Resort

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 — Achei que tinha me convidado para esquiar. — Franzo o cenho assim que encontro Harry.

Ele não tinha roupas de frio suficientes para esquiar. Seus cachos ainda pareciam úmidos e teimava em escapar do gorro cinza, mas uma xícara de chá dentre as mãos o mantinha aquecido.

Eu estou atrasada. Harry é inglês, ele está puto.

— Você disse que não gosta de esquiar.

— Me chamou para tomar café num resort de esqui? — Me sento de frente para ele, colocando a mochila dentre as pernas.

— É um almoço, Rebelde Sem Causa. — Corrigiu, seu sotaque é engraçado. — Você vai gostar.

— Me desculpe pelo atraso. — Sorri amarelo, Harry deu ombros, não parecia feliz.

Não ia contar que me atrasei porque me distraí vendo vídeos de gatos. Tomo o cardápio em mãos e, como sempre, um hambúrguer é a opção mais eficaz. Harry parece desaprovar, mas ele não reclama e faz os pedidos como se uma bandeira branca estivesse fincada no meio daquela mesa.

Suas covinhas aparecem enquanto conversa com o atendente. O atendente é um conhecido seu, reconheço pela forma que sorriem e se cumprimentam, eu não existo nesse diálogo e amo isso. Harry tem um band-aid no dedo mindinho e alguns arranhões na palma, suas mãos se juntam em cima da madeira e se despede de Alexis com um breve aceno.

Sua íris me encara por um momento, densa, curiosa, perplexa. Há muito naquele olhar, ele umedece os lábios e cruzo os braços em resposta. Harry sorri nasalado.

— Me fale sobre você, Rebelde Sem Causa. — Pendeu o corpo para frente, apoiando o rosto na mão.

— Deveria?

— Não me acha confiável?

— Absolutamente não. — Pisquei. — Você é totalmente desconfiável.

— Ah é? — Riu. — E por quê?

— Você é...

Não. Eu não sei explicar Harry.

Ele tem a vibe de quem quebra o coração das pessoas e, para superar, você tem que tomar tarja preta. Mas, ao mesmo tempo, ele tem a vibe de uma pessoa muito sofrida. Harry tem os olhos profundos e amorosos, como o tipo de pessoa que liga de madrugada para saber como você está.

Mas também é como o tipo de pessoa que sorri de canto e debocha das coisas. Harry é uma incógnita. Eu não sei o que é o Harry verdadeiro e o que é a máscara que ele tenta plantar. Não sei distinguir, como saberia dizer o que ele é?

— Eu não te conheço. — Sou sincera, e ele assente. — Eu só sei o seu nome, onde você trabalha e onde você mora.

— Está na vantagem aqui. Oh, obrigado! — Agradeceu Alexis quando nossos pedidos chegaram.

Harry se contentou com uma sopa de cogumelos. Me sinto mal por pedir um cheeseburguer com cheddar.

— Também sei que não é daqui. — Concluo.

— Correto.

— Eu fui para a Inglaterra algumas vezes. Não fui muito longe de Londres, talvez até Oxford. — Involuntariamente pendi a cabeça para baixo, memórias ressurgem e sorrio. — É um lugar incrível.

— É verdade, sinto falta. — É sincero, mas aquele sorriso mínimo é de dor.

Harry sente falta de casa. Ele estrala os dedos e começa a comer, um pouco rendida, o acompanho. A atmosfera agora é incômoda e tento preencher o vazio falando.

E contei sobre minhas experiências em Londres e como me perdi depois de ficar bêbada num pub. Acordei abraçada com uma lixeira e trinta libras no bolso. Sua risada me contagiou, ele parece curioso sobre como me diverti em sua terra natal.

Não poupo detalhes e ele parece amar isso. E apesar de ser extremamente hipócrita e idiota, o conto até sobre bocas estranhas que beijei e a aversão que criei a chá com leite. Consigo me ver em seus olhos, o reflexo faz meu estômago revirar com o singelo pensamento de intimidade.

Eu estou rindo com um homem desconhecido. Mais que isso, ele está pegando comida do meu prato e rindo alto das minhas histórias, mas eu não me sinto desconfortável.

Terminamos de comer em quase duas horas. Harry me contou sobre sua pequena cidade, Holmes Chapel. Ele trabalhou numa padaria, tem uma irmã mais velha chamada Gemma e sua mãe, Anne, é a melhor pessoa que um dia já conheceu. Pago toda a conta mais uma vez e marchamos para fora do restaurante silenciosamente.

Ele insiste em caminhar pela neve, meus pés estão praticamente congelados e tropeço tantas vezes que me irrito.

— Harry, onde estamos indo?! Esse caminho é uma merda!

Sua resposta foi uma risada nasalada. Mas o assisti estender a mão e me encarar. Não estou numa posição favorável, então aceito e seguro sua mão para conseguir subir, agarrando firmemente seu braço e me estabilizo.

— É o primeiro lugar que vim quando cheguei em Stowe.

— Está aqui há quanto tempo?

— Três anos. — Assentiu. — Foda, eu sei.

— É mesmo, você é quase um guerreiro. Sabe, eu dormi no sofá ontem. Sonhei com meus amigos, acredita? Acordei e chorei muito.

— Você não vai se acostumar, Turista. Mas te garanto que esse sentimento minimiza. — Seu tom era quase como se tentasse me confortar. Tinha compaixão em seus olhos. — As coisas se tornam mais fáceis.

— Você está sendo legal demais, Styles. — Enfatizo seu sobrenome, ele acha graça. — É até cômico.

— Tentando agradecer pelas refeições pagas. Inclusive, Turista, não me disse como chegou aqui.

Aquele homem tinha o péssimo hábito de enfatizar o apelido ridículo, não, isso não era o foco. Sinto meu coração bater mais rápido, aperto as unhas em seu casaco e ele intercala o olhar entre meus dedos e olhos. Sua feição muda, parece preocupado.

— Também não me disse.

Seus olhos focam em mim.

Foi a primeira vez que quis o abraçar. Foi a primeira vez que meus olhos marejaram naquele dia.

Babe [H.S/PT-BR]Onde histórias criam vida. Descubra agora