, eu posso ir com você. Podemos ir pra mais um lugar onde ninguém nos conhece, onde você vai se sentir segura do que te faz mal. — Seu olhar é firme, há certeza no que diz.
Harry não hesita. É como se sua mente já estivesse feita. O silêncio absoluto nos envolve por severos minutos e mordisco as unhas por todos eles. Talvez nada que saia da minha boca seja capaz de expressar o que sinto.
— Eu não sei muito bem o que dizer, mas eu faria o mesmo por você. — Não, não posso chorar agora. — Vamos ficar bem, amor.
Amor. Eu o chamei de amor.
Eu nunca chamei ninguém de amor.
— Você é minha casa, amor. Vamos ficar bem. — Sorri curto.
Eu não sei nada sobre a vida, mal sei quem sou.
Mal sei o que quero do meu futuro. Eu não sei de nada.
Mas, de algo tenho completa certeza:
Eu estou plenamente feliz.
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Babe [H.S/PT-BR]
FanfictionOnde Samantha Whitfield foge de um casamento arranjado e reconstrói sua vida em Stowe.