— Há algo que você se arrependa profundamente?
Harry não me encarou quando fez essa pergunta. Diria até impossível, já que estava deitado na altura do meu estômago, não sei como conseguimos ficar confortáveis no sofá minúsculo, mas não vou me mexer tão cedo.
Não tenho visão de seus olhos quando respondo e isso me acalma.
— Sim. De ter sido tão passiva com Sam.
De todas as vezes que eu tive que sorrir e fingir que estava tudo bem, por pura consideração a relação de nossos pais. Por ter lhe dado abertura, talvez até confiado cegamente em alguns momentos. Tudo sobre ele me dá arrepios, pensar nisso me remete aqueles dias e o choro embola em minha garganta.
Harry está em absoluto silêncio, a ponta de seu dedo acaricia meu estômago com um pouco mais de carinho, tomo forças pra continuar.
— Pensar que eu estaria casada com ele me faz querer morrer. Sério. Eu nunca tive vontade de casar quando era mais nova, imagina com um traste desses. A verdade é que prezar pelo bom relacionamento adoece.
Mamãe nunca soube da história toda. Não, ela não sabia o motivo de eu ter voltado chorando pra casa num sábado às duas da manhã. Ela não precisava saber, acho que sequer acreditaria em mim.
Mas Harry acredita. E sei que está completamente vidrado no que digo, o cenho levemente franzido ao me observar, apesar de não ter visão, sinto o olhar penetrante em mim. Seu toque é ritmado e arrepio. Ele provavelmente está pensando no que dizer, mas palavras não são necessárias.
Mesmo assim, se contenta em dizer a coisa mais merda possível numa situação dessas:
— Complicado.
— E você, Harry? Tem algo que você se arrependa profundamente?
Ouvi sua língua estalar. Harry demora a responder e se eu não estivesse tão confortável, ficaria numa posição para ter visão de seu rosto, mas o carinho ainda é terno em meu estômago.
Sair daqui não é uma opção.
Quase numa lufada de ar, responde algo que nunca imaginei:
— De não ter seguido meu sonho.
— E qual é seu sonho?
— Meu sonho? Era ser cantor. — A risada nasalada não combina com a resposta. — É idiota, eu sei. Mas eu tive que abandonar isso pra cuidar da minha família. Não fico pensando nisso sempre, mas, é... deveria ter ao menos tentado.
— Isso não é idiota. Por que você não tenta? Você tá meio acabado, mas não tá morto.
— Agora já tenho outro sonho. Um sonho mais realista.
— E qual é?
— Ser feliz. Viver a minha vida como quero e ser feliz por isso.
A felicidade é completamente relativa. Harry nunca foi tão sincero. Eu o admiro.
Um dia quero ter um coração tão bonito quanto o dele.
— E você sente que tá fazendo isso?
— Absolutamente sim. Meu sonho tá se tornando realidade, Rebelde Sem Causa. — Toca a ponta do meu nariz, sorrio com o gesto. — Espero que você seja feliz também.
— Espero que um dia você seja tão legal quanto eu.
— Mas eu já sou. — Reviro os olhos. — Ei, isso é feio.
— Será que vamos ser felizes juntos? — Digo sem pensar.
Mas não me arrependo. Sei que ele apenas vai pensar sobre isso e ser sincero. Ele não me julga. É um local onde posso ser livre.
E eu nunca fui livre.
Harry é Harry, e eu amo isso.
— Eu estou completamente feliz agora, então acho que sim.
Estamos num sofá pequeno no meio do absoluto nada. Há neve lá fora. É uma cidade pacata. Jantamos macarrão instantâneo à luz de velas. Eu estou com pijamas feios e cabelo sujo. A casa está completamente escura. Nenhum dos dois queria estar aqui.
E, mesmo assim, ele está feliz.
E, mesmo assim, eu também estou feliz.
Me lembro das histórias que li, onde, de fato, a pessoa que está com você pode ser o motivo de tudo ficar bem. Isso nunca colou, até agora. Ergo o tronco e o observo, o rosto parcialmente iluminado pela lua me faz estremecer.
Harry não desvia, mas algo em seu olhar me chama como um canto de sereia, estou sendo hipnotizada: seu cheiro, seu toque, seu gosto, seu rosto. Os lábios avermelhados tomam minha atenção.Oh, como quero beijá-lo.
Antes que pudesse fazer isso, suas mãos agarram minha nuca e nossos lábios se tocam como se estivessem predestinados. Há algo diferente agora, ele me puxa para seu colo e eu cedo, completamente entregue. Sua língua instiga a minha e é doce, seu toque, seu cheiro.
Tudo é doce, e derreto.
Os lábios macios clamam pelos meus como se fossem sua propriedade, involuntariamente rolo os quadris e ele me aperta mais contra ele. Harry inspira profundamente antes de depositar um beijo pequeno na bochecha, os lábios traçam o caminho até meu pescoço com tanta calma que tremo.
É devastador. Harry toma tempo, a barba por fazer roça pela clavícula, meus olhos fechados denunciam o prazer. Ele puxa meu cabelo antes de depositar mais um beijo molhado no pescoço. Oh, sim, ele tem total controle. Harry pode tomar tudo de mim.
Ele toma tudo de mim.
Se afasta para encarar meu rosto. Minhas mãos estão firmes em sua nuca, alguns cachos enroscados devem ter sofrido por ter puxado. Mas ele sorri, e suas mãos correm pelo meu rosto, tirando alguns fios rebeldes do caminho, os dedos mornos tocam minha bochecha e sorrio curto.
— Como posso não ser feliz com você, Sam?
Qualquer palavra que eu dissesse me faria chorar.
Meu corpo involuntariamente busca por seus lábios e o beijo como resposta.
Harry segura firmemente em minhas pernas e, sem quebrar o beijo, me deita no sofá, seu corpo cai sob o meu e é tudo que preciso. Sua mão adentra a camisa do pijama e, num primeiro momento, se contenta a ficar na cintura. A pressão me faz gemer baixo, consigo-o sentir contra mim.
Puxo alguns fios de cabelo e ele parece gostar, seus quadris rolam contra os meus num sinal positivo. A palma se arrasta um pouco mais pra baixo e o sinto tocar a barra da calcinha, e então para. Mordo seu lábio como resposta e ele se contenta a arrastar a ponta dos dedos no elástico.
Tremo. É tortura. Ele não me permite quebrar o beijo e praticamente choramingo, algo em meu estômago gira quando ele adentra o tecido fino, tocando-me pela primeira vez. Gemo entre o beijo, a movimentação lenta e ritmada me leva do céu ao inferno em segundos.
Harry me observa. Sei disso. Ele desce um pouco mais e antecipação cresce.
Mas meu telefone toca e os dois estremecem.
Meu telefone nunca toca.
Sua mão saiu de mim tão rápido quanto levantei. Nos entreolhamos atônitos, fingi que estava tudo bem, mas estava tão assustada que poderia vomitar.
O busco na mesa de canto. O número na tela traz lágrimas aos olhos.
Tremo, e Harry se assusta.
— O que...
Checo duas, três vezes. Procuro todas as palavras que poderiam ser utilizadas para minimizar, mas não consigo. Perco o ar duas, três vezes. É como se a realidade e a ilusão fossem uma só.
Eu estou enlouquecendo, mas sei que não. Isso é mentira, mas sei que não.
Como um atestado de morte, apenas sai de mim como um desabafo moroso:
— É Sam.
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Babe [H.S/PT-BR]
FanfictionOnde Samantha Whitfield foge de um casamento arranjado e reconstrói sua vida em Stowe.